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O SPC, o novo Código Civil e Código do Consumidor

01/03/2003 às 00:00
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Muito se tem perquirido nos meios acadêmicos, por especialistas e interessados, como ficará o prazo de permanência dos registros nos Banco de Dados a partir de 11-01-03.

Prevalecem as disposições do novo Código Civil, quando entra em vigor, ou as do Código de Defesa do Consumidor, relativamente a prescrição do título, que no primeiro caso é trienal e no segundo a prescrição para informação é qüinqüenal?

Em síntese é isto que está estabelecido no art. 206, § 3º, inciso VIII do novo Código Civil, e no Art. 43, § 1º e 5º, do Código de Defesa do Consumidor.

A transcrição dos artigos nos dará a dimensão da dúvida que permeia sobre a matéria e após algumas análises do tema por ilustres civilistas e por nos, chegaremos a uma conclusão a respeito da matéria.

O Art. 206, § 3º., inciso VIII, do novo Código Civil, diz;

Art. 206. Prescreve:

.........

§ 3º Em três anos:

.........

VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;

§ 5º- Prescreve em 5 ( cinco) anos:

I-A pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes constante de instrumento público ou particular

O Código de Defesa do Consumidor por seu turno diz:

Art. 43 - O consumidor, sem prejuízo do disposto no artigo 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.

§ - Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a 5 (cinco) anos.

- Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.

Nota-se que o novo Código Civil diz expressamente que, prescreve em 3 anos a pretensão de haver o pagamento de título de crédito a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial.

Por outro lado, o Código do Consumidor, diz que os Cadastros de Consumidores não podem prestar informações dele consumidor, por período superior a cinco anos, respeitada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor.

Em princípio, parece que, as duas legislações se contradizem, quando o Código Civil a entrar em vigor em 11 de janeiro de 2003 estabelece em 3 anos o prazo prescricional de títulos de crédito, não nos parecendo aqui tratar-se de ação de cobrança, na mediada em que, o artigo em comento fala em títulos de crédito logo, a previsão legal se reporta a execução e estes títulos são uma maioria nos Bancos de Dados de Consumidores, nos moldes do SPC.

De início vem a pergunta, o novo Código Civil, com esta estipulação, revogou dispositivo do Código do Consumidor?

A resposta é não e explico.

De início devemos enfatizar que, as estipulações acima não se contradizem, porquanto, o novo Código Civil trata de prazo prescricional ( 3 anos) para haver o recebimento de um título de crédito (novos), na mediada em que, o inciso em comento, excepcionou os títulos de crédito anteriores e criados por lei especial, e o Cod. de Defesa do Consumidor, cuida de prazo para repasse de informações para fins de crédito, logo, os seus objetivos e natureza jurídica são bem diferentes.

Não obstante esta diferença o § 5º, do Código de Defesa do Consumidor fala em prescrição da cobrança da dívida, fato que nos leva a refletir sobre o liame de um dispositivo com o outro.

Especialistas e civilistas de renome como o Dr. Álvaro Vilaça Azevedo que teve participação direta na feitura do novo Código Civil, Professor da USP–Universidade de São Paulo e o Dr. Renan Lotufo, Desembargador aposentado e professor da PUC-SP, nos mostrou que as disposições em comento tratam de matérias diferentes.

O Dr. Álvaro Vilaça Azevedo em conversa informal na –Assoc. Comercial de SP – ACSP, onde o mestre fez uma brilhante palestra, em uma conversa informal me garantiu que, o novo Código Civil ao definir o prazo prescricional em 3 anos, o fez para os títulos de crédito novos ou seja, os que forem criados a partir de 11 de janeiro de 2003, na mediada em que, a lei nova não poderá prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, princípios constitucionais ( art. 5º, XXXVI), que se aplicam ao caso concreto.

Vale dizer que, se a operação comercial (compra e venda) ou a financeira ocorreu antes do dia 11-01-03, os seus efeitos estão garantidos pelos princípios acima citados.

Com isto, todos os registros constantes no SPC ou outros Bancos de Dados de natureza jurídica semelhante, cujos registros sejam provenientes de operações comerciais ocorridas antes de 11 de janeiro de 2002, não terão seus prazos reduzidos, até porque, repita-se são matérias jurídicas diferentes.

Por força de conseqüência lógica, os títulos de crédito emitidos também após 11 de janeiro de 2.003 e dentro dos parâmetros da lei anterior que os criou, leis especiais, do (cheque, Nota Promissória, duplicata etc.) continuam com as suas prescrições devidamente definidas por estas leis, que, repita-se não foram revogadas.

E para confirmar o que dissemos, o Novo Código ainda complementa dizendo no inciso I, do § 5º, do art. 206 que, a pretensão de cobrança de dívidas líquidas, constantes de instrumento público ou particular prescrevem em 5 anos, vale dizer, o novo código não deixa dúvidas quanto a prescrição qüinqüenária.

Em palestra proferida pelo Ilustre Professor Dr. Renan Lotufo, na cidade de São Paulo, nas dependências do SERASA, da qual tive a satisfação de participar, este professor foi mais detalhado em suas considerações e nos esclareceu que:

Todas as disposições novas devem respeitar a Constituição. Fala ainda que, a lei vem para regrar o futuro e pode até alcançar fatos pré-existentes, se estes ainda não ocorreram.

Lei nova só se aplica a fatos que ocorram dali para frente e os fatos que ocorreram antes dela (lei nova), porem se seus efeitos ainda não ocorreram até estão em curso, a nova lei pode regrar. Um exemplo elucida a matéria, um jovem que completa 18 anos no dia 11-01-03 ou após esta data, passa a ser maior de idade aos 18 anos, e não com a idade de 21 anos como era

No exemplo o jovem tinha expectativa de maior idade aos 21 anos, ou seja, os seus efeitos estavam em curso e como esta expectativa não ocorreu antes de entrada em vigor do novo código, prevalece para este a nova disposição quando este completar 18 anos.

No entanto, no caso dos títulos de crédito a regra geral não se aplica, visto o próprio código excepcionar a lei especial e não existir, no caso de títulos de crédito, qualquer expectativa da ocorrência do direito, ela já ocorreu e está garantido pela lei anterior e pelo próprio direito adquirido e ato jurídico perfeito.

Também o professor Dr. Renan Lotufo nos demonstra que, a Prescrição trienal referida no art. 206, do novo Código Civil adota a linha da pretensão. O novo Código Civil acompanhou mais a violação do direito e não a pretensão de direito processual e sim de direito material.

Fala que, se não ocorrer a exigibilidade do direito não ocorrerá a pretensão. Quanto aos títulos de credito alem de suas tipicidades eles têm um momento de sua exigibilidade e a partir dai se inicia a contagem do prazo prescricional, até porque, a prescrição é a perda de direito. A prescrição inicia-se no momento de sua exigibilidade, Rev. dos Tribunais nº 792.

Comenta que o entendimento do novo código é o de que, os títulos de credito continuam regrados pelas leis especiais ou seja, não foram revogadas. O inciso VIII do § 3º do art. 206, é expresso em dizer " ressalvada disposição de lei especial."

Já o prazo trienal do art. 206, § 3º, inciso VIII, segundo Dr. Renan Lotufo, é para os títulos novos, ou seja, os que forem criados a partir de 11-01-03. Enfatiza que, em momento algum o novo código fere os princípios de títulos de credito já regrados. As normas destas leis especiais continuam a existir e somente os novos títulos e que se regrarão pelo novo código.

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Com isto podemos concluir que, mesmo com a entrada em vigor do novo Código Civil, os títulos de crédito, exp. (duplicata mercantil, nota promissória), continuam com suas regras pela legislação anterior, pelo que, pode o credor, após a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, propor uma ação de cobrança contra o devedor, cujo prazo na legislação vigente e de 20 anos, e no código que entra em vigor em 11 de janeiro de 10 anos ( art. 205 ).

Superado este prazo, de 3 anos, o credor tem até 20 anos (Cod. Civil ) para cobrar do devedor o débito, mediante ação de cobrança, no entanto, o Código do Consumidor limita o período de informação deste débito, ao prazo máximo de 05 anos.

O mesmo raciocínio vale também para o novo Código Civil, ainda que se aplicasse aos antigos títulos de crédito, o novo código, (duplicata mercantil, nota promissória, cheque ou outro qualquer) aqui a prescrição para ressarcimento de enriquecimento é trienal ( art. 206, § 3º, inciso IV, que, somados dão 6 anos.

Ressalte-se ainda que, artigo 206, § 3º, inciso VIII é claro e fala em pretensão para haver o título de crédito, que é de 3 anos e após este prazo o direito do credor não finda, na mediada em que, pode ainda o credor, propor uma ação de cobrança por enriquecimento ilícito do devedor, (art. 884 novo Cod. Civil) neste caso, também não se estaria cobrando o pagamento de um título de crédito (este está prescrito) e sim o seu direito material de cobrar uma dívida pelas vias ordinárias cujo início de prova é um título de crédito prescrito, que pelo novo Código Civil a prescrição cai de 20 para 10 anos (art. 205 do novo Código Civil), no entanto, o Código do Consumidor, limita o período de informação de um débito, ao prazo máximo de 05 anos.

Considerando que o parágrafo 5º, do art. 43 do Código do Consumidor diz: "Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor...", sua interpretação não pode ser outra senão a do que ali está escrito, vale dizer, ali fala em cobrança de débito (prescrição vintenária) e de 10 anos a partir da entrada em vigor do novo código civil e não de execução de título de crédito (prazo de prescrição trienal).

Esta confusão tem sido feita até por Tribunais de Segunda Instância como o Tribunal de Justiça de Porto Alegre que, a nosso sentir, interpreta a expressão "cobrança" constante do § 5º, do art. 43, do Código Consumerista ".............. relativa a cobrança de débitos do consumidor "como se tratando de execução. Estes argumentos não se sustentam na medida em que se assim fosse o cheque só poderia permanecer no banco de dados pelo prazo insignificante de 7(sete meses), prazo para sua execução, nos termos da lei do cheque.

Ressalte-se, que este é o único Tribunal a ter esta modalidade de Interpretação, somando-se também a esta linha, de entendimento o Min. Rui Rosado do STJ, ministro este também ex Desembargador do T. de Justiça de Porto Alegre.

Entendemos diferentemente e comungamos com o abalizado pensamento do Ilustre Juiz Wander Marota, Juiz do Tribunal de Alçada de Minas Gerais que, em entende poderem as informações no SPC ou banco de dados assemelhados permanecer até 20 anos, no entanto, a sua informação se limita ao prazo de 5 (cinco) anos em respeito ao § 1º do mesmo artigo 43 do Cod. do Consumidor.

Finalmente, trazemos a lume o artigo 2028 do novo Código Civil que fala em permanência dos prazos da lei anterior se na data de entrada em vigor deste novo código, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Como enfatizado acima, pelos ilustres Professores, as leis especiais como as dos títulos de crédito não foram revogadas pelo novo Código Civil, obviamente este artigo 2028, não se aplica aos títulos de crédito, posto que, o artigo fala expressamente em lei revogada e não é o caso, de leis que cuidam dos títulos de crédito que, repita-se, não foram revogadas.

Ressalte-se por oportuno que, o Banco de Dados do SPC, têm por natureza jurídica, informações que objetivam levar ao conhecimento daquele que concede crédito, um dado para que este, em sua análise "interna corporis" conceda ou não o crédito a ele solicitado, ( art. 1º do Regulamento Nacional da RIPC) não sendo portanto o SPC, um instrumento de cobrança ou mesmo de caracterização de inadimplência como é a natureza jurídica do Titulo Protestado art. 1º da Lei 9.492 de 10-09-97.

Logo, pouco importa a quem concede um crédito se a informação que ele recebe é proveniente de uma duplicata, um cheque, um contrato ou uma Nota promissória, estes dados interessam tão somente ao consumidor de forma a elucidar a modalidade de seu débito junto ao credor.

Posto isto, podemos afirmar como nossa conclusão que, os registros feitos no SPC ou Banco de Dados assemelhados e provenientes de qualquer título de crédito anteriores a entrada em vigor do novo Código Civil, bem como os que forem processados após dia 11-01-03, tais como, duplicatas, cheques, notas promissórias, irão continuar naquele banco de dados pelo mesmo prazo de 5(cinco) anos e previsto no Cod. de Defesa do Consumidor.

S.M.J. é o nosso entendimento.

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Sobre o autor
Roberto Alves Horta

consultor jurídico em Belo Horizonte (MG), atuando junto à Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL) e ao Departamento de Atendimento aos SPCs (DASPC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HORTA, Roberto Alves. O SPC, o novo Código Civil e Código do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3850. Acesso em: 23 abr. 2024.

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