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União homossexual: reflexões jurídicas

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1. INTRODUÇÃO

Para Kant 1, o que caracteriza o ser humano e o faz dotado de dignidade especial é o fato de nunca poder servir de meio para outro ser humano. As pessoas não existem em função das outras e não podem servir como objeto para outras porque têm sentido em si mesmas.

Assim, as pessoas são fim em si mesmas e as coisas (ou objetos) servem às necessidades humanas. Por isso, nunca se deve confundir pessoa com coisa, ou rebaixar as pessoas ao nível das coisas.

Se a dignidade da pessoa é algo perceptível, coerentemente consagra-se esse estado como um dos alicerces fundamentais da sociedade brasileira (cf. Constituição Federal, art.1º, inc. III).

Os Estados Democráticos de Direito têm consagrado como seus fundamentos não só a dignidade da pessoa humana, mas também a liberdade, suas manifestações, e a igualdade de todos perante a lei.

Se a Constituição Federal repudia expressamente o preconceito, o racismo e qualquer forma de discriminação, se há lei infraconstitucional definindo os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor 2, é porque a sociedade caminha no sentido de afastar e repudiar essas práticas. Não se tolera qualquer prática discriminatória em sociedades ditas desenvolvidas.

Não obstante, a letra da lei é fria, sem sentimentos, muito embora as pessoas não o sejam. Por isso, e motivadas por razões psicológicas, morais ou religiosas nutrem, dentro de si, a repugnância a pessoas de outra religião, de outra cor, de outra convicção política e até mesmo em relação à pessoa que torce por outro time de futebol.

"O Direito não regula os sentimentos. Contudo, dispõe ele sobre os efeitos que a conduta determinada por esse afeto pode representar como fonte de direitos e deveres, criadores de relações jurídicas previstas nos diversos ramos do ordenamento, algumas ingressando no Direito de Família, como o matrimônio, e, hoje, a união estável, outras ficando á margem dele, contempladas no Direito das Obrigações, das Coisas, das Sucessões, mesmo no Direito Penal, quando a crise da relação chega ao paroxismo do crime, e assim por diante". 3

A união homossexual (não obstante os entraves da aceitação social, dos preconceitos etc) é, sem sombra de dúvidas, assunto com reflexos no mundo jurídico.

Nosso ordenamento exclui de seu amparo a questão da união de pessoas do mesmo sexo. Mas quantas relações já não estiveram à sua margem?

Há pouco tempo a mulher, apesar de não estar à margem do sistema, era "diminuída" em seus direitos, tratada, até o advento do Estatuto da Mulher Casada em 1962 (Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962), como relativamente incapaz.

Por séculos a fio a mulher foi tratada pelo sistema jurídico ora como objeto do direito, ora como incapaz, não como sujeito de direitos.

E o que não dizer acerca dos filhos havidos fora do casamento? Embora fossem filhos não era juridicamente reconhecido como tal; no sentido natural o eram, mas no jurídico, "direito algum tinham em homenagem à ‘paz e à honra’ das famílias matrimonializadas". 4

Constata-se, ainda em relação à criança e ao adolescente, que somente com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90) eles passaram a ser tratados como sujeitos de direito 5.

Se à mulher e aos filhos bastardos já se negou ingresso na titularidade de direitos e obrigações o que dizer de sujeitos homossexuais? Aversão, preconceito, descaso, hipocrisia, tudo afasta a inserção desses sujeitos como titulares de direitos e obrigações.

Por outro lado, impossível que essa situação fique assim, à deriva.

Sabe-se que o Direito é regra de conduta, como também é norma surgida como fruto da necessidade de disciplinar a convivência humana. 6

Os fatos sociais são a fonte criadora do Direito. São meios pelo qual este pode se exteriorizar através da norma. O Direito busca na realidade seu sustentáculo, tendo-se o fenômeno jurídico o fato cultural e a sociedade o seu foco necessário e indispensável.

O Direito, destarte, entra na seara das relações privadas, na intersubjetividade, regulando as relações subjetivas, ou seja, a conduta de uma pessoa em relação a outra pessoa. Neste aspecto, o Direito passa a ser um conjunto de normas que disciplinam as relações intersubjetivas.

Direito vem do latim dirigere. Tem o sentido, pois, de guiar a vida em sociedade.

Pode-se concluir que o os sentimentos humanos, na sua essência, não têm, por si só, relevância para o Direito. Este não se interessa por aqueles isoladamente entendidos. O Direito se preocupa com as condutas (comportamentos) das pessoas no seio da sociedade.

Somente a exteriorização dos sentimentos, demonstrada por meio de atos, gestos ou palavras, é que passa a ter significado e relevância jurídica. O elemento interno das pessoas, psíquico, tem relevância para outras ciências, como a medicina psiquiátrica ou a psicologia. Para o Direito interessa a vontade exteriorizada através de condutas, seja por ação, seja por omissão.

Os sentimentos, externados pelas condutas, terão relevância quando estas repercutirem na órbita jurídica. As condutas determinadas pelos sentimentos é que criarão as relações jurídicas.

Nesse raciocínio, se houver a união (convivência ou parceria) de duas pessoas de sexo oposto pode ser hipótese, como será oportunamente analisado, de casamento, de união estável, ou de concubinato. O sentimento puro e simples de uma pessoa para com a outra nada reflete no mundo, mas se há uma conduta motivada por esse sentimento haverá situações tuteladas pelo Direito.

Se há a possibilidade de haver a união de pessoas de sexo oposto, há, também, a possibilidade de haver a união de pessoas do mesmo sexo.

Em ambos os casos há o sentimento. Mas, se exteriorizado por certas pessoas a conduta ou ato final terá relevância jurídica, se, por outras, estará, essa mesma conduta ou ato, à margem do Direito.

Não obstante, os fatos se impõem perante o Direito e a realidade força a sua adaptação a eles. Essa realidade se faz presente pela constante alteração dos costumes, mormente nas relações familiares, que evoluíram e se impregnaram de autenticidade, sinceridade, amor, compreensão, diálogo, paridade e realidade, afastando-se a hipocrisia, a falsidade institucionalizada e o fingimento, do que não pode negligenciar o ordenamento jurídico. 7


2. A Família 8

Não se pode pensar em sociedade sem antes se pensar na família. A família é a célula mater da sociedade. Forma-a, desenvolve-a e a consolida.

Em todos os tempos da humanidade se verificou a sua formação e o seu desenvolvimento por meio da família. Esta é, portanto, o "embrião" da sociedade. 9 Todo agrupamento humano é formado por um elo a ligar cada um de seus indivíduos. Este elo é o fato de pertencerem ao mesmo tronco familiar, ou seja, o elo é a família.

Num sentido amplo, família é a reunião de pessoas, ligadas entre si pelo nexo de parentesco, procedentes dum tronco comum. Incluem-se os ascendentes, descendentes e colaterais de uma linhagem, juntamente com os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge, que são denominados de parentes por afinidade ou afins. Há, deste modo, a inclusão do cônjuge, que não é parente.

Pode-se considerar a família restritivamente, compreendendo o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o poder familiar. Neste aspecto, há previsão constitucional no sentido de se ter como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (Constituição Federal, art. 226, § 4º).

Considera-se a família, ainda, sob o aspecto sociológico, no qual se encontram as pessoas que vivem sob um mesmo teto, sob a autoridade de uma pessoa.

Há notícia de que nas civilizações primitivas a família era formada pela mãe e sua prole, por ser desconhecido o pai. Isso ocorria pelas constantes guerras entre tribos, que faziam as mulheres ser subjugadas por bravos guerreiros vindos de outras tribos. Até, talvez por instinto natural (ou animal), os homens das tribos tinham relações sexuais com diferentes mulheres, engravidavam-nas e deixavam com elas o produto de tais relações. Neste contexto fala-se do surgimento da poligamia, conduta que seria mais tarde relegada a poucas tribos, hoje pouquíssimas civilizações.

Mais tarde, por questões morais, religiosas 10 e éticas, a concepção dominante era de que a família deveria surgir do casamento, ser monogâmica e ser liderada pelo ente detentor de maior força física: o homem.

A família brasileira teve como fundamentos os princípios herdados de Roma antiga.

Em Roma a família tem o sentido de grupo de pessoas sob o poder e autoridade do pai (pater familias). O pater tinha sob suas ordens e autoridade os servos, a esposa e os filhos.

O poder do pater familias compreendia: a patria potestas, ou o poder sobre os filhos e netos dos filhos masculinos; a manus, ou o poder sobre as mulheres casadas com o mesmo pater familias ou com um seu descendente; o mancipium, ou o poder de pater sobre as pessoas a ele vendidas como escravos (in mancipio); a dominica potestas, ou o poder sobre os escravos. 11

Observe-se que em relação aos escravos, apesar de serem pessoas, eram tratados como coisas, e como tais não eram sujeitos de direitos e obrigações, eram meramente objetos da relação jurídica.

A mulher, a seu turno, estava subjugada, não era capaz de agir por si, dependia, antes de se casar, das ordens do pai, e, enquanto estivesse casada, das ordens do marido, para todo ato que pretendesse praticar. Sua obrigação era educar os filhos e cuidar do lar.

Os filhos estavam sujeitos ao poder do pai até a morte, a qual se equipara a capitis deminutio, sob três formas: a maxima, pela qual a pessoa se tornava escravo, perdendo toda a capacidade; a media, pela perda do status de cidadão romano; a mínima pela mudança do status familiae, desaparecendo a relação de parentesco civil (adgnatio) sobre o qual se funda o poder do pater familias. Ainda, o pai que por três vezes houvesse vendido o filho como escravo perderia o patripotestas, se o pai os houvesse dado em adoção, também perderia o referido poder. Quanto às filhas, além de todas as hipóteses anteriores, desligavam-se desse poder quando se casassem, quando, então, estariam sob o poder de seu marido (conventio in manum).

Na família romana, exceto o paterfamilias, todas as outras pessoas eram alieni iuris, sujeitas ao seu poder e, em princípio, sem direitos e sem poderem adquiri-los para si. 12

Porém, a tendência social atual é de se afastar a idéia de poder e autoridade da vontade de um indivíduo, igualando-se os direitos familiares, principalmente do marido em relação à esposa.


3. A evolução da família.

"A família é um fato natural. Não a cria o homem, mas a natureza. (...) O legislador não cria a família, como o jardineiro não cria a primavera. Fenômeno natural, ela antecede necessariamente ao casamento, que é um fenômeno legal, e também por ser um fenômeno natural é que ela excede à moldura em que o legislador a enquadra. (...) Agora dizei-me:que é que vedes quando vedes um homem e uma mulher, reunidos sob o mesmo teto, em torno de um pequenino ser, que é fruto do seu amor? Vereis uma família. Passou por lá o juiz, com a sua lei, ou o padre, com o seu sacramento? Que importa isto? O acidente convencional não tem força para apagar o fato natural. De tudo que acabo de dizer-vos, uma verdade resulta; soberano não é o legislador, soberana é a vida. Onde a fórmula legislativa não traduz outra cousa que a convenção dos homens, a vontade do legislador impera sem contraste. Onde porém ela procura regulamentar um fenômeno natural, ou ele se submete às injunções da natureza, ou a natureza lhe põe em cheque a vontade. A família é um fato natural, o casamento é uma convenção social. A convenção é estreita para o fato, e este então se produz fora da convenção. O homem quer obedecer ao legislador, mas não pode desobedecer à natureza, e por toda a parte ele constitui a família, dentro da lei, se é possível, fora da lei, se é necessário". 13

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Se a família é fenômeno natural, justo que haja a família de fato, ou seja, aquela formada à margem do matrimônio.

Durante muito tempo nosso legislador viu no casamento a única forma de constituição de família, negando efeitos jurídicos à união livre. União livre e concubinato são expressões semelhantes, abrangendo uma e outra a relação entre homem e mulher fora do matrimônio.

A origem da palavra concubinato está no vocábulo latino concubinatus que significa mancebia, amasiamento; do verbo concumbo, is, ubui, ubitum, ere ou concubo, as, bui, itum, are (derivado do grego), cujo sentido é o de dormir com outra pessoa, deitar-se com, repousar, descansar, ter relação carnal, estar na cama.

O conceito de união livre ou concubinato é variável. No concubinato existe a convivência do homem e da mulher, sob o mesmo teto ou não, mas more uxorio, isto é, convívio como se marido e esposa fossem.

Há, portanto, um sentido amplo para concubinato, no qual está o sentido de qualquer união sexual livre adulterina, ou não, e um sentido estrito, como a união duradoura, a formar a sociedade doméstica de fato baseada na fidelidade.

A assimilação legal do concubinato pelo direito pátrio foi paulatina, dependendo, primeiro, de grandes discussões doutrinárias e, segundo, de decisões jurisprudenciais.

A jurisprudência, de início, reconheceu direitos obrigacionais no desfazimento da sociedade conjugal concubinária, determinando a divisão entre os cônjuges do patrimônio amealhado pelo esforço comum. Em outras situações, quando isso não era possível e para impedir o desamparo da concubina, os tribunais concediam a ela uma indenização por serviços domésticos.

O Supremo Tribunal Federal entendia que esses efeitos patrimoniais decorriam de relações obrigacionais criadas pela convivência do casal, afastando efeitos de Direito de Família. Essa posição foi sintetizada na Súmula 380: "Comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum".

A partir de então foram sendo concedidos direitos, principalmente à concubina, como por exemplo: concedeu-se o direito de perceber a indenização do companheiro morto por acidente de trabalho e de trânsito, desde que não estivessem casados e ela estivesse incluída como beneficiária (Decreto-lei 703/44; Lei 82131/91). Foram consolidados os direitos previdenciários da companheira na legislação respectiva (Leis nº 4297/63 e 6194/74), permitindo que ela fosse designada beneficiária do contribuinte falecido, tendo a orientação jurisprudencial se encarregado de alargar o conceito, permitindo o mesmo direito também na falta de designação expressa, se provada a convivência ou a existência de filhos comuns. Deste modo, permitiu-se a divisão da pensão entre a esposa legítima e a companheira (Súmula 159 do extinto TRF).

A Lei de Registros Públicos (Lei nº 6015/73), no art. 57, §§ 2º e 3º, com redação dada pela Lei nº 6216/75, autorizou a companheira a adotar o sobrenome do companheiro, após cinco anos de vida em comum ou na existência de prole, desde que nenhum deles tivesse vínculo matrimonial.

Os desenvolvimentos legislativo e jurisprudencial demonstram que, sem concorrer com o casamento, o concubinato passou a ser reconhecido como relação válida, produzindo efeitos no âmbito patrimonial do casal.

Tanto se fez que a Constituição Federal, no art. 226, § 3º, prescreve que "para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento".

O casamento não é requisito essencial para a existência da união estável. Se esta tem por objetivo a formação da família, o legislador entende que somente o casamento legitima a "verdadeira" família. Observe-se que a expressão "entidade familiar" significa "como se fosse família", mas realmente não sendo uma.

Insta salientar que a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a qual instituiu o Código Civil, reconhece como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família (art. 1723, caput, cuja redação é igual a do art. 1º da Lei 9278/96, a qual regula o §3º da Constituição Federal).

Além de definir a união estável, o Código Civil de 2002 inova e a distingue do concubinato. Desse modo, "as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato" (art. 1727).

Ao lado da união estável e do concubinato surgem outras situações que alteraram a noção de família.

Avanços tecnológicos proporcionados após a Revolução Industrial permitiram o avanço da sociedade, e como não poderia deixar de ocorrer, avanços na família.

A família estratificada, inerte, dependente dos mandos e desmandos do pater familias, foi cedendo espaço para a atuação da mulher. A necessidade de o pai sair de casa para trabalhar, o aumento da produção de bens de consumo e a eterna necessidade humana para a aquisição de bens materiais e sua constante troca por outro mais novo e diferente, fizeram com que a mulher tivesse papel mais ativo nos negócios da família.

A sociedade de modelo capitalista sentiu a necessidade de forçar a mulher a entrar no mercado de trabalho, mormente se se pensar que havia a necessidade de fazer com que a família ganhasse mais dinheiro, ou tivesse maior recurso financeiro, para continuar mantendo o padrão capitalista e consumista de vida.

As famílias ocidentais, sob a égide do american way of life - situação alcançada após a I Guerra Mundial e confirmada e consolidada após a II Guerra Mundial-, sentiram a necessidade de serem prósperas.

A mulher, contribuindo com a manutenção da família, atuando cada vez mais no mercado de trabalho e desenvolvendo enorme variedade de serviços, ofícios e profissões, foi ganhando espaço no comando da família. Isso, conseqüentemente, surtiria, como surtiu, efeitos na sociedade, fato hoje presenciado e sentido por todos.

Surgiram famílias fruto do divórcio, em que a mulher, na maioria dos casos, ficava com a guarda dos filhos. A mulher, que já havia conquistado espaço no mercado de trabalho, passa, agora, a desempenhar, sozinha, o papel de líder da família, muitas vezes trabalhando fora de casa, cuidando da casa e educando os filhos.

Mulheres cada vez mais independentes e desligadas do "poder" do homem começaram a formar famílias sem a presença deste. Por não sentirem necessidade de viver junto de um homem, ou seja, por não sentirem necessidade ou vontade de casar, começaram a sentir necessidade de ter filho ou filhos e viver somente com ele(s). Surge na sociedade a família formada pela mãe solteira e sua prole.

Diante dessas duas realidades, a primeira surgida com o divórcio e a segunda das denominadas "mães solteiras", a Constituição Federal prevê e aceita como família a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, § 4º).

Cumpre salientar, ainda, que é cada vez mais comum o pai ter a guarda dos filhos deferida em seu favor, ou porque a mãe abdicou desse direito ou porque o próprio pai demonstrou ter melhor situação econômica, social e psicológica para cuidar e educar os filhos.

A permissão da dissolução do casamento pelo divórcio, o reconhecimento de filhos ilegítimos (ou a legitimidade dos filhos havidos fora do casamento), o concubinato, a união estável e a autonomia ou independência feminina foram fatores decisivos para a alteração do conceito de família.

Em relação a este avanço é precisa a lição de Márcio Antonio Boscaro, para quem "a entidade familiar não mais se constitui para a proteção do próprio grupo que representa, ou do instituto do casamento e, sim, para procurar defender os interesses individuais de cada um dos seus membros, unidos por opção pessoal e não mais por imposição social e na busca de um ideal comum de felicidade e de realização própria, ao lado de pessoas que lhes são caras". 14

Deste modo, família não tem mais o significado contido em seu vocábulo, como grupo de pessoas organizado, hierarquizado e chefiado pelo pater familias.

O conceito de família amplia-se ainda mais, não se atendo aos moldes propostos pelo legislador. O que se entende, hoje, por família? Podemos, com o que foi exposto até o momento, e seguindo os entendimentos de Rui Geraldo Camargo Viana 15 e de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka 16, apresentar alguns modelos de família, de acordo com a origem ou à própria estrutura de composição: a família comportamental, a família concubinária, a família monoparental, a família homossexual e a família matrimonial.

A família comportamental surge entre a união estável e o casamento civil, onde, desde o início da convivência e independentemente de qualquer cerimônia, estabelece-se presumidamente o casamento, conversível neste por simples registro. Essa modalidade não tem regulamentação legislativa no Brasil.

A família concubinária advém da união estável ou do próprio concubinato, com a diferenciação estabelecida pelo Código Civil de 2002.

Quanto à família monoparental, extrai-se sua noção do texto constitucional (Constituição Federal, art. 226, § 4º) como sendo a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Deixa-se de lado, aqui,a noção de casal, ou seja, a família não necessita, para existir, da figura do pai e da mãe juntos, ela existe mesmo na ausência de um deles.

Deixa-se para o final a análise jurídica acerca da família homossexual.

A mais comum e a que se faz mais presente (apesar da constante e cada vez mais freqüente situação no meio social: "Pra que casar? Vamos morar juntos, é melhor!") é a família matrimonial. Esta tem sua formação no casamento. 17

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Sobre o autor
Thiago Hauptmann Borelli Thomaz

advogado em Campinas (SP), professor de Direito Civil da Universidade Paulista (UNIP), especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista da Magistratura

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

THOMAZ, Thiago Hauptmann Borelli. União homossexual: reflexões jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. -92, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3930. Acesso em: 21 nov. 2024.

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