O novo CPC visto por um advogado: parte 6

24/04/2015 às 10:23
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O "admirável mundo novo" da advocacia não será tão admirável assim, pois continuaremos sujeitos à algumas coisas antigas (como a validade do ato processual, por exemplo) e enfrentaremos novos problemas.

Há vários anos publiquei no Jus Navigandi uma crônica ironizando o que ocorreria se o Fórum ficasse sem luz e a audiência tivesse que retroceder ao tempo da máquina de escrever:

http://www.paginalegal.com/2008/02/04/cenas-de-um-judiciario-apagado/

O texto literário, que foi escrito na época do apagão gentilmente providenciado por FHC (portanto, muito antes da publicação), foi parcialmente inspirado em algo que ocorreu comigo mesmo quando os computadores começaram a ser utilizados em sala de audiência. Numa Ação de Alimentos em que eu representava a autora, o Juiz já havia colhido o depoimento das partes, das testemunhas, ouvido as alegações da autora e do réu, registrado a opinião do Promotor e começado a ditar sua sentença. Ele estava com pressa pois o Presidente do TJSP havia chegado no Fórum de Osasco SP para uma cerimônia e ele não queria perder a mesma.

Foi então que ele perguntou para a servidora de sala se ela havia apertado o “turbo” (os primeiros PCs tinham este recurso, quando acionados eles aumentavam a velocidade de processamento). Ela perguntou “Que turbo?”. Este botão aí, respondeu o Juiz apressado. Ao invés de acionar o “turbo” a servidora desligou o computador. “A senhora gravou tudo, não?”, perguntou o Juiz apavorado. “Acho que sim… não sei.” Ela não havia gravado a audiência e todos os atos (depoimento das partes, das testemunhas, alegações finais e parecer do MP) tiveram que ser repetidos para desespero do Juiz.

O CPC promulgado recentemente prescreve que videoconferencias podem ser realizadas (art. 236 §3o.). As testemunhas podem ser ouvidas por videoconferencia (art. 453, §1o.), idem para a acareação determinada pelo Juiz com ou sem requerimento da parte (art. 461 §2o.). O depoimento do Perito também pode ser tomado desta forma (art. 464 §4o.). A sustentação oral também pode ser feita por videoconferencia ( art.937 §4o.).

Novas tecnologias, novos problemas. Quando a audiência era datilografada, a fita da máquina eventualmente tinha que ser trocada. A operação não era muito complicada ou demorada, desde que a nova fita estivesse à mão. Se a máquina de escrever fosse elétrica e faltasse energia o equipamento normalmente era substituído por uma máquina manual. Os primeiros computadores utilizados em sala de audiência não eram conectados à rede intranet do respectivo Tribunal. Utilizados como máquinas de escrever pós-modernas, os primeiros PCs também poderiam ser substituídos por máquinas de escrever (havia muitas à disposição nos Fóruns).

Nos últimos anos a informatização judiciária avançou muito. Os computadores são agora conectados à rede intranet do respectivo Tribunal e registram atas a sentenças que depois serão disponibilizadas “on line” mesmo quando o processo é convencional. Se o processo for eletrônico os atos só poderão ser praticados com o uso de computadores conectados à rede do Tribunal dentro e fora dos Fóruns. Se faltar energia elétrica e a rede cair, a ata de audiência realizada num processo convencional poderá ser datilografada  (caso exista uma máquina de escrever à disposição, é claro). Se o processo for eletrônico a audiência terá que ser inevitavelmente adiada, pois será impossível realizar o ato sem energia ou sem o funcionamento da rede intranet do Tribunal.

A videoconferencia referida no novo CPC certamente estará sujeita a problemas. Mas estes serão diferentes dos que tem ocorrido. Atualmente a audiência é presencial e um único computador, aquele que está à disposição do Juízo, é utilizado para registrar e gravar os atos no processo eletrônico. Numa videoconferencia, o computador do Juízo e dos demais advogados terão que estar sincronizados no mesmo link em que o ato ocorrerá. A gravação pode ser simultanea ou não. Mas no computador do Juízo ou no sistema intranet do Tribunal a gravação terá que ser necessariamente obrigatória (o ato deve estar à disposição para que a prova possa ser avaliada e levada em conta).

Suponha agora que existam vários autores e réus sincronizados numa mesma videoconferencia. Se o computador do Juiz ou o sistema intranet do Tribunal apresentar algum problema, o ato terá que ser repetido. Nenhuma dúvida quanto a isto. Mas e se apenas o computador de um ou dois advogados conectados à videoconferencia pararem de funcionar por qualquer razão? Problema... A ampla defesa e o contraditório são garantidos pela CF/88 (art. 5o. LV) e terão que ser respeitados durante o ato judiciário seja ele presencial ou não. Se o advogado agenda a sustentação oral e não comparece, o Tribunal pode proferir o Acórdão. Mas se estiver ocorrendo audiência para a oitiva de testemunha, acareação ou depoimento do Perito, o advogado da parte não pode ser arbitrariamente expulso da sala. Se isto ocorrer, qualquer que seja o motivo invocado pelo Juiz, a audiência terá que ser suspensa. Caso contrário a parte certamente poderá alegar nulidade processual. Guardadas as devidas proporções o mesmo raciocínio se aplica a videconferencia.  

É possível imaginar várias causas para o problema. Se faltar energia elétrica ou cair a rede de internet no escritório do advogado, a videoconferencia para testemunha, acareação ou depoimento do Perito deve ser suspensa. Se ele retornar ao link o ato poderá continuar a ser praticado. Caso isto não ocorra, o Juiz terá que suspender o ato para não correr o risco do mesmo ser anulado futuramente. Nesta hipótese, como não deu causa ao problema, o advogado não poderia ser punido em razão da suspensão da videoconferencia. Qual seria a consequencia se advogado, inconformado com o andar da carruagem virtual, se retirasse da videoconferencia desligando seu computador ou seu roteador de internet? Neste caso o Juiz poderia continuar a realizar o ato e certamente mandaria oficiar a OAB para avaliar a conduta anti-ética do mesmo. Mas o que deverá fazer o Juiz se o advogado peticionar nos autos a posteriori alegando que não foi o responsável pelo rompimento do link da videoconferencia requerendo a repetição do ato?

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Nas duas hipóteses acima mencionadas uma mesma questão deverá sempre ser respondida: como pode o Juiz, que está numa ponta da videoconferência, saber exatamente o que ocorreu no computador que está na ponta da mesma? A boa fé deve ser presumida. A prova da má fé do advogado terá que ser necessariamente técnica. Quem fará esta prova e onde a mesma será colhida? Se pairar dúvida sobre a validade do ato registrado por videoconferência como o Tribunal avaliará a qualidade da prova em que se embasou ou não a sentença de primeira instância? Estas são questões que necessariamente surgirão e terão que ser resolvidas nos próximos anos.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

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