Suzane Von Richthofen: a pena deveria ser menor

23/03/2015 às 22:07
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Ao contrário do que muita gente pensa, se não fossem os erros técnico-jurídicos existentes na sentença que condenou Suzane Von Richthofen, a pena dela seria bem menor da que foi efetivamente aplicada.

A sentença penal condenatória de 39 (trinta e nove) anos (referente apenas aos delitos de homicídio perpetrados contra os pais dela, em concurso material - art.69, Código Penal brasileiro) de reclusão aplicada a SUZANE LOUISE VON RICHTHOFEN sofre de alguns erros técnico-jurídicos, o que ocasionou a fixação de uma pena privativa de liberdade bem superior ao que determina o princípio constitucional da individualização da pena (inciso XLVI, art.5º, Carta Política de 1988).

Inicialmente, cabe destacar que SUZANE foi condenada pelo Tribunal do Júri como incursa nos delitos de homicídio triplamente qualificado (art.121, §2º, I, III e IV, CP) contra seus pais, MANFRED e MARÍSIA RICHTHOFEN.

Da análise da referida sentença (link abaixo[1]), observa-se que o douto magistrado considerou 4 (quatro) circunstâncias judiciais (apenas 2, conforme se verá) desfavoráveis a SUZANE (culpabilidade, intensidade do dolo, clamor público e consequências do crime). Ademais, ante a existência de 3 qualificadoras, usou uma para qualificar o delito e as outras 2 (duas) deixou para valorá-las como agravantes (na 2ª fase da dosimetria). Destarte, sopesando as 4 circunstâncias judiciais, fixou a pena-base em 16 (dezesseis) anos de reclusão e, na fase seguinte, aplicando as 2 qualificadoras como agravantes (sendo que cada uma teve um quantum de 2 (dois) anos), alcançou o montante de 20 (vinte) anos, que, ante a existência da atenuante da menoridade (art.65, I, CP), onde o juiz valorou em apenas 6 (seis) meses, a pena definitiva restou em 19 (dezenove) anos e 6 (seis) meses para cada um dos homicídios praticados contra seus pais, ante a inexistência de causas especiais de aumento ou diminuição da pena (3ª fase). Neste diapasão, ante o concurso material dos referidos crimes, a pena somada chegou a 39 anos de reclusão.

Todavia, como dito alhures, a sentença condenatória sofre de "patologias" jurídicas, senão vejamos.

primeira falha técnica se refere a sopesar na fixação da pena-base, a intensidade do dolo e o clamor público como se fossem circunstâncias judiciais, quando verdadeiramente não são, vez que, referidas circunstâncias não estão encartadas no rol do art.59 do CP.

Primeiramente, cabe destacar que a intensidade do dolo é considerada pela doutrina jurídica como circunstância tendente a revelar o grau da culpabilidade, de tal sorte que, quanto maior a intensidade do dolo, maior será a culpabilidade. Porém, o juiz já havia considerado a culpabilidade como circunstância negativa. Em outras palavras, ele acabou por incorrer em bis in idem (dupla valoração), vez que considerou uma circunstância (intensidade do dolo) que leva a descortinar a culpabilidade como uma circunstância autônoma, porém, que não consta no rol das circunstâncias judiciais do art.59.

O mesmo se diga do clamor público. Considerando a ordem constitucional inaugurada em 1988, de feição nitidamente garantista, o julgador deve aplicar a pena de acordo com as normas legais (respeito ao princípio da legalidade), independentemente da opinião pública, que, como cediço, tende a ser manipulada pelos meios midiáticos. 

Desta forma, considerando que tanto a intensidade do dolo como o clamor público não fazem parte do rol das circunstâncias judiciais, em respeito aos princípios da legalidade e a individualização da pena, as aludidas circunstâncias não poderiam ser usadas para recrudescer a reprimenda a ser imposta a SUZANE.

Continuemos. Insta registrar que, apesar de não ser unânime, na época do julgamento de SUZANE, isto em 2006, predominava o entendimento nos Tribunais de que a ante a existência de mais de uma qualificadora, uma devia ser usada para qualificar o crime e as demais seriam valoradas na 1ª fase da dosagem da pena, referente à circunstância que mais se assemelhasse. Nesse sentido, o próprio Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Habeas Corpus[2] nº 102.242-SP (julgado em 02 de outubro de 2008), impetrado pela defesa de SUZANE, irresignada com pena que lhe foi imposta, acabou por sufragar esta corrente. 

A última "patologia" no campo da fixação da pena-base foi considerar como consequência (negativa) - nos crimes de homicídio - a morte da vítima. Isso porque, ante a grave consequência natural que é a morte (senão sequer o crime se consuma), o homicídio possui uma das penas mais graves da legislação penal, vez que no primeiro momento da individualização da pena, isto é, a (fase) legislativa, o legislador, atento a tal fato, escolheu uma pena proporcional à magnitude da violação a tão caro bem jurídico (a vida). Nesse sentido, o jurista e professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO[3] leciona que:

É defeso ao magistrado elevar a sanção, no trabalho de motivação e aplicação da pena, em razão da virulência do ataque ou da gravidade de lesão ao bem jurídico, tomando circunstâncias já consideradas no tipo incriminador. Se assim o fizer, incidirá no bis in idem, repetindo para a gravidade do crime a modalidade ou o grau de intensidade da ofensa, ambos já considerados e avaliados pelo legislador ao fixar a quantidade da pena mínima.

No mesmo sentido, o eminente penalista GUILHERME DE SOUZA NUCCI[4], explica que:

O mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico, é a consequência a ser considerada para a fixação da pena. É lógico que num homicídio, por exemplo, a consequência natural é a morte de alguém e, em decorrência disso, uma pessoa pode ficar viúva ou órfã. Diferentemente, um indivíduo que assassina a esposa na frente dos filhos menores, causando-lhes um trauma sem precedentes, precisa ser mais severamente apenado, pois trata-se de uma consequência não natural do delito. (negritei)

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Desta forma, o erro técnico-jurídico se deu ao valorar desfavoravelmente contra SUZANE as consequências dos crimes de homicídio, isto é, as mortes, vez que tal circunstância é inerente ao tipo penal, sendo aberrante caso de dupla valoração (bis in idem), vedado em nosso ordenamento jurídico. Na jurisprudência, ao dosar a pena de condenados por homicídio, o magistrado baiano e professor de Direito Penal da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), MOACYR PITTA LIMA FILHO, assim decidiu:


"[...] A consequência do crime, embora de enorme gravidade como em todos os delitos dessa natureza, é elementar do tipo de homicídio, motivo pelo qual não deve ser levada em consideração na dosimetria. [...]" (Ação Penal nº 0070491-83.2001.805.0001).

Assim, considerando os argumentos acima alinhados, tem-se que para a fixação da pena-base deveriam ser valoradas apenas a culpabilidade e as duas qualificadoras (conforme entendimento à época do STJ, o qual, frise-se, atualmente acolhe a corrente de que as demais qualificadoras devem ser valoradas como agravantes (se houver previsão nos arts.61 e 62 do CP) e se não houver previsão como circunstância judicial), sendo a pena-base fixada por volta de 18 (dezoito) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

Acontece que, ante a incidência da atenuante da menoridade (art.65, I, CP), na segunda fase da dosimetria, a pena será reduzida. Aqui cabe registrar outro erro técnico-jurídico da sentença, vez que, de forma desproporcional, valorou as agravantes em 2 (dois) anos para cada uma e para atenuante (a qual, diante do concurso de agravantes e atenuantes, prepondera sobre qualquer outra circunstância - art.67, CP), frise-se, em apenas 6 (seis) meses. Ora, em regra, como forma de se evitar a discricionariedade do juiz, o melhor é entender que cada circunstância legal genérica (agravante e atenuante) tem o mesmo quantum de valoração. Em regra, as aludidas circunstâncias têm que guardar proporcionalidade, seja para aumentar (agravante) ou diminuir (atenuante).

Como é cediço, em que pese a legislação penal não fixar o quantum de valoração das atenuantes (e também das agravantes), o entendimento jurisprudencial - neste sentido, na doutrina[5] conferir Guilherme de Souza Nucci, José Antonio Paganella Boschi, Cezar Roberto Bitencourt e Ricardo Augusto Shcmitt, etc. - predominante dos Tribunais Superiores (STJ[6] e STF) é no sentido de cada uma delas valem no máximo 1/6 (um sexto) a ser aplicado sobre a pena-base. 

Assim, considerando a pena-base de 18 anos e 6 meses, acrescida da redução da atenuante em 1/6, a pena definitiva de SUZANE RICHTHOFEN restaria definitiva em aproximadamente 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de reclusão, ante a inexistência de circunstâncias de aumento ou diminuição da pena

Por fim, considerando o concurso material (art.69, CP), vez que foram praticados 2 (dois) homicídios, somando-se as referidas sanções, a pena a ser cumprida seria de 31 (trinta e um) anos de reclusão, isto é, montante bem abaixo dos 39 (trinta e nove) anos que foram impostos a SUZANE pela referida sentença condenatória. Assim, verifica-se que foram impostos a SUZANE um montante de 8 (oito) anos a mais, sendo que tal acréscimo não se mostra condizente com o mandamento constitucional da individualização da pena gizado no inciso XLVI do art.5º da Constituição Federal de 1988.

Diante o exposto, observa-se claramente como quão prejudicial os referidos erros técnico-jurídicos se revelaram - e ainda revelam - para SUZANE, vez que, como sabido, a progressão de regime de cumprimento da pena se dá com relação à totalidade da pena imposta, que no seu caso, foram adicionados aproximadamente 8 (oito) anos em sua condenação. Este montante não são 8 (oito) dias, 8 (oito) meses, mas 8 (oito) anos, quase uma década. E o pior, em total desconformidade com a garantia da individualização da pena prevista em nossa Lei Maior.

Referências


[1]http://noticias.terra.com.br/brasil/casorichthofen/interna/0,,OI1076929-EI6792,00.html

[2] No que tange ao supracitado Habeas Corpus impetrado pela defesa de SUZANE, julgado no dia 02.10.2008, o STJ redimensionou a pena imposta na sentença para 38 (trinta e oito) anos de reclusão. Para tanto, o STJ aumentou o quantum de valoração da atenuante da menoridade (art.65, I, CP)fixada na sentença - onde fora fixada em apenas 6 (seis) meses para cada crime -, reduzindo em 1 (um) ano a pena para ambos os crimes de homicídios.

[3] AZEVEDO, David Teixeira de. Dosimetria da pena: causas de aumento e diminuição. 1ª ed. 2ª tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p.42.

[4]  NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.226.

[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.231; BOSCHI, José Antônio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 6ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013, p.240; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, vol. 1. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.612; SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença Penal Condenatória. 7ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2012, p.215.

[6] Na jurisprudência: STJ, HC 186769/SP, Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., Dje 12.06.2012.

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Sobre o autor
Adão Mendes Gomes

Advogado; Graduado em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB); Ex-Juiz Leigo do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia; Especialista em Ciências Criminais; Especialista em Direito Processual Penal; Autor de livros jurídicos e artigos jurídicos; Autor do blog jurídico "O Direito na Berlinda", que trata especialmente de temas ligados ao Direito Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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