Restaurado por Günther Jakobs em 1985, o Direito Penal do inimigo é a vertente do direito penal máximo[1] que tem como missão o combate de tipos determinados de criminalidade através adoção de políticas públicas voltadas para a de antevisão do crime, supressão de garantias e endurecimento de penas[2] e leis.
Inobstante Jakobs ser o responsável pela restauração da teoria, o Direito Penal bélico tem origem remota, na filosofia de Protágoras, São Tomás de Aguino, John Locke, Thomas Hobbes e Kant. Segundo Rogério Greco, até Adolf Hitler utilizou a teoria para justificar a morte de judeus nos campos de concentração nazistas. Na obra “Edmund Mezger e o Direito Penal do seu Tempo”, Francisco Muñoz Conde pesquisou sobre a existência de um nefasto projeto dirigido ao inimigo, que incluía desde prisão perpétua e esterilização de pessoas consideradas associais à castração de homossexuais.
Contraponto do garantismo, o direito penal bélico faz parte do direito penal de terceira velocidade. Segundo a doutrina, Direito penal de primeira velocidade se caracteriza pelo cárcere com as garantias plenamente respeitadas, da forma como ocorre no direito penal tradicional, atendidos os princípios constitucionais, penais e processuais. O Direito penal de segunda velocidade, por sua vez, tem como característica a adoção de penas alternativas (penas restritivas de direitos e penas pecuniárias), com a sucessiva flexibilização de garantias (a exemplo da transação penal da Lei n. 9099/95[3]). Por fim, direito penal de terceira velocidade – integrado pelo direito penal bélico, que possui traços de modalidade híbrida: mantém o cárcere presente na primeira velocidade, porém suprime as garantias da segunda velocidade. Em outros termos, o direito penal do inimigo condensa a severidade da primeira e segunda velocidade em uma terceira categoria.
O conceito de inimigo contrapõe-se ao de cidadão. Este faz jus a penas restritivas de direito, garantias no cumprimento da pena, entre outros. Aquele é tido como irrecuperável e perde seu caráter de pessoa. O direito penal do inimigo é a materialização no mundo jurídico da perda da fé em determinados tipos de seres humanos.
E quem é esse inimigo? Certamente se encontra no lado oposto de quem está no poder, pois o conceito de inimigo é demasiado vago e fluído, permitindo que varie de acordo com a ordem vigente e os interesses perquiridos pela gestão dominante. Na sociedade acidental atual os inimigos são os marginalizados, bêbados, prostitutas e demais pessoas que a sociedade, em sua maioria, não gosta de ver e se incomoda com a presença.
A doutrina critica severamente a teoria exumada por Jakobs. Ao descrever os crimes e penas de forma vaga fere de morte o princípio da legalidade. Pune pessoas, idéias e estilos em detrimento da punição de fatos e sem especificação concreta.
Em situações extremas o direito bélico é utilizado como manobra política para conceder uma falsa resposta aos anseios sociais quando crimes de maior gravidade são cometidos, para diminuir a sensação de medo, insegurança jurídica e desamparo. Tiram proveito de uma situação extrema gerada por graves violações de direitos e utilizam o sensacionalismo criado para se promoverem através de um tratamento mais rígido ao delinqüente. O direito penal de emergência, a política do medo teve como sua maior vertente o pós atentado terrorista de 11 de setembro, em que as leis de luta ou de combate suprimiram diversos direitos de imigrantes eleitos os inimigos.
De questionável constitucionalidade, por diversas vezes o direito penal bélico deixa de ser exceção destinada a grupos terroristas, organizações criminosas, traficantes de armas e de seres humanos para virar regra, afastando a subsidiariedade e fragmentariedade do direito penal, indispensáveis em um estado democrático de direito. Se distancia da finalidade retributiva da pena ao punir atos preparatórios como forma de antever e evitar a prática de atos executórios. Flexibiliza o iter criminis penalizando crimes formais e de mera conduta, ferindo de morte o princípio da lesividade.
Eugênio Raúl Zaffaroni sabiamente asseverou que:
A admissão jurídica do conceito de inimigo no Direito (que não seja estritamente no contexto de 'guerra') sempre foi lógica e historicamente o primeiro sintoma de destruição autoritária do Estado de Direito[4].
Em assim sendo, não há sentido em repetir os erros do passado e utilizar o direito penal como válvula de propulsora de domínio e subordinação de um grupo sobre outro, respectivamente.
O estado democrático de direito é avesso a punições estereotipadas e aplicação do direito como meio para legitimar uma ditadura penal direcionada para alguns grupos no afã de lhes dar invisibilidade social.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. Salvador: Jus Podivm, 2013.
Greco, Rogerio. Direito Penal do Inimigo. http://www.rogeriogreco.com.br/?p=1029 Acesso em 15 de abril de 2015.
Jakobs, Günter. Direito Penal do Inimido: Noções e críticas. Ponto Alegre. Livraria do Advogado, 2007.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Notas sobre a história jurídico social de Pasárgada. In:SOUTO, Cláudio e FALCÃO, Joaquim(Orgs.); Sociologia e Direito: textos básicos para a disciplina da sociologia jurídica. São Paulo: Pioneira, 1999.
Zaffaroni, Raúl. El Derecho Penal del enemigo. Dykinson, 2006.
[1] Corrente doutrinária oposta ao abolicionismo. Defende o direito penal como forma de controle social, o remédio para todos os males.
[2] O regime disciplinar diferenciado é um exemplo de direito penal bélico no sentido do empedernimento da execução da pena.
[3] Por prever pena alternativa algumas garantias são dispensadas na transação penal, são exemplos a presença de advogado e de denúncia.
[4] El Derecho Penal del enemigo. Dykinson, 2006.