Os novos arranjos de família no Direito Brasileiro

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25/03/2015 às 15:55
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É inegável a importância da familia na formação humana, por essa razão, legitima-se a cogitação do presente tema. E com esse escopo dissertarei de forma minuciosa acerca das espécies de família atualmente reconhecidas pelo ordenamento jurídico pátrio.

Introdução

A evolução da família brasileira se tornou mais visível nos últimos tempos: mães solteiras, pais solteiros, filhos com dois pais e uma mãe, dois homens pais de uma criança, a fusão de duas famílias, avós e netos morando sob o mesmo teto, irmãos unilaterais.

Dessa forma, é inegável que as famílias vêm evoluindo. Porém, essa evolução que um dia se deu de forma lenta, nos últimos anos, trouxe muitos avanços para as questões do direito de família.

Há algum tempo a Justiça se posicionou e reconheceu muitas espécies de família. Desinibindo, então, a população de assumir sua real situação em relação a suas famílias.

Os tabus enfrentados antigamente pelo fato de se ter um filho homossexual, ou o fato de criar um filho sem a presença do pai, a questão do casamento, do divórcio, são problemas menos importantes na atualidade.

Deve-se levar em consideração o afeto, a socioafetivade, a convivência. Hoje o documento não vale tanto quanto o amor que envolve uma família.

Desse modo, legitima-se a cogitação do presente tema de monografia por conta da influência que o Poder Judiciário teve no reconhecimento dos novos arranjos familiares em respeito ao artigo 203, inciso I da Constituição Federal de 1988 que explana a responsabilidade da assistência social em proteger a família.

Utilizando-se o método de pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo, procurou se desenvolver explicações acerca do Direito de Família, enfatizando a formação familiar contemporânea através de teorias publicadas em livros ou obras, decisões judicias, questionários e análise de pesquisas que já trataram sobre o assunto. Tendo como principal objetivo de pesquisa o conhecimento e analise das contribuições teóricas existentes sobre o assunto, tornando-se um instrumento indispensável para pesquisas futuras, ampliando o grau de conhecimento desta área e utilizando como instrumento de auxílio para a construção e fundamentação de hipóteses o domínio do conhecimento disponível.

É com esse escopo que dissertarei de forma minuciosa acerca das espécies de família, enfatizando a questão do casamento civil entre homossexuais e o entendimento dos Tribunais Superiores acerca do referido tema.

Dessa forma, o primeiro capítulo traz apontamentos ligados a essa evolução referida nos parágrafos acima. A evolução da família e a influência da igreja na formação familiar.

O segundo capítulo se limita a explanar e conceituar os novos arranjos familiares, as novas espécies de família.

Já o terceiro capítulo visa o entendimento de julgados dos Tribunais Superiores em questões envolvendo famílias. Bem como a opinião popular acerca do novo conceito de família, com apresentação de percentuais e pesquisas acerca do referido tema.

No capítulo final são apresentadas as conclusões, bem como sugere-se algumas questões pertinentes. Diante do exposto, a presente monografia visa discutir o direito dos homossexuais ao casamento civil, seus reflexos na sociedade contemporânea e na religião, bem como os modelos das novas famílias brasileiras, tomando como base preceitos constitucionais e doutrinários, e principalmente a realidade da sociedade atual obtida através de pesquisas realizadas.


1. A evolução da família brasileira: uma breve análise histórica.

A evolução da família brasileira se deu de forma lenta. Em tempos mais remotos, homens e mulheres desempenhavam papéis diferentes perante a família, em que o papel do homem era sustentar a casa e o da mulher cuidar da casa e dos filhos.

A mulher era considerada relativamente incapaz e precisava da autorização do marido para exercer certos atos, conforme preleciona Dias ((a) s.d.:1): “[...] a mulher ao casar perdia sua plena capacidade, tornando-se relativamente capaz, como os índios, os pródigos e os menores. Para trabalhar precisava da autorização do marido”.

Além disso, o regime de bens obrigatório da época era o da comunhão universal de bens, conforme a ilustre doutrinadora Dias ((d) 2013: 44):

“Ao casar, a mulher tornava-se relativamente capaz, não podia trabalhar nem administrar seus bens [...]. Duas pessoas fundiam-se numa só, formando uma unidade patrimonial, sendo o homem o elemento identificador do núcleo familiar”.

Essa visão arcaica e engessada do direito de família se estendeu até o ano de 1.962 (mil novecentos e sessenta e dois), pois com o advento do Estatuto da Mulher Casada a mulher teve, ainda que timidamente, alguns direitos em relação a dependência do marido, de acordo com o artigo acima citado da ilustre doutrinadora Dias ((a) s.d.: 2):

“O chamado Estatuto da Mulher Casada devolveu a plena capacidade à mulher, que passou à condição de colaboradora na administração da sociedade conjugal. Mesmo tendo sido deixado para a mulher a guarda dos filhos menores, sua posição ainda era subalterna. Foi dispensada a necessidade da autorização marital para o trabalho e instituído o que se chamou de bens reservados, que se constituía do patrimônio adquirido pela esposa com o produto de seu trabalho”.

Somente 15 (quinze) anos mais tarde, em 1.977 (mil novecentos e setenta e sete), o divórcio tomou o lugar do desquite, porém, cada cônjuge poderia se divorciar uma única vez, tendo-se como regra nos casamentos, o regime da comunhão parcial de bens, iniciando mesmo que lentamente a questão da mudança no âmbito familiar, ficando visível a diferenciação e principalmente a evolução nos modelos familiares a partir desta época. De acordo com Dias ((d) 2013: 44): “Daí a Lei do Divorcio, que em 1.977 (mil novecentos e setenta e sete), consagrou a dissolução do vínculo matrimonial, mudou o regime legal de bens para o da comunhão parcial e tornou facultativa a adoção do nome do marido”, pois até então era obrigatória à aquisição do nome do marido pela mulher.

Superado o contexto histórico da situação da família brasileira, cabe se fazer uma breve conceituação do que vem a ser a família contemporânea.

1.1. Conceito atual de família.

Com o passar dos anos se pôde atrelar o conceito de família aquela que é patriarcal e tem o papel do pai como exemplo e meio de sustento e orientação, que seria a família tradicional, composta por pai, mãe, filhos, genros, netos.

Porém a mudança nos arranjos familiares começou a ficar explícita com o modelo monoparental, surgido com a evolução feminina na sociedade.

De acordo com a ilustre doutrinadora Dias ((d) 2013: 42):

“A lei nunca se preocupou em definir família. Limitava-se a identificá-la com o casamento. Esta omissão excluía do âmbito jurídico todo e qualquer vinculo de origem afetiva que leva à comunhão de vidas e embaralhamento de patrimônio”.

Porém, é sabido que atualmente o modelo de família está sendo alterado. É muito comum depararmo-nos com famílias compostas por marido, mulher e ambos terem filhos de casamentos anteriores e ainda possuírem filhos em comum. Desse modo, gera um vinculo socioafetivo entre filhos e padrastos ou madrastas, não devendo essa forma familiar ser ignoradas pelo ordenamento jurídico pátrio.

É ainda comum, verificarmos o grande índice de mães solteiras e até mesmo pais solteiros. Hoje é ainda habitual a formação de famílias com dois pais e duas mães, duas mães e um pai, dois pais e uma mãe, que não são desconsiderados legalmente por não seguirem os aspectos tradicionais.

De acordo com Lôbo (2011: 37): “A família é sempre socioafetiva, em razão de ser um grupo social considerado base da sociedade e unida na convivência afetiva”.

Por conta de toda a evolução no âmbito familiar em na sociedade brasileira, somente em 2006, a Lei Maria da Penha (LMP) em seu artigo 5º, se preocupou em definir o conceito de família, se limitando e informar à população que família é qualquer relação de afeto.

Diante disso, resta amplamente entendido que a família moderna deve se basear no afeto, na boa relação. Não interessa mais os componentes de sua formação e sim o nível de relacionamento entre os familiares. Dessa forma, Villela (1994: 645) defende que: “a teoria e a prática das instituições de família dependem, em ultima análise, da competência em dar e receber amor”.

Entretanto, é sabido que nem todos aceitam o fato de a nova família brasileira ter uma formação diferente das antigas. Logo, cabe explanar o motivo de tanta divergência entre alguns grupos influentes de nossa sociedade e os novos modelos de família. Dessa forma, abordar-se-á no próximo título acerca da influência da religião na formação da família.

1.2. A influência da religião na formação da família.

Apesar de convivermos em um Estado laico, a opinião e os ensinamentos cristãos ainda têm muita relevância na vida da sociedade. Sendo entendimento predominante entre aqueles que seguem uma religião cristã, o modelo tradicional, aquele composto pelo pai, a mãe e os filhos e irmãos bilaterais.

A família é considerada para os cristãos como a igreja doméstica, a primeira igreja, a igreja a qual se nasce, se tem ensinamentos acerca da religião e acerca de tudo o que se considera certo e errado para os seguidores de Cristo.

Os católicos possuem uma doutrina de suma importância, chamada de Catecismo da Igreja Católica (CIC) (2000: 455) que explana que em seu parágrafo 1666 que:

“O lar cristão é o lugar onde os filhos recebem o primeiro anúncio da fé. É por isso que a casa de família se chama, com razão, Igreja doméstica, comunidade de graça e de oração, escola de virtudes humanas e de caridade cristã”.

A sociedade contemporânea, por conta da religião discrimina alguns dos novos tipos de entidade familiar alegando uma ofensa à família, pois as religiões cristãs veem o matrimônio como um sacramento que tem como objetivo a procriação. Considerando acima de tudo o casamento como união indissolúvel.

Segundo a Bíblia, livro sagrado para os cristãos, baseando-se na ordem divina do livro de Gênesis, capítulo 1 (um), versículo 22 (vinte e dois), é possível enxergar que o objetivo divino era a procriação. Logo, os cristãos não poderiam viver um casamento sem a devida procriação.

Dessa forma, as famílias contemporâneas sofreram certa discriminação por conta das atitudes da igreja.

Porém para Maria Berenice Dias, o afrouxamento dos laços entre o Estado e a Igreja acarretou em uma profunda evolução social e com essa evolução muitos tipos de famílias surgiram sem que tivessem nomenclatura para elas.

Porém algumas dessas famílias são alvos de discriminação. Segundo Dias ((f), 2005), a igreja é fez com que as relações homoafetivas fosse alvo de preconceito, conforme se lê no trecho abaixo transcrito:

“As uniões de pessoas do mesmo sexo sempre existiram, mas a partir do momento em que a igreja sacralizou o conceito de família, conferindo-lhe uma finalidade meramente procriativa, as relações homossexuais se tornaram alvo do preconceito e do repúdio social”. (p. 40)

Ocorre que a igreja católica rapidamente se posicionou frente às evoluções nos modelos familiares. E isso é visível com as novas formas de interpretação do CIC, pelo Papa Francisco.

Apesar de a igreja possuir uma doutrina visivelmente preconceituosa com as famílias contemporâneas, a forma de interpretar e transmitir essa interpretação aos fieis se tornou diferente.

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Como exemplo temos o discurso do Papa Francisco sobre as mães solteiras:

“Pensem em uma mãe solteira que vai à igreja, à paróquia e ao secretário: 'Quero batizar meu filho'. E depois esse cristão, essa cristã lhe diz: 'Não, você não pode porque você não é casada!'. Mas, veja, essa jovem teve a coragem de levar adiante a sua gravidez e não devolver o seu filho ao remetente, e o que ela encontra? Uma porta fechada! […]”.

Dessa forma, é visível a influência da evolução nos conceitos de família perante a sociedade. Nesse sentido, é inegável que a aparição das novas famílias vem mexendo com a estrutura tradicional da família em vários sentidos.

No mesmo sentido, pela primeira vez, somente no ano de 2.013 (dois mil e treze) a igreja por meio do Papa Francisco ensinou a não discriminar aqueles que escolhem um tipo de vida diferente dos cristãos:

“Se uma pessoa é gay, procura a Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-la? O catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados por causa disso, mas devem ser integrados na sociedade. O problema não é ter essa tendência. Não! Devemos ser como irmãos”.

Volvendo ao assunto do casamento para a igreja católica, é inegável que esse instituto ou sacramento seja considerado como uma união indissolúvel, ou seja, não deve ter fim.

Porém, hoje já é visível em algumas igrejas pelo Brasil a participação de casais divorciados em muitos acontecimentos religiosos, reconhecendo a própria igreja o grande número de fieis que não respeitaram o sacramento do matrimônio conforme deveriam.

Ocorre que apesar de a intepretação papal tenha sentido contrário a discriminação, a posição da igreja ainda é irredutível em relação ao referido assunto, disposto no trecho do CIC (2000: 451), abaixo transcrito:

“São numerosos hoje, em muitos países, os católicos que recorrem ao divórcio segundo as leis civis e que contraem civicamente uma nova união. A Igreja, por fidelidade à palavra de Jesus Cristo afirma que não pode reconhecer como válida uma nova união, se o primeiro casamento foi válido. Se os divorciados tornam a casar-se no civil, ficam numa situação que contraria objetivamente a lei de Deus. Portanto, não podem ter acesso à comunhão eucarística enquanto perdurar esta situação”.

Diante do exposto, é inegável que a sociedade está em constante mudança e esse fato é primordial na evolução da família brasileira. Apesar de o cristianismo mudar suas interpretações lentamente, ainda é difícil a relação da igreja com as famílias plurais. Com isso, é necessário que a sociedade atual, independente de religião tenha um posicionamento respeitoso para com os novos arranjos familiares.

Conforme falado pelo Papa Francisco, as pessoas não podem encontrar uma porta fechada quando procuram a igreja. Com isso, os cristãos devem acima de tudo saber conviver com a evolução familiar.

Com isso, no capítulo segundo cabe classificarmos essa evolução, conceituando as novas formas de família e caracterizando-as.


2. Espécies de família.

Conforme já explanado acima, a evolução familiar no Brasil se deu e ainda se dá de forma lenta. Porém, a lentidão nesse ciclo evolutivo ocorre muitas vezes pelo preconceito. E o preconceito, na maioria das vezes é acarretado por conta da falta de conhecimento que muitos têm acerca do que vem a ser uma família.

Ainda pela influência arcaica da formação tradicional da família, é notório o julgamento prévio que muitos fazem quando se deparam com uma estrutura familiar diferente.

Por conta disso, Dias ((d) 2013) alega que não se devem proferir expressões discriminatórias ao se tratar dessas novas famílias, conforme se no trecho abaixo transcrito:

A convivência com famílias recompostas, monoparentais, homoafetivas, permite reconhecer que seu conceito se pluralizou. Daí a necessidade de flexionar igualmente o termo que a identifica, de modo a albergar todas as suas conformações. Expressões como famílias marginais, informais, extramatrimoniais não mais servem, pois trazem um ranço discriminatório. (p. 39)

No mesmo sentido, Dias ((d) 2013) enfatiza o fato de a mistura na estrutura familiar consagrar a igualdade entre os filhos havidos fora do casamento, transformando verdadeiramente a convivência familiar, principalmente no que concerne o vínculo entre pais e filhos e irmãos unilaterais, conforme se comprova com o trecho transcrito: “A consagração da igualdade, o reconhecimento da existência de outras estruturas de convívio, a liberdade de reconhecer filhos havidos fora do casamento operaram verdadeira transformação na família” (p.40).

Do mesmo modo, Carvalho (2013: 7967) estabelece que:

A Constituição Federal estabelece um rol de entidades familiares, a saber, o casamento, a união estável e a família monoparental. Aos poucos, o ordenamento jurídico brasileiro acompanhando a evolução social, vem aceitando outras formas de família, como por exemplo a família recomposta, reconstituída ou pluriparental, anaparental e homoafetiva, assim, privilegia-se a afetividade como um fundamento basilar das relações familiares.

Diante disso, é necessário que se conceitue algumas das formas de formação familiar. Iniciando com as formas mais tradicionais até as contemporâneas.

2.1. Casamento.

Quando se fala em família, logo vem à mente a cena do casamento. Aquela cena tradicional de um homem e uma mulher em uma igreja vestidos à caráter para realizar os sonhos de suas vidas. E essa ideia vem à cabeça justamente por estarmos acostumados com formalidades impostas pelo Estado desde os tempos mais remotos, por esse motivo, a ilustre doutrinadora Dias, ((d) 2013, p. 44) esclarece que: “O Estado sempre resistiu a admitir vínculos de convivência formados sem o selo da oficialidade”.

Por conta dessa influência estatal imposta desde que nascemos dificilmente vinculamos a palavra casamento a dois homens ou duas mulheres que têm por objetivo formar suas famílias.

Na maioria das vezes, por conta dos costumes, é difícil atrelar a palavra família a uma mãe solteira e seu filho. E por conta desses costumes o casamento ainda é visto por muitos de forma arcaica.

Para Dias ((d), 2013: 44) o Estado, por influência religiosa impôs ao casamento a indissolubilidade e a obrigação de identificação familiar pelo nome do pai: “O interesse estatal na manutenção do casamento levou, em um primeiro momento, à consagração de sua indissolubilidade e à obrigatória identificação da família pelo nome do varão”.

Ocorre que muita coisa mudou quando se trata de casamento, principalmente a formação familiar. Atualmente o casamento é só mais uma forma de constituição familiar, dispondo a sociedade atual de outras diversas formas baseadas no afeto, não somente num interesse estatal.

2.2. União estável.

Distorcida a ideia de que a única forma de formação seria por força do matrimonio, o ordenamento jurídico omitiu no Código Civil de 1916 a situação das famílias que viviam em união estável.

Somente com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, os casais que conviviam sob o mesmo teto tiveram amparo. Dessa forma, somente há 25 atrás a união estável foi reconhecida como entidade familiar e resguardada pelo Estado, conforme se lê no artigo 226 da CRFB abaixo transcrito:

“Art. 226. “omissis

[...]

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

Regulamentando o artigo acima referido, por conta dos costumes, ainda existiu certa resistência por conta da aceitação do referido tema ser incluso na matéria familiar e não simplesmente em matéria civil no que se diz respeito as demandas judiciais, conforme preleciona Dias ((f) 2005: 42): Mesmo quando a Constituição inseriu no conceito de entidade familiar o que chamou de “união estável”, houve resistência em migrar as demandas para o âmbito do Direito das Famílias.

Somente em 2.002 (dois mil e dois), o CC abordou acerca da união estável. Porém acrescentou algumas características para a identificação desse tipo de relação. Configurando-a como uma união pública e duradoura e principalmente com o objetivo de constituir família, nos termos no artigo 1723, caput que defende que: É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Diante disso, segundo Dias ((f) 2005) para que exista uma família basta que duas pessoas mantenham uma relação duradora. Independente de filhos ou de casamento, a união estável veio para amparar milhares de casais que vivem nessa situação:

“Não se diferencia mais a família pela ocorrência do casamento. Também a existência de prole não é essencial para que a convivência mereça reconhecimento e proteção constitucional, pois sua falta não enseja sua desconstituição.

[...]

Passando duas pessoas ligadas por um vínculo afetivo a manter relação duradoura, pública e contínua, como se casadas fossem, elas formam um núcleo familiar à semelhança do casamento, independentemente do sexo a que pertencem. Mister identificá-la como união estável, geradora de efeitos jurídicos.” (p. 48)

Por fim, o essencial para a constituição de uma família é acima de tudo a afetividade que a envolve, independente das estipulações feitas pelo Estado para que ela exista. Com o reconhecimento das uniões estáveis pelo Brasil, sem dúvida houve uma grande valorização da família, o que extrapola qualquer dever imposto pelo Estado.

2.3. Família monoparental.

Diferentemente das formas acima citadas, é cabível também discorrer acerca da família monoparental.

Desde os tempos mais remotos, a família monoparental já era vista em nossa sociedade. A mulher sofria discriminações pelo fato de ser mãe solteira.

Porém, hoje o ordenamento jurídico pátrio estabelece que a entidade familiar pode ser formada por qualquer um dos pais e seus filhos.

Com base nisso, Dias ((d) 2013: 54) assegura que:

“A Constituição, ao esgaçar o conceito de família, elencou como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (CF 226 § 4º). O enlaçamento dos vínculos familiares constituídos por um dos genitores com seus filhos, no âmbito da especial proteção do Estado, atende a uma realidade que precisa ser arrostada. Tais entidades familiares receberam em sede doutrinária o nome de família monoparental, como forma de ressaltar a presença de somente um dos pais na titularidade do vinculo familiar”.

Salienta ainda Dias ((d) 2013) que esse tipo de formação familiar se dá quando existe morte de um dos genitores, separação ou divorcio ou até mesmo quando é feita adoção por pessoa solteira:

“A monoparentalidade tem origem na viuvez, quando da morte de um dos genitores, na separação de fato ou de corpos ou no divórcio dos pais. A adoção por pessoa solteira também faz surgir um vínculo monoparental entre adotante e adotado”. (p.220)

Diante disso, alega ainda a ilustre doutrinadora Dias, ((d) 2013) que é inegável que a as famílias monoparentais sejam mais frágeis e tenham encargos redobrados com o lar, conforme se dispõe abaixo:

“As famílias monoparentais têm estrutura mais frágil. Quem vive sozinho com a prole acaba com encargos redobrados. Além dos cuidados com o lar e com os filhos, também necessita buscar meios de prover ao sustento da família”. (p. 224)

Porém, nem por isso podem ser desprezadas ou diferenciadas as famílias monoparentais. Pois a doutrina especializada é clara quanto da proteção das referidas famílias.

2.4. Família multiparental, composta, pluriparental ou mosaico.

Após o avanço na interpretação jurisprudencial e o aumento na identificação de famílias fora do padrão, tornou-se mais visível o modelo familiar que se classifica como a família multiparental, também conhecida como composta, pluriparental ou mosaico.

Esse tipo de família é aquela formada dos componentes oriundos de outras famílias já formadas anteriormente.

Temos como exemplo o casal que se separa de fato ou se divorcia e após isso forma uma nova família com um novo cônjuge. Após essa segunda união o casal na maioria das vezes tem filhos em comum, agregando a família então, filhos da primeira união e da segunda, sendo todos os filhos irmãos tanto bilaterais quanto unilaterais.

Dessa forma, Dias ((d), 2013: 56) caracteriza essas famílias da seguinte forma:

“São famílias caracterizadas pela estrutura complexa decorrente da multiplicidade de vínculos, ambiguidade das funções dos novos casais e forte grau de independência.

[...]

A multiplicidade de vínculos, a ambiguidade dos compromissos e a interdependência, ao caracterizarem a família-mosaico, conduzem para a melhor compreensão desta modelagem”.

Ocorre que a ilustre Dias ((c), s.d), uma nova realidade, não limita a família unicamente ao casal com filhos de vários casamentos. Berenice defende também a convivência dos familiares em linha colateral como uma família pluriparental quando leciona que:

“A convivência familiar dos parentes colaterais recebe o nome de família pluriparental. Não importa a igualdade ou diferença do grau de parentesco entre eles. Assim, tios e sobrinhos que vivem em família constituem uma família pluriparental. Igualmente, os irmãos e até os primos que mantêm convivência familiar, são outros exemplos. Família pluriparental, uma nova realidade”.

No mesmo sentido, Alves (2010: 11) defende a formação da pluriparentalidade como um fenômeno que decorre do aumento de divórcios e de novos casamentos, conforme se vê do trecho a seguir: “Um fenômeno decorrente do aumento do número de divórcios e de recasamentos é o surgimento da pluriparentalidade ou da “família mosaico”‡‡, que reflete a diversidade dos atuais arranjos domiciliares”.

Diante disso, nada mais comum do que deparamo-nos atualmente com aquela grande família com pais, padrastos, madrastas, irmãos bilaterais, unilaterais. E ainda vermos a convivência entre tios e sobrinhos, avós e netos se tornando mais comuns.

Apesar de muitos desconhecerem a nomenclatura, muitos brasileiros hoje, vivem numa familia-mosaico, formada por vários parentes que não são os pais e os filhos. Com isso, resta amplamente visível a grande valorização da união nesse tipo de família, pois apesar de muitas vezes nem todos possuírem o mesmo vinculo consanguíneo, esse estereotipo de família é amparado e considerado família para todos os fins legais, o que prova o grande passo dado na sociedade atual.

Com isso, cabe analisarmos agora um tipo de família que possui traços muito parecidos com a familia pluriparental, entretanto possui características próprias, por esse motivo se tratará no próximo tópico acerca da família parental ou anaparental.

2.5. Família parental ou anaparental.

A família parental possui uma caraterística muito semelhante as famílias parentais ou anaparentais. Esses diferentes tipos familiares tem em comum a cumplicidade e a união que citadas na família parental. Porém, o que se diferencia é que: enquanto na família pluriparental nem todos os familiares têm vínculos sanguíneos, na família parental ou anaparental obrigatoriamente possui uma formação especifica, com parentes consanguíneos.

A renomada doutrinadora Dias ((d) 2013) exemplifica muito bem a família parental quando compartilha a situação de duas irmãs que juntas movem esforços para a formação do patrimônio, mesmo sem nenhuma conotação sexual ou formação de casal para que essa família seja caracterizada, por isso alega que:

“A convivência sob o mesmo teto durante anos, por exemplo, de duas irmãs que conjugam esforços para a formação do acervo patrimonial, constitui uma entidade familiar. Ainda que inexista qualquer conotação de ordem sexual, a convivência identifica comunhão de esforços, cabendo aplicar, por analogia, as disposições que tratam do casamento e da união estável”. (p. 55)

2.6. Família eudemonista.

Já quando se trata da familia eudemonista, acredita-se que todas as famílias se encaixem nesse perfil, pois o eudemonismo se caracteriza como a busca da felicidade, objetivo principal do sujeito quando decide formar sua família.

Por esse motivo, Dias ((d) 2013: 58) define o eudemonismo da seguinte forma:

“O eudemonismo é a doutrina que enfatiza o sentido da busca pelo sujeito de sua felicidade. A absorção do principio eudomonista pelo ordenamento altera o sentido da proteção jurídica da família, deslocando da instituição para o sujeito [...]”.

2.7. Família homoafetiva.

Uma das famílias mais discriminadas na atualidade não é mais aquela composta pela mãe e o filho. Hoje a mãe solteira não sofre tanto preconceito perante a sociedade, e essa evolução se deu pelo crescimento profissional da mulher brasileira.

Quem rouba a cena atual é o casamento. Sim, o casamento. Que antigamente era visto como a única forma de constituir família. Porém, a discriminação se dá por conta dos sujeitos os quais hoje têm direito ao matrimônio.

Em uma pesquisa realizada no primeiro trimestre de 2013 pelo Instituto Data Popular, com 1.264 (mil duzentas e sessenta e quatro) pessoas em todo Brasil se constatou que 37% (trinta e sete por cento) dos brasileiros não aceitariam um filho homossexual e 38% (trinta e oito por cento) se mostrou contra o casamento civil igualitário, discordando que casais homoafetivos possam ter os mesmo direitos de casais tradicionais.

Destarte, Dias ((f) 2005: 43) defende a sexualidade como direito fundamental por ser aquele que acompanha o ser humano desde o nascimento:

A sexualidade integra a própria condição humana. É um direito fundamental que acompanha o ser humano desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza. Como direito do indivíduo, é um direito natural, inalienável e imprescritível.

Dias ((f) 2005: 43) vai além, e alega que a escolha da orientação sexual é questão de liberdade:

O direito à homoafetividade, além de estar amparado pelo princípio fundamental da isonomia, cujo corolário é a proibição de discriminações injustas, também se alberga sob o teto da liberdade de expressão. Como garantia do exercício da liberdade individual, cabe ser incluído entre os direitos de personalidade, precipuamente no que se refere à identidade pessoal e à integridade física e psíquica.

Dessa forma, deve ser levado em consideração o artigo 5o, caput e inciso I da CRFB, abaixo transcrito:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

E se todos são iguais, homens e mulheres capazes, podem e devem exercer livremente seus direitos, por isso é plenamente permitido que casais de quaisquer dos sexos se casem e constituam família.

Dias ((e), s.d.) defende que qualquer discriminação acerca da orientação sexual infringe diretamente a CRFB:

“Já no inciso I do art. 5º – artigo que enfeixa a maioria dos direitos assegurados pela Carta Magna –, é consagrado o princípio da igualdade: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. O inciso IV do art. 2º estabelece como objetivo fundamental do Estado a promoção do bem de todos sem preconceitos de sexo, ou seja, veda qualquer discriminação sexual. [...]

Qualquer discriminação baseada na orientação sexual evidencia claro desrespeito à dignidade humana, infringindo o princípio maior consagrado na Constituição Federal”. (p. 5)

Dias ((e), 2005) não se limita apenas em responsabilizar pessoas comuns. Dessa forma, defende que o Judiciário deve preservar os direitos e o reconhecimento de famílias homoafetivas sem levar e consideração o sexo dos sujeitos que compõe essa família:

“Preconceitos de ordem moral não podem levar à omissão do Estado. Nem a ausência de leis nem o conservadorismo do Judiciário servem de justificativa para negar direitos aos relacionamentos afetivos que não têm a diferença de sexo como pressuposto”. (p. 47)

No mesmo sentido, é visível na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que qualquer pessoa maior de idade, independente da orientação sexual, tem o direito de contrair matrimônio, conforme se lê no artigo XVI, abaixo transcrito:

“Artigo XVI. 1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.

2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes”.

Porém, por mais que existam meios legais de autorização para o casamento gay, ainda há muito preconceito e homofobia contra a referida classe, por esse motivo, após observação direta e pesquisa bibliográfica, constata-se que aos homoafetivos não basta uma autorização para o casamento civil, eles querem os mesmo direitos com os mesmos nomes, pois até a CRFB tem papel discriminatório quando em seu artigo 226,

No entendimento da doutrinadora Dias ((d), 2013) apesar da grande diferenciação elencada na CRFB, nada diferencia a união entre um homem e uma mulher da união homoafetiva:

“Por absoluto preconceito, a Constituição emprestou, de modo expresso, jurisdicionalidade somente às uniões estáveis entre um homem e uma mulher, ainda que nada diferencie a convivência homossexual da união estável heterossexual”. (p. 46)

2.8. Homoparentalidade.

Outra questão muito polêmica é a homoparentalidade, pois os casais que decidem assumir uma relação homoafetiva e desejam formar uma família, via de regra, adotam crianças para que seja formada a referida familia. E da mesma forma que sofrem preconceito pela coragem de assumir sua condição, ainda são alvo de discriminação quando decidem ter filhos.

Para Dias ((f) 2005), a aceitação da homoparentalidade tem como principal motivo o preconceito, pois se acredita que sejam relações promiscuas e prejudiciais para a formação familiar. Porém a realidade é oposta, conforme se lê no trecho abaixo transcrito:

“A enorme resistência em aceitar a homoparentalidade decorre da falsa idéia de que são relações promíscuas, não oferecendo um ambiente saudável para o bom desenvolvimento de uma criança. Também é alegado que a falta de referências comportamentais pode acarretar sequelas de ordem psicológica e dificuldades na identificação sexual do filho, mas estudos realizados há longo tempo mostram que essas crenças são falsas. O acompanhamento de famílias homoafetivas com prole não registra a presença de dano sequer potencial no desenvolvimento, inserção social e sadio estabelecimento de vínculos afetivos”. (p. 53)

Diante do exposto, se deve respeitar toda e qualquer formação familiar independente sua composição, por isso, Dias, ((d) 2013: 46) explana que é:

Necessário é encarar a realidade sem discriminação, pois a homoafetividade não é uma doença nem uma opção livre. Assim, descabe estigmatizar a orientação homossexual de alguém, já que negar a realidade não soluciona as questões que emergem quando do rompimento dessas uniões.

No mesmo sentido, Dias, ((b), s.d.) assegura que:

“A Justiça não é cega nem surda. Também não pode ser muda. Precisa ter os olhos abertos para ver a realidade social, os ouvidos atentos para ouvir o clamor dos que por ela esperam e coragem para dizer o Direito em consonância com a Justiça”.

Por conta da celeuma em torno do direito das famílias, abordar-se-á no próximo e ultimo capítulo acerca das mais recentes decisões e dos atuais dados referentes às famílias brasileiras. Constando ainda uma coleta de dados realizada com pessoas de diferentes opiniões em relação à família.

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Sobre o autor
Pâmella Duarte Lopes

Bacharela em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (2012.2). Advogada, aprovada no IX Exame de Ordem Unificado (2012.3), com inscrição na OAB/AM sob o número 8.680. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto dos Magistrados do Distrito Federal. Especialista em Direito Administrativo pelo Centro de Estudos José Aras (CEJAS/Universidade Cândido Mendes - RJ).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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