Projeto de Lei 4330/2004: terceirização irrestrita

21/04/2015 às 13:48
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Este artigo visa abordar as características da terceirização na atualidade e os aspectos do projeto de lei 4330/2004, mostrando os efeitos negativos de sua aprovação para os trabalhadores.

Tramita na Câmara dos Deputados desde o ano de 2004 o Projeto de Lei nº 4330/2004, que propõe a regulamentação da terceirização de trabalhadores nas empresas.

O projeto ao longo desses anos vem sendo debatido e modificado e, nos últimos dias, a discussão acerca da matéria ali contida vem ganhando cada vez mais força, gerando um grande e polêmico debate sobre seu conteúdo e até mesmo manifestações nas ruas.

SÍNTESE DO SURGIMENTO DA TERCEIRIZAÇÃO

Terceirizar nada mais é que o ato de repassar a execução de determinadas atividades-meio da organização a terceiras empresas, que as realizam com autonomia.

Surgiu durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando a indústria de armamento não estava conseguindo abastecer o mercado.

Em que pese o surgimento da terceirização durante a segunda grande guerra, ela só foi efetivamente implementada anos após.

Após a guerra, surgiu um modelo de produção, conhecido como taylorista, onde havia uma minuciosa separação de tarefas e rotinização no processo produtivo.

Entretanto, com a crise capitalista da década de 70 na Europa Ocidental, este modelo taylorista foi abalado e deu lugar a um modelo de produção chamado toyotista. Neste modelo há a preocupação de centralizar a empresa apenas nas atividades essenciais ao seu principal objetivo, deslocando tarefas periféricas para empresas terceirizadas. E é aí que a terceirização trabalhista é efetivamente implementada.

No Brasil, a noção de terceirização veio por volta de 1950, através de multinacionais que se interessavam em concentrar seus esforços somente na essência de seu negócio, mas foi somente na década de 1990 que a terceirização ganhou relevância nacional, difundindo-se por praticamente todos os setores de atividade.

O DIREITO DO TRABALHO E A TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL

O Direito do Trabalho legitimou a exploração de mão de obra e delimitou-a de maneira a proporcionar melhores condições de trabalho e de vida ao empregado. Procura se adaptar às mudanças da sociedade para bem cumprir com a tarefa de garantir o equilíbrio social, seja por meio das leis ou da jurisprudência trabalhista.

Contudo, este ramo do Direito no Brasil nada dispôs acerca da terceirização, a qual ganhou força e quebrou a estrutura trabalhista até então criada, na medida em que não reconhece direitos do trabalhador, que passa a ser subordinado ao contrato mercantil existente entre a empresa contratante e a terceirizada.

ASPECTOS JURÍDICOS DA TERCEIRIZAÇÃO NA ATUALIDADE

Como a terceirização, cada vez mais utilizada, quebrou a estrutura protegida pelo Direito do Trabalho e não há um marco legal que direcione a contratação de  empregados terceirizados no Brasil, o TST tentou preencher ao menos em parte essa lacuna e editou a Súmula nº 331, que dispõe:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Transcrita súmula fez com que a terceirização enfrente a ação do Direito do Trabalho, evitando que a técnica se sobreponha ao homem e esclarece quando a terceirização é lícita ou ilícita, apresentando os casos excepcionais em que se admite a terceirização: trabalho temporário, serviços de vigilância, conservação e limpeza e serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador do serviço.

Veda expressamente a contratação de terceirizados para as atividades-fim da empresa, só podendo ser terceirizadas as atividades-meio e a empresa principal, tomadora de serviços, passa a ser responsabilizada diretamente.

Em que pese as disposições da súmula, não há um consenso doutrinário sobre o que seriam as atividades-fim da empresa, dificultando a aplicação da regra. Também, em que pesem as disposições, as condições de trabalho dos terceirizados ainda são precárias e geram inúmeros infortúnios de ordem física e moral.

ATIVIDADE-FIM E ATIVIDADE-MEIO: A FALTA DE CONSENSO

Uma dificuldade existente na terceirização e que é usada como argumento dos defensores do Projeto de Lei 4330/2004 é a distinção entre atividade-fim de atividade-meio, não havendo um consenso doutrinário sobre a matéria.

O art. 581, §2º da CLT conceitua o que se entende por atividade-fim:

Art. 581. Para os fins do item III do artigo anterior, as empresas atribuirão parte do respectivo capital às suas sucursais, filiais ou agências, desde que localizadas fora da base territorial da entidade sindical representativa da atividade econômica do estabelecimento principal, na proporção das correspondentes operações econômicas, fazendo a devida comunicação às Delegacias Regionais do Trabalho, conforme localidade da sede da empresa, sucursais, filiais ou agências.

    § 1º Quando a empresa realizar diversas atividades econômicas, sem que nenhuma delas seja preponderante, cada uma dessas atividades será incorporada à respectiva categoria econômica, sendo a contribuição sindical devida à entidade sindical representativa da mesma categoria, procedendo-se, em relação às correspondentes sucursais, agências ou filiais, na forma do presente artigo.

§ 2º Entende-se por atividade preponderante a que caracterizar a unidade de produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam, exclusivamente em regime de conexão funcional.

Não obstante essa disposição legal, não há uma definição detalhada do conceito de cada uma das atividades, tornando esse o principal motivo da dificuldade em distingui-las. Na tentativa de elidir essa dificuldade, em geral, faz-se a verificação da atividade-fim por meio de uma análise do contato social.

EFEITOS NEFASTOS DA TERCEIRIZAÇÃO

Embora a terceirização se apresente de uma forma lucrativa para as empresas, possui efeitos nefastos para os trabalhadores e prejudiciais às relações de trabalho.

Várias pesquisas apresentam dados preocupantes sobre os trabalhadores terceirizados:

  • Possuem salário 24% (vinte e quatro por cento) menor que o dos empregados formais;
  • Trabalham, em média, 3 (três) horas a mais por semana do que contratados diretamente;
  • São os empregados que mais sofrem acidentes de trabalho;
  • São os trabalhadores que mais sofrem discriminação;
  • São os trabalhadores que mais sofrem agressões e lesões físicas e psíquicas;
  • Nos dez maiores flagrantes de trabalho, nos últimos quatro anos, a maioria dos trabalhadores resgatados era terceirizada;
  • São mais acometidos por doenças ocupacionais.

Como se vê, a empresa contratante se beneficia com redução de custos com a contratação de terceirizados, enquanto esses terceirizados sofrem danos por vezes irreparáveis à sua integridade física e/ou moral.

ASPECTOS DA TERCEIRIZAÇÃO NO PROJETO DE LEI 4330/2004

O Projeto de Lei 4330/04, cujo texto base já foi aprovado no plenário da Câmara, estando pendente apenas a apreciação das emendas antes de ir para o Senado, traz como principal e polêmico ponto a liberação de terceirizados para execução de atividades-fim da empresa, tornando a terceirização irrestrita.

Os trabalhadores terceirizados contratados para atividades-fim passam a ser representados pelos sindicatos da categoria em que prestarem serviço.

A empresa contratante passa a pagar impostos e contribuições federais sobre as contratações e pode estender ao trabalhador terceirizado os benefícios oferecidos a seus empregados diretos.

Continua subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período da prestação de serviços, ficando ressalvada a ação regressiva contra a devedora, a qual gera o dever da empresa terceirizada ressarcir a contratante o valor pago ao trabalhador, despesas processuais acrescidas de juros e correção monetária e indenização em valor equivalente à importância paga ao trabalhador.

Ainda, a empresa contratante deverá recolher uma parte do que for devido pela empresa terceirizada em impostos e contribuições, como PIS/Cofins e CSLL e apena fiscaliza se o FGTS está sendo recolhido pela contratada.

Já a empresa contratada deve reverter 4% (quatro por cento) do valor do contrato para um seguro destinado a abastecer um fundo para pagamento de indenização trabalhista.

EFEITOS DA TERCEIRIZAÇÃO IRRESTRITA PREVISTA PELO PROJETO DE LEI 4330/2004

O Projeto de Lei 4330/2004 é considerado pelos empresários como marco regulatório da terceirização. No entanto, assim como a maioria das medidas legais recentemente aprovadas, atendem aos interesses apenas de empresários e deixam à mercê de abusos e ilegalidades aquele que deveria ser o maior protegido: o trabalhador.

O projeto não traz soluções palpáveis para os problemas enfrentados pelos trabalhadores terceirizados. Ao contrário, demonstra um iminente agravamento da situação deles, trazendo implicações negativas até mesmo para a sociedade no geral. Enumera-se algumas delas:

  • Os salários dos terceirizados continuarão menores em relação aos empregados formais havendo, em um mesmo setor, casos de empregados que exercem a mesma função, porém, recebendo salários diferenciados.
  • Como os terceirizados trabalham em média algumas horas a mais por semana, o numero de vagas diretas no setor deve cair, ao contrário do que ocorreria se a situação fosse inversa, quando seriam criadas muito mais vagas. Ademais, com o número de vagas diretas reduzido, muitos trabalhadores terão de optar por se tornarem terceirizados, experimentando aumento de jornada de trabalho, supressão de direitos trabalhistas, discriminações e redução salarial.
  • Como os terceirizados são os trabalhadores que mais sofrem discriminação, com o aumento deles, aumentará também a discriminação.
  • Em um mesmo setor teremos terceirizados empregados por patrões diferentes, representados por sindicatos diferentes, o que dificulta negociações coletivas conjuntas.
  • Como a mão de obra terceirizada é constantemente utilizada para fugir das responsabilidades trabalhistas e a maioria dos casos de trabalho escravo envolvem trabalhadores terceirizados, o trabalho escravo poderá se multiplicar.
  • A relação entre a empresa contratante e o funcionário fica mais distante e difícil de ser comprovada, tornando ainda mais difícil responsabilizar empregadores que desrespeitam direito trabalhistas.
  • A previsão de direito de regresso, inclusive com pagamento de indenização à empresa contratante em nada assegura o cumprimento da legislação. É comum a empresa que fornece mão de obra terceirizada desaparecer, não sendo encontrada em nenhuma hipótese e não tendo patrimônio seu ou de seus sócios (desconsideração da personalidade jurídica) aptos a serem penhorados.
  • Ampliando a terceirização será mais fácil aumentar os casos de corrupção, principalmente se considerarmos que os maiores casos vistos atualmente englobam justamente contratos terceirizados.
  • A arrecadação do estado será menor e os gastos maiores, já que o trabalho terceirizado transfere funcionários para empresas menores, que pagam menos impostos. Ao mesmo tempo, considerando o alto índice de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais nos trabalhadores terceirizados, o que não aponta para melhoras, o SUS (Sistema Único de Saúde) e o INSS se verão sobrecarregados com os casos.
  • Como o maior objetivo da terceirização é reduzir custos, embora a previsão legal, a empresa não vai querer estender aos terceirizados os benefícios oferecidos a seus empregados diretos.

CONCLUSÃO

A terceirização foi criada para especializar serviços empresariais e possibilitar redução de custos. Contudo, como não há uma regulamentação do instituto, havendo apenas a Súmula nº 331 do TST dispondo sobre o tema, tem ocorrido a criação de empresas com o único intuito de reduzir custos por meio da fuga do pagamento de encargos trabalhistas e sociais.

Certo é que, por mais que na sua essência a terceirização seja uma técnica de otimização, na prática ela vem se mostrando nociva, na medida em que precariza as prestações de serviços e desrespeita os princípios basilares do Direito do Trabalho. Por esse motivo deve ser utilizada somente em suas formas lícitas, ou seja, nas atividades-meio da empresa ou casos especificamente previstos em lei.

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Ampliar as hipóteses de terceirização, tornando-as irrestritas como o faz o Projeto de Lei 4330/2004, somente vai agravar todos os problemas já demonstrados, legalizando a precarização do trabalho.

É certo que o legislador não pode permanecer inerte diante da situação preocupante demonstrada pela terceirização, mas não é aprovando um Projeto de Lei que legitima condições precárias de trabalho e a supressão de direitos trabalhistas que vai resolver o problema.

Para se resolver um problema o correto é atacar sua causa. No caso da terceirização o razoável é mantê-la somente para as atividades-meio, definindo  taxativamente os critérios para se distinguir estas atividades das atividades-fim da empresa, bem como tornar mais rígidas as normas trabalhistas aplicáveis às partes.

Enfim, deve-se regulamentar a terceirização sem limitar direitos fundamentais dos trabalhadores, os quais são considerados pela nossa Constituição como um dos pilares para o Estado Democrático de Direito.

BIBLIOGRAFIA

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DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006.p. 163.

FERRAZ, Fábio. Evolução histórica do direito do trabalho. Disponível em: <http://www.advogado.adv.br/estudantesdireito/anhembimorumbi/fabioferraz/evolucaohistorica.htm>. Acesso em: 10 jan 2011.

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LOCATELI, Piero. Terceirização: 9 razões para você se preocupar com a nova lei. Disponível em: < http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/04/terceirizacao-9-razoes-para-voce-se-preocupar-com-a-nova-lei.html>. Acesso em: 20 abr 2015.

DIEESE - Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos; CUT - Central Única dos Trabalhadores. Terceirização e Desenvolvimento Uma conta que não fecha -  Dossiê sobre o impacto da terceirização sobre os trabalhadores e propostas para garantir a igualdade de direitos. Disponível em: < http://2013.cut.org.br/sistema/ck/files/terceirizacao.PDF>. Acesso em: 20 abr 2015.

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Sobre a autora
Dayane Rose Silva

Graduada em Direito pela Universidade de Itaúna. Pós Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Internacional de Curitiba.<br>Advogada atuante nas áreas trabalhista, propriedade intelectual e internacional.<br>Elaboração e análise de contratos.<br>Registro de Marcas e Patentes, bem como acompanhamento de litígios na matéria.<br>Advocacia de apoio.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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