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Contrato de trabalho dos empregados da Rede SARAH de hospitais:

um comentário sobre a Lei 8.246/91 e a mitigação do princípio da legalidade

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16/02/2017 às 12:42
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DECISÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Em análise de ações judiciais em que ex-empregados da Rede Sarah de Hospitais pedem a reintegração à Instituição em virtude de terem sidos demitidos sem justa causa, o Judiciário tem-se posicionado determinando a reintegração do trabalhador. Destaca-se, a seguir, decisão da Justiça do trabalho da 10° Região, Brasília/DF, nos seguintes termos:

PROCESSO N°: 00410-2010-010-10-00-3 RO (RR)

REINTEGRAÇÃO - GARANTIDA DE EMPREGO Alegações: - violação dos artigos 5º, II, 7º, I, 37, II, e 173, parágrafo 1º, II, da Constituição Federal; - ofensa aos artigos 2º, §1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, 1º, 3º, VI, VII, VIII e 4º da Lei nº 8.246/91; - contrariedade à Súmula nº 390, item II/TST e à O.J. nº 247, item I, da SBDI-1/TST; - divergência jurisprudencial. A egrégia 2ª Turma deu provimento ao recurso da reclamante, determinando a sua reintegração no emprego. Eis o teor da ementa, que sintetiza a fundamentação adotada por razão de decidir, está assim sedimentada: "SERVIÇO SOCIAL DA AUTÔNOMO. ASSOCIAÇÃO DAS PIONEIRAS SOCIAIS LEI Nº 8.246/1991. DISPENSA IMOTIVADA DE EMPREGADO. VEDAÇÃO. ARTIGO 41 DA CRFB. Conquanto a Norma instituidora da associação das pioneiras sociais tenha estabelecido a sua natureza jurídica de serviço social autônomo, fato é que a entidade tem regime e perfil jurídicos bem diversos daqueles atribuídos tradicionalmente às entidades da mesma natureza. Ela celebrou contrato de gestão com o Governo Federal, contemplando-se a inclusão de dotações consignadas no Orçamento-Geral da União, o que a afasta do modelo clássico e mais a aproxima do sistema da Administração Pública descentralizada. Embora seja pessoa jurídica de direito privado, a Associação atua como típico órgão implementando o objetivo de prestar assistência médica qualificada e gratuita a todos os níveis da população e de desenvolver atividades educacionais e de pesquisa no campo da saúde, em cooperação com o Poder Público encontrando-se, por isso mesmo, obrigada a respeitar os princípios previstos no artigo 37, da Constituição Federal. Assim, a dispensa imotivada de empregado por ente da Administração Pública, inclusive da Indireta, ofende os princípios da moralidade, da impessoalidade e da eficiência (artigo 37, da CF). Não se trata aqui da estabilidade absoluta conferida aos funcionários públicos regidos por regime próprio, mas dos limites impostos ao gestor da coisa pública quanto à prática de determinados atos. Nenhum sujeito remunerado com dinheiro público e administrador de recursos com a mesma natureza, seja qual for a esfera de poder, tem autorização para contratar e dispensar empregados como se estivesse administrando uma unidade econômica de sua propriedade ou de sua família. E assim é a partir de uma interpretação dos princípios constitucionais orientadores da Administração Pública. Nesse diapasão, dispensada de forma imotivada, sem a observância das circunstâncias declinadas, a reclamante tem razão ao requerer a decretação da nulidade do ato rescisório" (fls. 185/185-v). Inconformada, a reclamada interpõe recurso de revista pelas razões articuladas a fls. 222/239, sustentando, em síntese, a impossibilidade de reintegração da obreira, sob pena de violação dos artigos 5º, II, 7º, I, 37, II, e 173, parágrafo 1º, II, da Constituição Federal. Aponta, ainda, ofensa aos artigos 2º, §1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, 1º, 3º, VI, VII, VIII e 4º da Lei nº 8.246/91 e contrariedade à Súmula nº 390, item II, e à OJ.SBDI-1 nº 247, item I/TST. Acena, ainda, com divergência jurisprudencial. Em que pese as alegações aduzidas em sede jurisdição extraordinária, o egrégio Órgão fracionário deste Regional bem elucidou a questão, merecendo destaque o seguinte trecho do acórdão proferido em sede de recurso ordinário, assim consignado: "(...). A dispensa imotivada de empregado em tais circunstâncias ofende os princípios da moralidade, da impessoalidade e da eficiência (artigo 37, da CF). Não se trata aqui da estabilidade absoluta conferida aos funcionários públicos regidos por regime próprio, mas dos limites impostos ao gestor da coisa pública quanto à prática de determinados atos. Nenhum sujeito remunerado com dinheiro público e administrador de recursos com a mesma natureza, seja qual for a esfera de poder tem autorização para contratar e dispensar empregados como se estivesse administrando uma unidade econômica de sua propriedade ou de sua família. (...) Na hipótese de dispensa de empregados, tal como os demais integrantes da Administração Pública, a ré, ao ser mantida com recursos públicos, precisa apresentar razoável motivação para a prática de ato com tanta repercussão na vida do trabalhador e no sentido de sociedade comprometida com valores sociais e republicanos. (...)" (fls. 187). Esses fundamentos, por si só, dissipam as alegações aduzidas pela recorrente, não havendo razoabilidade para a alegação de ofensa aos preceitos invocados.(...). Por fim, no atinente à desconformidade do julgado com a Súmula nº 390, item II/TST, e à OJSBDI-1 nº 247, item I/TST, "data venia", revela-se inconsistente tal alusão porque os esses balizamentos guardam pertinência com a hipótese de empregados vinculados a empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista), realidade que não condiz com a questão vertente. À luz do artigo 896, letras "a" e "c", da CLT, o apelo não merece ascender à instância "ad quem".   CONCLUSÃO Ante o exposto, DENEGO seguimento ao recurso de revista. Publique-se. Brasília, 30 de março de 2012 (6ª-feira). ELAINE MACHADO VASCONCELOS Desembargadora Presidente do TRT da 10ª Região[v].

A Associação das Pioneiras Sociais tem natureza jurídica diversa dos entes integrantes da Administração Pública e também tem regime e perfil jurídicos bem diversos daqueles atribuídos tradicionalmente às entidades da mesma natureza – Serviços Sociais Autônomos. Neste ponto, a Instituição aproveita o silêncio da norma para esquivar-se de observar os princípios constitucionais (art. 37 CF/1988), sobretudo quando demite seus empregados.

Ou seja, a Associação não é Órgão integrante da Administração Pública, nem empresa privada com fins lucrativos. Todavia, é mantida exclusivamente com recursos oriundos do Orçamento-Geral da União Federal repassados mediante contrato de Gestão. Sendo assim, se não é empresa particular, mas pessoa jurídica gestora de recursos públicos, todos os seus atos devem absoluta obediência aos comandos constitucionais que norteiam a gestão administrativa.


A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE - CONCLUSÃO           

A partir da promulgação da Carta Política de 1988, observa-se o fortalecimento do ímpeto reformador da Administração Pública demonstrado pelos sucessivos governos da era pós-redemocratização da República. Por outro lado, a nova Ordem Constitucional trás um regime jurídico administrativo mais rígido e mais formalmente exagerado, impondo ao gestor público estrita obediência ao princípio da legalidade. Para fugir ao rigor exigido pelo regime jurídico de direito público, especialmente em referência ao direito administrativo, os governantes criaram novos mecanismos que ampliam a participação da iniciativa privada, especialmente na prestação de alguns serviços públicos, como por exemplo, os serviços de saúde pública.

Para tanto, surgiram leis instituindo Entidades com personalidade jurídica de direito privado com o objetivo de permitir a atuação do particular como cooperador do Estado na prestação de serviços de saúde e ensino, como é o caso da lei 8.246/91 que criou o Serviço Social Autônomo objeto deste estudo. Da análise dessa norma, infere-se que o legislador pretende promover a máxima autonomia gerencial na prestação do serviço público, transferindo para o particular, mediante contrato de gestão, a administração da Entidade, de seu patrimônio e os respectivos recursos públicos para sua manutenção.

Mas o que se ver, sem exagero na afirmação, é que há uma acentuada inobservância aos princípios norteadores da atividade administrativa. Tal fato ocorre quando a lei faz rigorosa exigência no processo de contratação de empregados para a entidade, impondo, inclusive, cláusulas no contrato individual de trabalho e silencia-se no que se refere ao processo de rescisão contratual, deixando ao arbítrio do gestor a decisão de demitir o empregado, imotivadamente, gerando gastos desnecessários para a Administração Pública.

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Essa situação mostra-se absolutamente contrária ao princípio da legalidade, especialmente porque o administrador da coisa pública tem sua atuação limitada pela lei. Assim, com o vazio jurídico intencionalmente deixado no texto da lei, pelo legislador, fica evidente a mitigação do princípio da legalidade, pois o Estado outorga à iniciativa privada, privilégios, poderes e exagerada autonomia na gestão do dinheiro público que não dispõe à própria Administração Pública direta ou indireta.

Não há dúvidas de que a justificativa (inadmissível) para essa realidade vem com o argumento de que o rigor da lei para o processo de rescisão contratual de agentes públicos promove a ineficiência e a ineficácia da função administrativa dos interesses gerais. Entretanto, no regime jurídico administrativo brasileiro, especialmente quando há a atuação da iniciativa privada, deve prevalecer a observância do princípio da legalidade pelo qual o administrador público deve fazer o que a lei autoriza, contrapondo-se ao regime jurídico de direito privado em que o particular faz o que a lei não proíbe.

Para Zanella Di Pietro, 2012, em perfeita análise sobre o tema, afirma que o regime jurídico administrativo a que se submete a Administração Pública, se, de um lado, implica a outorga de prerrogativas e privilégios de que não dispõe o particular, por outro lado, impõe restrições a que o particular não se submete; dentre estas últimas, segundo a autora, merecem referência, especialmente, as normas que limitam a liberdade da Administração Pública na seleção e dispensa de servidores, na fixação de vencimentos, na celebração de contratos de qualquer espécie, nos mecanismos de controle.

A Administração Pública atuando diretamente ou mediante cooperação da iniciativa privada, é limitada aos ditames legais. Por conseguinte, não há liberdade para a Entidade (Associação das Pioneiras Sociais) contratar ou demitir empregados às custas de recursos públicos, sem nenhuma motivação, pois isso seria a prevalência da autonomia gerencial privada sobre o princípio da legalidade, pilar do Estado de Direito e sustentáculo da moralidade administrativa. Entretanto, o que se ver na atuação da Associação das Pioneiras Sociais, como Instituição cooperadora com o Estado na prestação de serviços de saúde pública, é um extremo rigor no ato de contratar seus empregados, em virtude de lei, e uma extrema liberdade ou autonomia no ato de demiti-los, em virtude de um vácuo jurídico que confere à Entidade privilégios, indisponíveis à Administração Pública.   


NOTAS

[i] CF/1988, art. 197, Da Ordem Social.

[ii]  Lei n° 8.246/91. Esta lei extinguiu a antiga Fundação das Pioneiras Sociais e institui o Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais para administrar a Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação.

[iii] Art. 37, inciso XVI, da CF/1988.

[iv] Extraído da obra Direito Administrativo Brasileiro, 34° edição, Malheiros, 2008.

[v][v] Decisão judicial publicada no sitio de Internet do Tribunal Regional do Trabalho da 10° Região – DF.


BIBLIOGRAFIA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. Edição Especial Comemorativa dos 25 anos da CF/88;

DECRETO-LEI N° 5.452, de 1° de maio de 1943 – CLT;

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parceria na Administração Pública: concessão, permissão,franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. São Paulo: ed. Atlas, 9° edição, 2012.

GRANJEIRO, José Wilson. CARDOSO, Rodrigo. Direito Administrativo Simplificado. Brasília, Gran Cursos, 5° edição, 2013.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo, ed. Saraiva, 17° edição, 2013.

Lei n° 8.246 de 22 de outubro de 1991.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo, Malheiros, 2011.

http\.www.trt10.jus.br > acessado em 13 de julho de 2014.

HTTP\.www.planalto.gov.br > acessado em 13 de julho de 2014.

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Sobre o autor
Jacintho de Sousa

Advogado em Brasília-DF e Sócio Fundador da Bruno Matos e Jacinto Sousa SOCIEDADE DE ADVOGADOS; graduado em Direito pela Faculdade Anhanguera de Brasília-DF; Pós- Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Internacional – UNINTER de Curitiba-PR; Professor no Curso Preparatório AXIOMAS-DF e Autor de outros artigos sobre Direito do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Jacintho. Contrato de trabalho dos empregados da Rede SARAH de hospitais:: um comentário sobre a Lei 8.246/91 e a mitigação do princípio da legalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4978, 16 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38295. Acesso em: 5 mai. 2024.

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