Sucessão legítima no Direito Comparado

22/03/2015 às 14:17
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Objetiva tecer breves considerações a respeito da sucessão legítima, tentando abordar temas que, pela própria dinâmica da sociedade, sugerem sempre questões que, a partir do momento em que são discutidas, geram a necessidade de aprimoramento

SUCESSÃO LEGÍTIMA NO BRASIL

Sucessão Legítima no Código Civil de 2002

 Ocorrerá a sucessão legítima, quando falecido o de cujus: não deixar testamento, ou qualquer declaração solene de última vontade; se apenas dispôs parte dos bens em testamento valido; e seu testamento caducou ou foi considerado ineficaz ou nulo, ainda, se havia terceiros necessários, obrigando a redução da disposição testamentária para respeitar a quota reservatória, a lei promoverá a distribuição, convocando certas pessoas para receber a herança, conforme se denomina ordem de vocação hereditária.

Em todas estas hipóteses supracitadas ter-se-á a sucessão legítima, que é deferida por determinações legais, como consta no Artigo 1.851 do Código Civil;

“Dá-se o direito de representação, quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia se vivo fosse.”.

Desta forma os parentes do herdeiro premorto não herdam por direito próprio, mas na qualidade de representantes. Se vivo fosse, o herdeiro receberia os bens da herança, porém, como morreu antes do autor da herança, transmitem-se aqueles bens a sua estirpe.

Cita Clóvis Beviláqua, “representação sucessória é um beneficio da lei, em virtude do qual os descendentes de uma pessoa falecida são chamados a substituí-la na sua qualidade de herdeira legitima, considerando-se do mesmo grau que a representada, e exercendo, em sua plenitude, o direito hereditário que a esta competia.”.

Vislumbra-se que desta forma o direito de representação consiste na convocação legal para suceder em lugar de outro herdeiro, parente mais próximo ao finado, mas anteriormente premorto, ausente ou incapaz de suceder, no instante em que se abre a sucessão.

O Código Civil nesta seara dispõe, em seus artigos 1.811 e 1.804, que ninguém poderá suceder, representado por herdeiro renunciante. No caso deste ser o único legitimo de sua classe, ou se todos os outros da mesma classe renunciarem a herança, poderão os filhos, entretanto, vir a sucessão, por direito próprio e por cabeça. Se o herdeiro renunciar seu direito à herança, o seu representante não o sucede, porque o renunciante é considerado como se nunca tivesse sido herdeiro.

Será, portanto, a vocação hereditária, direta ou indireta. Esta quando o titulo do herdeiro advém diretamente de lei ou de ato de ultima vontade do testador, e indireta, quando a qualidade de herdeiro resulta de lei, mas a primeira convocação não pode efetivar-se por ausência do convocado, substituído, por essa razão, pelo seu descendente.

Tem-se que o direito de representação constitui uma imposição de equidade, a qual repara a perda sofrida pelo representante com a morte prematura de seu ascendente, ou seja, p. ex., caberá herança ao neto cujo pai faleceu antes da sucessão de seu avô.

Para que ocorra o direito de representação é preciso a ocorrência de quatro requisitos: Haver o representado falecido antes do autor da herança; descender o representante pelo representado; ter o representante legitimação para herdar do representado no instante da abertura da sucessão; e não ocorrer solução de continuidade no encadeamento dos graus entre representante e sucedido.

Quanto do falecimento do representado ocorrer antes da morte do autor da herança, ocorrera salvo na hipótese de ausência ou indignidade, que para efeitos hereditários, se equipara ao morto. Isto ocorrerá pois somente se opera a representação no caso de óbito do representado, visto que não se pode representar pessoa viva, salvo o indigno, por ser ele tido como morto para efeito sucessório e por ser pessoal o efeito de exclusão por indignidade, ante o caráter personalíssimo da pena. Quanto ao herdeiro renunciante, não há que se falar em representação, ante o fato de nunca ter sido herdeiro, logo não pode ser substituído pelo seu descendente, por lhe faltar qualidade ou condição de sucessor.

Descender o representante pelo representado é regulado pelo Artigo 1.852 do Código Civil, o qual define o direito de representação, o qual ocorre na linha reta descendente, mas nunca na ascendente. Acontece, entretanto, que se o de cujos falece sem descendentes e sem consorte sobrevivente, sua herança subirá em sua linha reta ascendente. Já na linha transversal, só haverá direito de representação em beneficio dos filhos do irmão falecido, quando concorrerem com irmão deste. Ressalta-se que é imprescindível que o representante seja descendente ou representado.

Ter o representante legitimação para herdar do representado no instante da abertura da sucessão, cabendo esta representação ao ascendente premorto, ou seja, no caso de pai premorto, poderá o filho ser representado para herdar o que lhe couber da herança de seu avô.

Não ocorrer solução de continuidade no encadeamento dos graus entre representante e sucedido. Neste caso vemos que não será possível de o descendente saltar o pai vivo, para representa-lo na sucessão do avo, com exceção nos casos de indignidade, o herdeiro renunciante não pode representa-lo na herença que este repudiou. Portanto não se permite interrupção da cadeia do grau de parentesco, omitindo-se o lugar do intermediário. Só poderá ocupar o grau de um herdeiro se este grau estiver vago.

Vocação Hereditária

Como já dito, falecendo o autor da sucessão sem que tenha feito qualquer declaração solene de última vontade; dispondo apenas de parte dos seus bens em testamento válido; caduco ou considerado ineficaz ou nulo, ou, ainda, em havendo herdeiros necessários, de forma a obrigar a redução da disposição testamentária para que se respeitasse a quota reservatória, abrir-se-á a sucessão legítima para que haja a partilha dos bens do de cujus nos termos em que a lei sucessória estabelece.

Sendo assim, a lei promoverá a distribuição dos bens do falecido de acordo com uma ordem nela mesma estabelecida, denominada ordem de vocação hereditária, convocando certas pessoas para receber a herança nos moldes legais previstos.

A partir dos ensinamentos de Sílvio Rodrigues[1] podemos caracterizar a ordem de vocação hereditária como uma relação preferencial, estabelecida pela lei das pessoas que são chamadas a suceder ao finado. Podemos dizer prontamente que esta relação preferencial trazida pela nossa legislação pátria se baseia em relações de família e sangue, conforme se depreende da leitura do artigo 1.829 do Código Civil:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Nota-se, que a base dessa sucessão é o parentesco, segundo as linhas e os graus próximos ou remotos, respeitando-se a afeição conjugal.

Forçoso ressaltar desde logo que pela sistemática do nosso Estatuto Civil uma classe de herdeiros só é chamada a suceder quando faltarem herdeiros da classe precedente, o que sobreleva a relação preferencial traçada pelo código, deixando nítida a relação de hierarquia entre as classes sucessórias elencadas no artigo 1.829 retrotranscrito.

Conforme ensina Maria Helena Diniz[2], a lei ao fixar essa ordem inspirou-se na vontade presumida do finado de deixar seus bens aos descendentes ou, na falta destes, aos ascendentes, sem olvidar, em ambos os casos, a concorrência com o cônjuge supérstite, afinal se o de cujus quisesse dar seus bens a uma determinada pessoa teria feito testamento. Se não o fez é porque se conformou que seus bens se incorporassem ao patrimônio das pessoas arroladas na ordem de vocação hereditária, legitimando a presunção realizada pela lei. 

Tecidos estes sucintos mas necessários comentários cumpre-nos expor agora como se dá a dinâmica da sucessão legal trazida pelo Código Civil de 2002 a cada uma das classes a quem a lei atribui a qualidade de herdeiro necessário nos moldes do artigo 1.829, esclarecendo ao final o que ocorre a com a herança quando o falecido, no momento de sua morte, não possui mais nenhuma daquelas pessoas elencadas no mencionado artigo.

Sucessão dos Descendentes

Com a abertura da sucessão legítima os descendentes do de cujus são os primeiros convocados pela lei a herdar os bens deixados, tornando-os herdeiros por excelência. Estes herdeiros necessários de primeira classe constituem-se pelos filhos, netos, bisnetos, trinetos ad infinitum, de maneira que excluem os demais herdeiros de outras classes (ascendentes e colaterias). Ressalte-se também que dentro da mesma classe os mais próximos em grau ao falecido excluem os mais remotos,

Outrossim, saliente-se que nos termos do artigo 227, § 6º da Constituição Federal fica vedada a distinção a qualquer título acerca da prole, o que em termos sucessórios garante a igualdade de direitos hereditários aos filhos do falecido.

Entre os descendentes os filhos sucedem por cabeça e os demais descendentes por cabeça ou por estirpe, conforme inteligência do artigo 1.835 do Código Civil; explicamos:

Se os descendentes do auctor successionis estão todos no mesmo grau (p ex: todos são filhos do falecido, todos são netos) a sucessão será por cabeça, recebendo cada um uma quota calculada pela divisão do todo pelo número de herdeiros individualmente considerados.

Porém, se à herança concorrem descendentes de graus diversos (p. ex: dois filhos e dois netos do falecido) processar-se-á por cabeça ou por estirpe, de forma que os quinhões dos herdeiros serão calculados pelo número de linhagens do de cujus, para que após se faça a sucessão igualitária dentro da mesma linhagem, guardadas as proporções entre cada uma de acordo com o número de integrantes de tal linhagem. 

Não podemos esquecer que havendo consorte supérstite do falecido este concorrerá com os descendentes desde que: ao tempo da morte do autor da herança não estava dele separado judicialmente nem separado de fato a mais de dois anos, exceto prova neste último caso, de que essa convivência se tornou impossível sem culpa sua (Código Civil, art. 1.830); não seja casado sob o regime da comunhão universal ou da separação obrigatória de bens; haja bens particulares do autor da herança se casado sob o regime da comunhão parcial de bens.

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Em concorrência com os descendentes, o cônjuge sobrevivo terá direito a um quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorre (Código Civil, art. 1.832).

Por fim, cumpre ressaltar que se o de cujus deixou convivente, este participará da sua sucessão, apenas no que atina aos bens adquiridos na vigência da união estável, visto que se concorrer com filhos comuns terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho e, se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um deles.

Sucessão dos Ascendentes

Na ausência de descendentes, são chamados a suceder, em concorrência com o cônjuge sobrevivente que se amoldar aos requisitos legais do artigo 1.830 do Código Civil, qualquer que seja o regime de bens, seus ascendentes.

Não há distinção de linhas, ou seja, à diversidade entre parentes pelo lado paterno ou materno, de modo que em relação aos ascendentes do falecido, estes não podem ser representados por outros parentes, diferentemente do que ocorre com os descendentes onde se autoriza a sucessão por estirpe.

O cônjuge supérstite, qualquer que seja o regime de bens, concorrerá com os ascendentes, se houver. Se concorrer com ascendentes em primeiro grau (pais), terá direito a um terço da herança, mas se concorrer com um só ascendente (pai ou mãe do falecido), ou se maior o grau de ascendência (avó ou bisavó do de cujus) caber-lhe-á metade do acervo hereditário.

Sucessão do Cônjuge

Na falta de ascendentes e descendentes, a herança de pessoa que tenha falecido será destinada, por inteiro, ao cônjuge sobrevivente. Tal direito só é reconhecido, no entanto, se este se não se encontrava separado judicialmente, nem separado de fato há mais de dois anos do de cujos ao tempo de seu falecimento. Se for caso de separação de fato por período superior a dois anos, há uma exceção legal que viabiliza o reconhecimento do direito à sucessão: caso este prove que a convivência conjugal restou impossibilitada sem culpa sua, ou seja, se o responsável pela separação de fato tiver sido o de cujos, será chamado à sucessão.

Em síntese, como explica Carlos Roberto Gonçalves, são requisitos para o cônjuge ter direito à herança: “a) que não esteja divorciado nem separado, judicial ou administrativamente; b) não estar separado de fato há mais de dois anos do finado; ou c) que prove ter-se tornado impossível a convivência sem culpa sua, se estiver separado de fato há mais de dois anos do falecido” (GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro: volume 7, 7ª edição, São Paulo, Saraiva: 2013).

O direito sucessório do cônjuge só estará afastado depois de homologada a separação consensual ou após o transito em julgado da sentença da separação litigiosa ou de divorcio direto, ou ainda depois de lavrada a escritura publica de separação ou divorcio consensuais.

Em sendo anulado o casamento, ou se decretado nulo, o consorte sobrevivo, se de boa-fé, será chamado a sucessão, e desde que essa se abra antes da sentença anulatória.

No tocante a culpa da separação de fato, uma analise aprofundada do artigo 1.830 do Código Civil permite concluir que se a culpa for exclusiva do finado, ou ainda se não houver culpa por parte de ambos (tendo havido acordo, expresso ou tácito, sem imputação de culpa a nenhuma das partes), o consorte sobrevivente participará da sucessão. No entanto, se for constatada a culpa exclusiva deste, ou ainda a culpa de ambos, então será excluído da sucessão. A culpa, nestes casos, não se presume: deve ser demonstrada pelos terceiros interessados (herdeiros em concorrência; herdeiros colaterais; ex-companheiro do falecido) por meio de documentos hábeis a tal.

Se separados judicialmente, podem os cônjuges reconciliar-se, restabelecendo a sociedade conjugal, mediante ato regular em juízo. Cabe ressaltar que essa reconciliação pode se dar mediante escritura pública. No entanto, a mera reconciliação de fato de nada importa em matéria sucessória. Não há óbice quanto a constituição de união estável após a separação judicial.

Qualquer que seja o regime de bens do casamento é assegurado ao consorte sobrevivente o direito real sobre a residência da família, desde que seja o único desta natureza a inventariar. Aqui, pouco importa a modalidade do casamento.

Sucessão do Companheiro

A primeira distinção na situação jurídica do companheiro sobrevivente em relação à do cônjuge é que àquele não assiste o direito real de habitação. A participação do companheiro na herança também foi estabelecida em disparidade de tratamento em relação ao cônjuge. Ao companheiro assiste menor participação na herança.

Ao analisar o artigo 1.790 do Código Civil é possível traçar a situação jurídica do companheiro na sucessão: “o referido dispositivo restringe o direito do companheiro aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável; prevê o direito a metade do que couber aos descendentes somente do autor da herança e estabelece um terço na concorrência com herdeiros de outras classes que não os descendentes do falecido; não beneficia o companheiro com quinhão mínimo na concorrência com os demais herdeiros nem o inclui no rol dos herdeiros necessários; concorre na proporção de um terço também com os colaterais e só é chamado a recolher a totalidade da herança na falta destes” (GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro: volume 7, 7ª edição, São Paulo, Saraiva: 2013).

Alguns arguem a inconstitucionalidade do artigo 1.790 sob o argumento de que a Constituição Federal pretende dar tratamento paritário à união estável e ao casamento. Carlos Roberto Conçalves não entende desta maneira: alega que a Carta Magna na verdade não equiparou a união estável ao casamento, e que o fato de serem injustas as referidas disposições não fazem delas inconstitucionais.

Recolhimento da herança pelo Município, Distrito Federal e União

Nos termos do artigo 1.844 do Código Civil, “não sobrevindo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado a herança, esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal”. Tal devolução pode ser evitada pela via testamentária.

Não sendo herdeiro, o Estado não aceita a herança, nem lhe é dado repudiá-la ou renunciá-la. É como um sucessor obrigatório subsidiário.

Em sede do direito pátrio, a natureza jurídica da sucessão em favor do Estado decorre do direito sucessório: “na falta de outras pessoas sucessíveis, por lei ou por testamento, herda o Município em reconhecimento da colaboração prestada ao individuo na aquisição e conservação da riqueza” (GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro: volume 7, 7ª edição, São Paulo, Saraiva: 2013).

SUCESSÃO LEGÍTIMA NA ALEMANHA

Introdução

Aquele que herda ou pretende ordenar a sua herança, deve observar uma série de requisitos fundamentais para validar o seu direito. A tramitação de uma herança exige uma correspondência extensa e frequentemente célere com os órgãos públicos locais.

O direito alemão se regula pela nacionalidade do testador na questão das consequências da disposição relativa à última vontade (testamento, contrato de partilha, etc.). No que diz respeito à forma da disposição da última vontade, assim como aos seus efeitos jurídicos, terá sempre validade, para um cidadão alemão, o direito alemão, devido ao princípio da nacionalidade. Sobre esta questão, atualmente planeja-se uma diretiva comunitária que irá possivelmente ter como consequência uma alteração destes princípios.

Um testamento escrito e assinado por mão própria é suficiente para as exigências formais do direito sucessório alemão.

Competência

O processo de sucessão alemão é da competência do Tribunal das Sucessões, no local da última residência do falecido. O conjunto dos pedidos que são a entrega do certificado de herança, as declarações relativas à renúncia da herança por exemplo, também pode ser objeto de uma ata elaborada por um notário. Em caso de sucessões internacionais, o Tribunal é, em princípio, competente relativamente a todos os bens do falecido independentemente do local da sua situação (princípio da unidade da sucessão).

Direto aplicado:

O direito aplicável é, por norma, determinado pela nacionalidade do falecido. Se o falecido é estrangeiro, verifica-se qual seria o direito aplicável pelo seu país de origem; esse direito seria então aplicado na Alemanha. No entanto, a transmissão sucessória de bens imóveis situados noutro país pode determinar, se for o caso, a aplicação da lei desse Estado.

Qualquer estrangeiro pode escolher o direito alemão como lei aplicável aos bens imóveis situados na Alemanha. No entanto, isto resulta numa separação da herança se a massa hereditária restante (propriedade imóvel no estrangeiro, bens móveis) estiver sujeita a outro sistema jurídico.

Testamento e seus limites:

É necessário falar em testamento, mesmo que o ensejo do presente trabalho seja a sucessão legítima. É possível estabelecer disposições por causa morte na forma de um testamento, quer seja de mão comum, que se estende aos cônjuges e parceiros registrados do mesmo sexo, quer seja de um contrato de herança. Os testamentos podem ser redigidos de forma hológrafa ou ser recebidos na forma autêntica por um notário. Em caso de sucessões internacionais, o conselho prestado por um notário é particularmente importante. Um contrato de herança deve ser sempre objeto de uma autenticação notarial.

A lei alemã garante que os testamentos recebidos na forma autêntica por um notário e depositados junto do tribunal de sucessões serão abertos em caso de morte quando um tribunal alemão for competente. Um testamento hológrafo só pode ser depositado junto do tribunal quando o falecido tiver solicitado nesse sentido.

Na ausência de um testamento, a ordem de vocação dos herdeiros são primeiramente os descendentes, na falta destes, os pais e seus descendentes e, na falta destes, os outros membros da família. Se o falecido não deixar nem cônjuge, nem descendentes, os seus pais herdam em partes iguais. Se o falecido não casado deixa filhos, estes herdam em partes iguais.

O cônjuge ou parceiro registrado sobrevivente será apenas o co-herdeiro ao lado dos filhos. O valor da sua parte sucessória depende do regime matrimonial de bens. Se o falecido viveu com o seu cônjuge sob o regime legal de comunhão de bens adquiridos e deixar filhos, o cônjuge sobrevivente recebe metade da herança (¼ a título da sucessão legal e ¼ como prestação compensatória). Os filhos partilham entre si o remanescente da herança em partes iguais.

Os companheiros registrados e os não registrados não têm os mesmos direitos sobre a sucessão.

Os companheiros não registrados devem prever a concessão dos seus bens ao companheiro sobrevivente num testamento, uma vez que não são herdeiros legais. Os parceiros do mesmo sexo são sucessíveis desde que tenham subscrito um companheiro registrado no Estado Alemão.

Apenas os descendentes (na falta destes, os pais) e o cônjuge sobrevivente têm direito à quota legítima. Esta ascende à metade da parte hereditária no âmbito da sucessão legal. Trata-se apenas de um direito de pagamento que o beneficiário deve fazer valer no prazo legal.

Sucessão:

A sucessão transfere-se automaticamente no momento da morte do falecido sem qualquer intervenção por parte do herdeiro. No entanto, este deverá agir se não quiser aceitar a herança. Para não aceitar, deverá renunciar num prazo de seis semanas, num prazo de seis meses se a última morada do falecido se situar no estrangeiro.

Não existem relações de pura confiança, ou de acordo, nas questões de sucessão na lei alemã. A Alemanha é uma jurisdição de direito civil que não reconhece este tipo de instituto. Portanto, não havendo executor, não haverá também acordos de vontades para se estabelecer a posse de ativos e passivos sucessórios. O direito sucessório alemão prevê que a propriedade do falecido passa diretamente aos herdeiros legítimos no momento da morte. No direito alemão, a mesma regra se aplica às obrigações e dívidas. Consequentemente, além dos bens que se pode herdar, pode-se também herdar as dívidas. Contudo, é possível juridicamente renunciar à herança.

Para ser um herdeiro de direito na Alemanha, dependerá se o falecido deixou um testamento. Se não há disposição de última vontade, pode-se ter um herdeiro de direito sob a lei alemã de sucessão sem testamento. Se há uma vontade, na maioria dos casos, só se terá um herdeiro se falecido citar, explicitamente ou implicitamente. Se não a nomeação de um herdeiro sob a vontade, a lei alemã prevê que este ainda poderá ter direito a uma quota forçada da herança, mesmo que falecido pretendia excluí-lo.

Qualquer pessoa que acredite ter o direito de herdar necessita abrir um procedimento submetendo tal ensejo ao Tribunal onde falecido tinha domicílio. O Tribunal irá notificá-lo, caso seja o caso de um herdeiro sob a vontade, ou um herdeiro em lei. Mesmo se não houver herdeiros, será necessária a solicitação de cartas de herança que são fundamentais para a transferência de um título de propriedade herdada na Alemanha, e, geralmente, necessário para liquidar as contas bancárias e reclamações. Uma vez que o Tribunal recebe uma aplicação que para que se notifiquem os herdeiros em lei, se a identidade dos herdeiros não estiver clara, o Tribunal pode usar os investigadores para encontrar e contatar possíveis herdeiros.

Depois de se ter conhecimento de quem são os herdeiros legítimos, ou sob vontade do falecido, esses tem seis semanas para negar a herança, se ainda não à aceitação. Herdeiros que vivem no exterior, ou estão no exterior no momento da morte, podem se beneficiar de um período prolongado de seis meses para assumirem uma herança na Alemanha.  Existem certos atos, diversos de uma anuência expressa ou propriamente dita, que podem implicar a aceitação de uma herança no direito alemão. Se o herdeiro aceitar uma herança na Alemanha, ele pode ser pessoalmente responsável pelas dívidas decorrentes daquele espólio, inclusive com os seus próprios recursos.

 Por fim, a questão tributária na Sucessão Alemã é aplicada de forma uniforme. O seu montante depende do valor do patrimônio herdado, assim como do grau de parentesco dos herdeiros. São previstos grandes abatimentos para os cônjuges, companheiros registrados do mesmo sexo, filhos e netos. Outras pessoas, tais como os companheiros de uma união de fato, só têm direito a um abatimento de vinte mil euros. As taxas de tributação variam entre sete e cinqüenta por cento, não podendo ultrapassar esse percentual, qualquer que seja a espécie de tributação oriunda de uma situação de sucessão, partilha ou inventário.

PECULIARIDADES – SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS

Em matéria de Direito Sucessório, notável é a existência de semelhanças e diferenças nas disposições normativas, bem com suas respectivas intepretações e aplicações, em relação ao ordenamento jurídico brasileiro e alemão.

Inicialmente, é forçoso ressaltar a prevalência, em ambos sistemas jurídicos pátrios, das disposições de última vontade do de cujus em relação a abertura da sucessões por ordem hereditária.

Isto é, tanto na sucessão alemã quanto na brasileira, primeiro verifica-se a existência de uma declaração de última vontade, consubstanciada principalmente em um testamento, feita pelo morto, quando ainda em vida, para, em um segundo momento, abrir-se a dita sucessão legitima.

Nesse sentido, estabelece o Código Civil Brasileiro de 2002 que, na ausência ou invalidade/ineficácia de declaração de última vontade, a partilha dos bens deixados pelo autor da sucessão seguirá uma ordem preferencial determinada pela vocação hereditária, a qual é baseada em relações de família e sangue.

Assim, há a vocação hereditária indireta, quando aplicável a já explicada sucessão por representação, e direta, quando observadas as disposições do artigo 1.829 e seguintes do citado diploma legal.

Nessa toada, haverá preferencia primeiramente aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se caso em regime de comunhão universal ou no da separação obrigatória de bens, seguido aos ascendentes, também em concorrência ao cônjuge sobrevivente. Inexistentes parentes em linha reta, a sucessão seguirá somente ao cônjuge sobrevivente, o qual, caso também seja ausente, restará a partilha dividida entre os parentes colaterais do de cujus. Portanto, evidente é a relação hierárquica entre as classes sucessórias e dentro das próprias classes, sendo que os parentes mais próximos em grau do falecido, excluem os mais remotos. Por fim, caso o autor da herança não possua nenhum parente sucessível, há herança se devolve ao Estado, considerado assim um sucessor obrigatório e subsidiário.

De outra banda, porém com características semelhantes, a sucessão no Direito Alemão também segue uma ordem de vocação dos herdeiros, na ausência de testamento deixado pelo autor da sucessão. Nesse caso, conforme amplamente destacado, a ordem de vocação consiste, primeiramente, nos descendentes, seguido pelos pais e seus descendentes e, ao final, por outros membros da família. O cônjuge sobrevivente ou parceiro registrado serão apenas co-herdeiros ao lado dos filhos, segundo as explicadas quotas partes. No Ordenamento Alemão, contudo, é particularmente previsto que, aberta automaticamente a sucesso com a morte do falecido, os herdeiros deverão aceitar ou renunciar a herança, no prazo de 6 semanas ou 6 meses, se a última moradia do falecido se situar fora da Alemanha.

CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, evidente é a intenção legislativa, tanto do ordenamento jurídico brasileiro quanto alemão, em matéria de Direito Sucessório, da utilização de uma ordem vocacional hereditária e hierárquica na abertura da sucessão de um falecido, quando inexistente uma disposição de última vontade elaborada por este, quando ainda era vivo.

[1] Silvio Rodrigues, Direito Civil, 3ª Edição, p. 78

[2] Curso de Direito Civil Brasileiro; Vol. 6 – Direito das Sucessões, 21ª Ed, p. 103

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