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Comissões Parlamentares de Inquérito: o contraditório, o uso político e a influência no cenário político brasileiro

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30/06/2015 às 10:10
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IV. O Uso Político das CPIs

Disse Luis Nassif, jornalista econômico, em sua coluna “A hipocrisia das CPIs e do uso político dos escândalos” na revista Carta Capital, em 14/04/2014:

“A CPI de Cachoeira acabou quando bateu nas relações Veja-Cachoeira e quando o diretor da empreiteira Delta ameaçou abrir suas listas. Em dois segundos, a CPI virou fumaça, abortada tanto pela oposição quanto pelo PT. [...] Esse modelo torto criou uma cadeia improdutiva da denúncia que visa tudo, beneficia a muitos, menos à moralidade pública. É de uma hipocrisia acachapante e oportunista.”¹[2]

Não é difícil, a partir do conhecimento sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito e de observação de todo o seu impacto midiático, entender que elas tem potencial de uso político-eleitoral. A declaração acima é apenas um exemplo prático de como isso acontece: grandes partidos políticos, ao se sentirem ameaçados pelo que pode ser descoberto por uma comissão, prontamente mobilizam-se para abortá-la. Denúncias se aproximam perigosamente de ameaças e o processo inquisitorial acaba por se assimilar à perseguição política.

Em matéria veiculada em 2005, sobre a CPI do setor elétrico[3], que investigaria as privatizações ocorridas neste durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o então deputado Luiz Carlos Santos (PFL-SP) demonstrou-se insatisfeito com o processo, acusando a CPI de estar a serviço de partido ou candidatura. Em 2013, o deputado federal Vaz de Lima (PSDB), afirmou, sobre duas CPIs no estado de São Paulo que investigavam irregularidades na Secretaria de Saúde e denúncias de corrupção: “Se tem algum problema para avaliar, que se verifique. Sem nenhum problema. Não pode se transformar em instrumento de luta política. Não transforme isso (CPI), que é um instrumento importantíssimo da democracia, em uma coisa de luta política”

É notável o incômodo causado pelas comissões no sistema político-eleitoral brasileiro e, apesar de, frequentemente, ser necessária a abstenção do juízo de valor sobre determinadas declarações, nota-se claramente que há um entendimento generalizado sobre o possível uso das CPIs como medida de força política. A partir daí, criam-se, novamente, questionamentos sobre o real objetivo e motivo de ser das CPIs, sua efetividade e, mais importante, sobre até que ponto o instituto foi deturpado.

Em 2001, quando falava-se em instalação da chamada CPI da Nike no Congresso, o jornal Estado de S. Paulo publicou notícia sobre o uso do projeto da comissão como “moeda de troca” no Congresso:

“a chamada ‘bancada da bola’ – que reúne deputados ligados a clubes de futebol – decidiu usar a CPI da CBF/Nike como moeda de troca no Congresso. Os deputados exigem o fim imediato da comissão, sob pena de assinarem em bloco, a CPI da Corrupção. [...] O fim da comissão antes do prazo determinado, foi decretado pelos líderes de partidos aliados ao governo [...]”[4]

Recentemente, em 23/02/2015, foi noticiado no jornal Século Diário sobre a CPI do Pó Preto:

“CPI 'chapa branca' pode ser retribuída com financiamento de campanha em 2016 [...] Na eleição de 2010, boa parte do plenário recebeu recursos das poluidoras. [...] Dois deles estão na CPI do Pó Preto e na Comissão de Meio Ambiente. [...]Essas empresas usam o financiamento de campanha como moeda de troca. Os financiados se comprometem em defender os interesses das empresa no Estado.”[5]

Além de já desvirtuadas pelo possível uso como ameaça politico-eleitoral, CPIs supostamente importantes, após tomar tempo e pessoal do Congresso e, por conseguinte, do país, seriam simplesmente desconsideradas em troca de benefícios – ou menos ameaças – oferecidos por outro. Frequentemente, além, se tem notícia de projetos de abertura de comissões parados por anos em pauta até que, finalmente, um interesse majoritário torne necessário aquela ou outra instalação – não apenas moedas de troca, mas quase cartas na manga para se atingir objetivos.

Tem-se então um problema óbvio: como saber quais comissões, dentre as inúmeras projetadas ou em atividade, realmente são provindas de interesses legítimos, sem envolvimento em jogos de poder político, buscam resultados palpáveis e necessários à apuração de fatos importantes e não são apenas mais uma peça no já inflacionado ambiente politico-eleitoral?

Não é possível encontrar resposta objetiva para tal questão, nos restando a reflexão para que sejam feitos questionamentos críticos às comissões e à sua representação midiática, que sempre parece objetivar a criação de vilões ou mártires, para que a deturpação do instrumento seja futuramente evitada. Tal reflexão, por si só, é provinda de fatos que somados ao longo de anos de análises e discursos sobre as comissões de inquérito provam que existem dispostos à deturpar seu objetivo em nome de interesses pessoais ou políticos.

O uso político das comissões parlamentares de inquérito, somado à sua influencia midiática, porém, não é justificativa para sua completa desconsideração. Tem-se visto que, apesar da enorme quantidade de atenção recebida pelos meios de comunicação, dos interesses nem sempre claros, da burocracia e gasto de tempo, temas que nem sempre recebem atenção adequada acham espaço para discussão nas CPIs, como se vê na comissão do Tráfico de Pessoas ou da Exploração Sexual de Crianças.


V. Conclusão

É inegável que as Comissões Parlamentares de Inquérito mantêm sua importância, seja como representação de direito de minoria, seja como manifestação da função fiscalizatória do Poder Legislativo, ainda que reconhecidas suas falhas e possíveis inconsistências. As já citadas CPIs do Tráfico de Pessoas e da Exploração Sexual de Crianças contemplam temas a que não é dada devida atenção  pelo sistema legal, sendo frequentemente postos de lado frente a matérias vistas como prioritárias pelo Congresso e pela população.

O controle político de atos praticados pelo Governo deve, indubitavelmente, estar presente no nosso sistema jurídico. Isso é notável ao analisarmos o contexto histórico do Brasil pré-Constituição de 1988, desde a instauração do regime militar – pode-se dizer, tranquilamente, que a criação de mecanismos para controle de abusos é reflexo histórico direto. O próprio fato de que as CPIs são usadas por alguns como objeto de ameaça, dando a entender que elas assustam indivíduos e organizações que cometem abusos políticos, traz a tona ideia de seu poder e significância: o inquérito parlamentar, apesar de não impor sanção direta, tem poderes investigativos perigosos e mais do que suficientes para expor partes podres do sistema. Se utilizado em favor da justiça e dos princípios que regem a Constituição Federal, em conjunto com todo o sistema normativo que atende à nação, seria uma das mais efetivas máquinas de controle político. Muitas de suas falhas não se relacionam diretamente com as características da CPI, mas sim com imperfeições inerentes ao sistema jurídico-político-eleitoral brasileiro.

Dentre as que aqui considero falhas internas, a inobservância do princípio do contraditório e ampla defesa, apesar de justificada juridicamente no fato de que a CPI não impõe sanção e meramente assume poderes e certas características do inquérito, consolida-se como abertura para que poderes majoritários obscuros, em busca de atenção a objetivos não condizentes com o ideal de justiça e sim a ganho político, pessoal ou partidário, tenham maior facilidade em fazer do processo de inquérito parlamentar algo muito mais próximo a uma “caça às bruxas”: se não há necessidade de ouvir resposta a fato apresentado e se apoia somente em provas e documentos produzidos pela acusação, admite-se a possibilidade de que pode-se estar sendo levado a caminhos errados. Isso não é dizer que o inquérito parlamentar seja levado sem devida atenção e preocupação, mas que nem sempre pode-se inferir a boa-fé de terceiros, e a história – inclusive, recente, como já mostrado – prova que há indivíduos que buscam se aproveitar das comissões.

Quanto ao uso das CPIs como moeda de troca ou prova de força política, é especialmente notável que tais práticas sejam tão amplamente reconhecidas no Congresso e, ainda assim, levadas sem aparente seriedade. A política se confunde com interesses pessoais, humanos; a partir deste ponto, o processo perde força e torna-se mecanismo teatral, de atuação, para mascarar reais objetivos sendo alcançados por trás dos panos. Ainda, é essa parte que acaba sendo violentamente veiculada pelos meios de comunicação. Sabe-se muito bem que qualquer massa pode ser manipulada, e não há, na história política recente do país, modo mais fácil de criar vilões e inimigos públicos do que a instalação de CPI quase como um evento popular, com os holofotes focados naquele(a) que se busca, nem sempre justificadamente, acusar.

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Em entrevista ao jornal El País (03/04/2014), o professor da Fundação Getúlio Vargas Yuri Carajelescov declara, sobre críticas às CPIs:

“CPI cumpre diversos papéis. Um deles é o caráter de informação da sociedade, que ela cumpre bem. Se formos lembrar que um dos papeis fundamentais do poder Legislativo é controlar outros poderes, você vai ver que o cerco se fecha. Ainda que possa aqui e ali haver algum tipo de excesso, de transformar esse palco da política legítima num circo de horrores. Já houve casos de exageros, mas para isso está aí o Judiciário, que pode coibir os excessos.”[6]

As Comissões Parlamentares de Inquérito buscam, pois, evitar abusos nos cenários político, econômico e eleitoral, ao mesmo tempo em que, devido à atenção recebida, informam a sociedade sobre os fatos apurados e cumprem o papel fiscalizatório do Poder Legislativo, tendo poderes especiais para tal. Erros são cometidos, internamente e no âmbito externo, mas sua construção, desde as origens na Inglaterra ao modelo adotado pela Constituição de 88, foi feita para que a sociedade tenha uma válvula de escape para quanto os interesses majoritários que não a contemplariam.

Como diversos mecanismos judiciais, políticos e sociais adotados no Brasil, há inconsistências que devem ser levadas em conta, analisadas e corrigidas para que o potencial seja apreciado ao máximo. Ainda assim, tem-se registrada uma das mais fortes instituições de controle político existentes, desde os objetivos dados em sua construção ao incrível impacto midiático e social por ela acarretado.


IV. Bibliografia

CANOTILHO, J. J. Gomes; LEONCY, Léo Ferreira; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz. Comentários à Constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 5ª Edição. Jus Podium, 2013.

SAMPAIO, Nelson de Souza. Do Inquérito Parlamentar. Rio de Janeiro: FGV, 1964.

SILVA, José Luiz Mônaco da.Comissões Parlamentares de Inquérito. São Paulo: Ícone, 2000.

MORAES, Alexandre de.Limitações constitucionais às comissões parlamentares de inquérito.Brasília: Revista de Informação Legislativa a.37, n. 146, abri./jun. 2000

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral das comissões parlamentares. Rio de Janeiro: Forense, 2001

CAMPINHO, Bernardo Brasil. A importância atual de uma CPI. Jus Navigandi, n. 25, set. 2000

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal.9ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 7ª edição. Editora Saraiva, 2009.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de conhecimento. 41ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

Textos legais:

Brasil. Constituição da República federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988.

Notas

[2] Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/politica/a-hipocrisia-das-cpis-e-do-uso-politico-dos-escandalos-6507.html. Acesso em 06/06/2015

[3] Disponível em: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/nacional/uso-politico-da-cpi-do-setor-eletrico-preocupa-integrantes-1.498404. Acesso em 06/06/2015.

[4] Disponível em: http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,cpi-da-nike-vira-moeda-de-troca,20010404p44230 . Acesso em 06/06/2015.

[5] Disponível em: http://seculodiario.com.br/21460/8/cpi-chapa-branca-pode-ser-retribuida-com-financiamento-de-campanha-em-2016-1. Acesso em 06/06/2015.

[6] Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/04/03/politica/1396555251_129878.html. Acesso em 09/06/2015.

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Sobre o autor
Gustavo Franco

Graduando em Direito pela UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Gustavo. Comissões Parlamentares de Inquérito: o contraditório, o uso político e a influência no cenário político brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4381, 30 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40266. Acesso em: 1 mai. 2024.

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