Comentários acerca do feminicídio: uma abordagem crítica

07/03/2015 às 14:37
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Feminicídio, uma alteração legislativa necessária?

No dia 09 de março de 2015, em cerimônia no Palácio do Planalto,a presidenta Dilma Rousseff sancionou lei que tipifica o crime de feminicídio.

A Lei sancionada modifica o Código Penal para incluir, entre os tipos de homicídio qualificado, o feminicídio, definido como o assassinato de mulher por razões de gênero — quando envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação contra a condição de mulher. A pena prevista para homicídio qualificado é de 12 a 30 anos de prisão.

O texto aprovado ainda prevê causa de aumento de pena de um terço se o crime ocorrer durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto; contra menor de 14 anos, maior de 60 ou pessoa com deficiência; e na presença de descendente ou ascendente da vítima.

Passo agora a expor minha opinião sobre o assunto e desde já questiono: Este projeto de lei, eminentemente de caráter simbólico, caso sancionado, não seria mais uma lei que entraria no rol de leis desnecessárias existentes na legislação pátria?

Ora, acredita-se que tal alteração trará uma desnecessária diferenciação de gênero, capaz de prejudicar, principalmente, a ampla defesa dos acusados, que dará azo, inclusive, a diversas arbitrariedades do Estado. Digo desnecessária não no sentido de que não deva haver um tratamento diferenciado para aqueles que são diferentes na medida de suas diferenças – mas desnecessárias por já existir proteção suficiente na legislação em vigência no tocante às motivações do tipo penal de infanticídio que pretendem incluir, como veremos a diante.

Ressalta-se, todavia, que as causas de aumento de pena que pretendem incluir, mostram-se proporcionais na medida em que, de fato, as condutas ali descritas possuem maior grau de reprovabilidade, porém o mesmo não se pode dizer da qualificadora do feminicídio.

O feminicídio é definido como o assassinato de mulher por razões de gênero — quando envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação contra a condição de mulher. A primeira questão que vem a tona diz respeito à motivação do homicídio nesse caso – matar mulher por razão de gênero quando envolve menosprezo e discriminação contra mulher – Ora, parece-me latente a possibilidade de enquadrar tais motivações como sendo torpes ou fúteis, motivações estas que já qualificam o homicídio tornando-o hediondo, conforme dispõe o artigo 121, §2°, I e II do Código Penal. Afinal, há algo mais torpe (repugnante, vil) do que matar mulher por menosprezo a sua condição de mulher? Há algo mais fútil (desproporcional) do que matar mulher pelo simples fato de ela ser mulher? Assim sendo, porque incluir um novo artigo que prevê o apenamento da mesma conduta, porém utilizando-se de termos distintos?

A inclusão do feminicídio com a redação que lhe foi dada dará inicio a uma perigosa ferramenta para o Estado-Punidor, principalmente contra os homens que, por algum motivo, mate alguma mulher. Isso porque a cultura machista ainda encontra-se enraizada em nossa sociedade (admito) e, por vezes, senão sempre, duvidar-se-á que o homicídio praticado por homem contra mulher não foi motivado por razão de gênero e/ou discriminação contra a condição de mulher. A inclusão do feminicídio dará margem a denúncias arbitrárias e prejudicará, e muito, a defesa do eventual acusado. Isso porque a presunção sempre será da existência de feminicídio, o que inverterá, na prática (ainda que a teoria diga outra coisa), o ônus probatório, pois é o homem quem terá que provar a inexistência de tais motivações. E como provar isso? A meu ver, é quase uma prova diabólica, de difícil comprovação de inexistência por parte do acusado. Acredita-se que sob o a falsa impressão de dar maior proteção a mulher, o que se terá, na verdade, é uma considerável desproteção ao homem que ficará a mercê de um tipo penal quase que inafastável quando existir homicídio de homem contra mulher em casos de violência doméstica e familiar ou em caso de “menosprezo e descriminação de gênero”.

Outro ponto importante que cabe acrescentar é que o feminicídio entrará no rol de crimes dolosos contra a vida, cuja competência para julgar é do Tribunal do Júri e não se pode deixar de levar em consideração o fato de que na decisão de pronúncia o Juiz Presidente utiliza-se do princípio do “in dubio pro societate”, o que tornará ainda mais difícil a comprovação da não existência da motivação discriminatória por parte do acusado nesses casos. Ao fim, ficará a mercê dos sete jurados a existência, ou não, desta qualificadora. Será uma árdua batalha para os defensores de júri como eu.

Importante mencionar ainda os dados que foram trazidos pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para justificar a necessidade da medida; tem-se que fora apurado o assassinato de 43,7 mil mulheres no país entre 2000 e 2010 — 41% delas mortas em suas próprias casas, muitas por companheiros ou ex-companheiros. Acerca da pesquisa apurada, creio que seja pertinente dois comentários; 1) A existência de um considerável índice de violência contra a mulher não indica a necessária impunidade dos agressores; 2) o homicídio é um crime, na maioria dos casos, passional. Dito isto pergunto, qual o lugar onde geralmente se tem “paixão” e conflitos afetivos senão no ambiente familiar e com a pessoa com quem se tem um relacionamento? É óbvio que isso tem que ser levado em consideração nos dados apurados. No mais, acrescenta-se, por fim, que os dados apurados pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, embora reais, não são conclusivos ao ponto de afirmar que a motivação de tais crimes dizem respeito à discriminação de gênero, admito, porém, que pode ser um dos diversos motivos que contribuem para os índices supracitados.

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Ademais, frisa-se que a referida alteração, embora traga um imediato sentimento de proteção, estudos sérios mostram que não é a pena mais severa que trará a proteção almejada para determinado bem jurídico, mas sim a elaboração de políticas públicas de conscientização a fim de diminuir a descriminação de gênero.

Frisa-se, ainda, que não discordo que devemos ter uma maior proteção para as mulheres, bem como para as crianças, idosos... Afinal, estas pessoas geralmente se encontram em posição de desvantagem, o que deve ser equilibrado por nossa legislação. O procedimento da Maria da Penha, por exemplo, embora muitas vezes utilizados de forma abusiva pelas mulheres, tem se mostrado uma lei necessária e bastante eficiente, principalmente na proteção do gênero feminino e na prevenção de delitos contra a mulher, muito em razão de seu procedimento diferenciado e pelas medidas protetivas ali previstas, e não pela existência de leis mais severas no tocante à pena.

Conclui-se que a lei aprovada só traz uma falsa noção de justiça, que satisfaz a ânsia momentânea do clamor social, assim como muitas leis já aprovadas. Vale lembrar que o projeto de lei foi aprovado pela Câmara Legislativa na mesma semana em que comemora o Dia da Mulher. Dito tudo isso, acredita-se que, a grosso modo, esta lei não passará de mais uma “Lei para Inglês ver”.

Sobre o autor
Vinicius Rodrigues Arouck

Advogado Sócio do escritório Porciúncula Advocacia e Consultoria Jurídica.Advogado do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade de Brasília - UniCEUB.Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB.Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal no Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.Advogado membro da Comissão de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Distrito Federal. Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/DF

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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