Concurso público: da nomeação e da mera expectativa de direito para o direito subjetivo do candidato

30/06/2015 às 16:57
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Ligeira abordagem sobre o entendimento adotado pela Corte Suprema à época da edição da Sumula 15 (13/09/1963),e o atual reposicionamento exegético do instituto do concurso público e nomeação de candidatos aprovados,

A Carta Política Cidadã promulgada há quase trinta anos (1988), no dispositivo do artigo 37 (princípios norteadores da Administração Pública), máxime no inciso II (III, IV), determina que a investidura em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos. Diante da norma retro, atualmente, é crescente o número de pessoas que buscam por melhorias de vida, estabilidade funcional e financeira, e se dedicam aos estudos visando a aprovação em concursos públicos sonhando com a respectiva nomeação no emprego ou cargo público eleito.

Diante das inúmeras vantagens trabalhistas que lhes são garantidas no setor público, sobrepondo-se as verificadas no setor privado, milhares de pessoas sacrificam finais de semanas e seu descanso, sacrificam o convívio familiar e o lazer para investirem alto em cursinhos preparatórios, ou dias e noites solitárias debruçadas em livros, cuja exigência quase penitente de integral dedicação as tornarão competitivas na persecução do cargo público.

Inobstante a penosa tarefa de conseguir almejada aprovação, há ainda um caminho permeado de benzodiazepínicos e ansiolíticos -  de expectativa e ansiedade - até finalizar a nomeação/diplomação no cargo/emprego público, expectativa esta que pode durar até quatro anos (CRFB, art. 37, III) ou dependendo do caso nem mesmo ocorrer a nomeação. Isso porque ainda é questão controvertida no ordenamento jurídico pátrio se o candidato aprovado em concurso público possui direito subjetivo ou mera expectativa de direito à nomeação.

Numerosas vezes candidatos aprovados em certames públicos buscam o Poder Judiciário para compelir o Poder Público responsável pela realização do concurso público à nomeá-lo no cargo aprovado. (atuar como Legislador Positivo, o Poder Judiciário estaria subvertendo o sistema)

O professorado do prestigiado Hely Lopes Meireles, ensina que o concurso público tem como desiderato fundamental selecionar os melhores candidatos que irão exercer cargos públicos, assegurando, no entanto, a isonomia de oportunidades aos candidatos. Assevera:

“É o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos” (MEIRELES, 2006)

Importantes princípios constitucionais e basilares para a Administração Pública são observados no preenchimento dos cargos e empregos públicos por meio de concurso público. Exempli Gratia;  princípio da igualdade: haja vista que entre os candidatos não haverá distinção e serão ofertadas a todos as mesmas oportunidades, concorrendo em igualdade de condições. (SANTOS, 2012), princípio da moralidade administrativa: resulta na vedação de favoritismos pessoais, nepotismo inclusive, buscando a aferição do candidato apto ao cargo. (SANTOS, 2012), princípio da eficiência: entendido como a necessidade de selecionar os candidatos mais bem preparados, através de critérios objetivos, aos cargos ofertados. (SANTOS, 2012) por fim, princípio da impessoalidade: que obriga o gestor público a observar o atendimento ao interesse público, sendo-lhe vedada a contratação de servidores com base em preferências ou interesses pessoais, ou em razão de vínculos afetivos (LIMA, 2008).

A Excelsa Corte editou a Sumula 15 (13/09/1963) que estabelece o seguinte: “Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação.” É bem verdade que o texto sumular disse muito menos do que deveria, gerando certa insegurança jurídica vestida de “mera expectativa de direito”, vez que a nomeação do candidato aprovado em concurso para preenchimento de determinado cargo, dependia exclusivamente da conveniência e oportunidade da Administração Pública.

Como efeito, a tal súmula fez predominar por muito tempo, na jurisprudência e na doutrina, o entendimento que o candidato aprovado detinha mera expectativa de direito, e não direito subjetivo à nomeação. Tal posicionamento, que restringia o acesso aos cargos públicos, fez surgir um viés nos concursos públicos, cuja “conveniência e oportunidade” da Administração Pública ganhou contornos nefastos, pois, não havendo a obrigação de nomeação dos aprovados, inescrupulosos gestores públicos passaram a realizar certames oferecendo vagas muito além da real necessidade, por vezes vagas inexistentes no serviço público, e sem a mínima intenção de contratar os aprovados. O objetivo era ofertar mais vagas para atrair mais candidatos, consequentemente mais lucros com o elevado número de inscrições. O Brasil, entenda-se por gestor público, tem uma inigualável vocação para todo tipo de “conveniência e oportunidade”, traduzidas em vícios, corrupção, golpes, maracutaias, fraudes, etc, etc, quando se trata de engendrar um esquema ilícito ou de má fé para obter ganhos pessoais.

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Nesta exegese preceituada pela Excelsa Corte, oportuno destacar o comentário do Professor Ulisses Jacoby:

“levado ao extremo, esse entendimento permitiu a ocorrência de situações esdrúxulas como a de candidatos que, após intensa dedicação, obtiveram a aprovação dentro do número das vagas oferecidas, porém amargaram o dissabor de ver expirar-se o prazo de validade do concurso sem nomeação” (FERNANDES, 2008 apud LIMA, 2008)  

Veja que alguns doutrinadores esposavam o entendimento adotado pela Corte Suprema, caso de Zimmer Júnior (2007, p. 255), que assevera:

“A nomeação é forma de provimento originário, mera expectativa de direito, ato administrativo discricionário, salvo nas hipóteses de preterição da ordem de classificação ou provando-se a existência das vagas e a necessidade de pessoal – é, pois, uma expectativa de direito”. (ZIMMER JUNIOR, 2007 apud DANTAS,2009)

Mas o tempo é senhor da razão. Em que pese o anacronismo (ante a grande resistência e dificuldade que as Cortes Brasileiras tem em se reposicionar acerca de temas cuja repercussão geral é absolutamente relevante) entre o entendimento adotado à época da edição a súmula e a realidade atual, em que ainda se vê o descompasso entre a necessária mudança jurisprudencial – ouso adotar o neologismo jurisprovidencial – para moralizar o instituto do concurso público.

Felizmente percebe-se uma mudança importante, qual seja, o redirecionamento exegético promovido pelos Tribunais Superiores, alterando o que era uma “mera expectativa de direito” à nomeação, para um “direito subjetivo” aditando-se outras hipóteses além daquela disposta na Súmula 15.

Por derradeiro, no entendimento atual dos Tribunais Superiores, haverá direito subjetivo à nomeação ao cargo, além de quando houver a preterição na nomeação (inobservância da ordem classificatória), haverá também nos seguintes casos: a) realização de novo certame seguida de nomeação dos aprovados, quando existentes candidatos remanescentes de concurso anterior, com prazo de validade ainda não exaurido; b) quando o candidato for aprovado dentro do número de vagas ofertadas no edital do certame; c) e ainda, quando houver no órgão realizador do concurso contratação ou manutenção de servidor contratado temporariamente ou irregularmente para exercer as atribuições do cargo para o qual o candidato foi aprovado.

Concurseiro sempe alerta!. O tema é palpitante, tal o interesse que emana do instituto do concurso público e na massa de “concurseiros”, ainda na mira das Cortes Superiores com fins de aperfeiçoar e/ou dar novos rumos jurisprudenciais ao instituto em comento, cujos comentários alinhados não tem o condão de esgotá-lo.

  

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Sobre o autor
Moacyr Antunes Filho

Advogado na Antunes Advocacia Assessoria e Consultoria Jurídica<br>Pós Graduação Lato Sensu - Universidade Católica de Santos - Especialista em Direito Administrativo/concentração Direito Ambiental e Crimes Ambientais (crimes proprios, crimes contra a Administração Pública; servidor estatutário/Contratos temporários); Direito Civil (Responsabilidade Civil; Obrigações; Possessórias; Direitos Reais/Imobiliários; Relações de Consumo; Família/Sucessão); Direito Criminal (crimes contra a vida; Fase 1 pronuncia/impronuncia, Fase 2 Juri; Crimes sexuais; tráfico de drogas/consumo; porte/posse de armas; Cumprimento de Pena, Sindicancia interna; Progressão Regime, Revisão Criminal, etc); Direito Trabalho/Previdenciário.

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