Direito ao Esquecimento: comentários ao acórdão no REsp n• 1.335.153/RJ

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O Presente artigo tem por finalidade estudar o direito ao esquecimento e suas aplicações em território brasileiro com enfoque especial no caso Aida Curi.


Sumário: 1. Resumo 2. Ementa do acórdão 3. Apresentação do caso 4. Direito ao esquecimento 5. Direito ao esquecimento e o caso Aida Curi 6. Comentários acerca da decisão final do STJ 7. Considerações Finais

1. Resumo

               O Presente artigo tem por finalidade estudar o direito ao esquecimento e suas aplicações em território brasileiro com enfoque especial no caso Aida Curi. A matéria não possui espaço no ordenamento jurídico brasileiro, mas vem, através da interpretação constitucional e da criação de enunciados, ganhando espaço no cenário nacional. A questão concreta estudada retrata bem isso. Será explicado tanto a teleologia e o objetivo desse instituto quanto sua adequação ou não ao caso Aida Curi.

1. Abstract

            The following article aims to study the right to be forgotten and its applications in Brazilian territory with special focus in Aida Curi’s case. The subject does not take place in Brazilian juridical legislation, but, with constitutional interpretation and the creation of enunciations, getting space in national canary. The concrete study retracts it very well. It will be explained not only the goal and objective of this institute but also this adequacy or not to Aida Curi’s case.

2. Ementa do Acórdão[1]

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. HOMICÍDIO DE REPERCUSSÃO NACIONAL OCORRIDO NO ANO DE 1958. CASO "AIDA CURI". VEICULAÇÃO, MEIO SÉCULO DEPOIS DO FATO, DO NOME E IMAGEM DA VÍTIMA. NÃO CONSENTIMENTO DOS FAMILIARES. DIREITO AO ESQUECIMENTO. ACOLHIMENTO. NÃO APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. RECONHECIMENTO DA HISTORICIDADE DO FATO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DESVINCULAÇÃO DO NOME DA VÍTIMA. ADEMAIS, INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. SÚMULA N. 403/STJ. NÃO INCIDÊNCIA.


1. Avulta a responsabilidade do Superior Tribunal de Justiça em demandas cuja solução é transversal, interdisciplinar, e que abrange, necessariamente, uma controvérsia constitucional oblíqua, antecedente, ou inerente apenas à fundamentação do acolhimento ou rejeição de ponto situado no âmbito do contencioso infraconstitucional, questões essas que, em princípio, não são apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal.


2. Nos presentes autos, o cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de fatos passados, a qual, segundo o entendimento dos autores, reabriu antigas feridas já superadas quanto à morte de sua irmã, Aida Curi, no distante ano de 1958. Buscam a proclamação do seu direito ao esquecimento, de não ter revivida, contra a vontade deles, a dor antes experimentada por ocasião da morte de Aida Curi, assim também pela publicidade conferida ao caso décadas passadas.

 
3. Assim como os condenados que cumpriram pena e os absolvidos que se envolveram em processo-crime (REsp. n. 1.334/097/RJ), as vítimas de crimes e seus familiares têm direito ao esquecimento - se assim desejarem -, direito esse consistente em não se submeterem a desnecessárias lembranças de fatos passados que lhes causaram, por si, inesquecíveis feridas. Caso contrário, chegar-se-ia à antipática e desumana solução de reconhecer esse direito ao ofensor (que está relacionado com sua ressocialização) e retirá-lo dos ofendidos, permitindo que os canais de informação se enriqueçam mediante a indefinida exploração das desgraças privadas pelas quais passaram.


4. Não obstante isso, assim como o direito ao esquecimento do ofensor - condenado e já penalizado - deve ser ponderado pela questão da historicidade do fato narrado, assim também o direito dos ofendidos deve observar esse mesmo parâmetro. Em um crime de repercussão nacional, a vítima - por torpeza do destino - frequentemente se torna elemento indissociável do delito, circunstância que, na generalidade das vezes, inviabiliza a narrativa do crime caso se pretenda omitir a figura do ofendido.


5. Com efeito, o direito ao esquecimento que ora se reconhece para todos, ofensor e ofendidos, não alcança o caso dos autos, em que se reviveu, décadas depois do crime, acontecimento que entrou para o domínio público, de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de retratar o caso Aida Curi, sem Aida Curi.

6. É evidente ser possível, caso a caso, a ponderação acerca de como o crime tornou-se histórico, podendo o julgador reconhecer que, desde sempre, o que houve foi uma exacerbada exploração midiática, e permitir novamente essa exploração significaria conformar-se com um segundo abuso só porque o primeiro já ocorrera. Porém, no caso em exame, não ficou reconhecida essa artificiosidade ou o abuso antecedente na cobertura do crime, inserindo-se, portanto, nas exceções decorrentes da ampla publicidade a que podem se sujeitar alguns delitos.

 
7. Não fosse por isso, o reconhecimento, em tese, de um direito de esquecimento não conduz necessariamente ao dever de indenizar. Em matéria de responsabilidade civil, a violação de direitos encontra-se na seara da ilicitude, cuja existência não dispensa também a ocorrência de dano, com nexo causal, para chegar-se, finalmente, ao dever de indenizar. No caso de familiares de vítimas de crimes passados, que só querem esquecer a dor pela qual passaram em determinado momento da vida, há uma infeliz constatação: na medida em que o tempo passa e vai se adquirindo um "direito ao esquecimento", na contramão, a dor vai diminuindo, de modo que, relembrar o fato trágico da vida, a depender do tempo transcorrido, embora possa gerar desconforto, não causa o mesmo abalo de antes.


8. A reportagem contra a qual se insurgiram os autores foi ao ar 50 (cinquenta) anos depois da morte de Aida Curi, circunstância da qual se conclui não ter havido abalo moral apto a gerar responsabilidade civil. Nesse particular, fazendo-se a indispensável ponderação de valores, o acolhimento do direito ao esquecimento, no caso, com a consequente indenização, consubstancia desproporcional corte à liberdade de imprensa, se comparado ao desconforto gerado pela lembrança.


9. Por outro lado, mostra-se inaplicável, no caso concreto, a Súmula n. 403/STJ. As instâncias ordinárias reconheceram que a imagem da falecida não foi utilizada de forma degradante ou desrespeitosa. Ademais, segundo a moldura fática traçada nas instâncias ordinárias - assim também ao que alegam os próprios recorrentes -, não se vislumbra o uso comercial indevido da imagem da falecida, com os contornos que tem dado a jurisprudência para franquear a via da indenização.


10. Recurso especial não provido.

3. Apresentação do Caso

Aida Curi nasceu no dia 15 de dezembro de 1939 em Belo Horizonte, Minas Gerais. Aos 18 anos, enquanto voltava da sua aula de Datilografia na Escola Remington, fora abordada por dois jovens, Ronaldo Guilherme de Souza Castro e Cássio Murilo Ferreira. Os garotos conseguiram, de forma até hoje desconhecida – a acusação acredita que houve uso de força por parte dos jovens; já a defesa diz que Ronaldo conseguiu seduzir Aida –, levar a jovem ao Terraço de um prédio na Avenida Atlântica em Copacabana. Outro mistério encontra-se aqui presente: não se sabe ao certo como, mas o corpo de Aida caiu do décimo segundo andar do prédio, acredita-se que os jovens haviam tentado estuprá-la, agrediram-na e, a posteriori, jogaram-na do prédio.

O último parágrafo retrata o famoso caso Aida Curi. Passados 50 anos deste, a Editora Globo S.A decidiu fazer uma reportagem em seu programa Linha Direta sobre o assunto, utilizando-se do nome e da imagem da jovem. Nelson, Roberto, Waldir e Maurício, que alegaram ser os únicos irmãos vivos de Aida, ajuizaram ação de reparação de danos morais, materiais e à imagem em face da TV Globo Ltda. (Globo Comunicações e Participações S/A).

Sustentam os irmãos que o crime fora esquecido com o passar do tempo e que a emissora Globo, ao exibir o documentário, reabriu antigas feridas que custaram muito a ser superadas por eles. Entendem que a exploração da imagem fora ilícita, visto que já haviam previamente manifestado interesse em não permitir a divulgação do caso em rede nacional. Alegam, ainda, que houve um enriquecimento por parte da ré através de exploração de tragédia familiar passada.

Pleitearam, então, indenização por danos morais, danos matérias e à imagem. O Juízo de Direito da 47ª Vara Cível da Comarca da Capital/RJ julgou improcedentes os pedidos dos autores conforme a ementa a seguir:

INDENIZATÓRIA. PROGRAMA "LINHA DIRETA JUSTIÇA". AUSÊNCIA DE DANO. Ação indenizatória objetivando a compensação pecuniária e a reparação material em razão do uso, não autorizado, da imagem da falecida irmã dos Autores, em programa denominado "Linha Direita Justiça". 1 – Preliminar – o juiz não está obrigado a apreciar todas as questões desejadas pelas partes, se por uma delas, mais abrangente e adotada, as demais ficam prejudicadas. 2 – A Constituição Federal garante a livre expressão da atividade de comunicação, independente de censura ou licença, franqueando a obrigação de indenizar apensa quando o uso da imagem ou informações é utilizada para denegrir ou atingir a honra da pessoa retrata, ou ainda, quando essa imagem/nome foi utilizada para fins comerciais. Os fatos expostos no programa eram do conhecimento público e, no passado, foram amplamente divulgados pela imprensa. A matéria foi, é discutida e noticiada ao longo dos últimos cinquenta anos, inclusive, nos meios acadêmicos. A Ré cumpriu com sua função social de informar, alertar e abrir o debate sobre o controvertido caso. Os meios de comunicação também têm este dever, que se sobrepõe ao interesse individual de alguns, que querem e desejam esquecer o passado. O esquecimento não é o caminho salvador para tudo. Muitas vezes é necessário reviver o passado para que as novas gerações fiquem alertas e repensem alguns procedimentos de conduta do presente. Também ninguém nega que a Ré seja uma pessoa jurídica cujo fim é o lucro. Ela precisa sobreviver porque gera riquezas, produz empregos e tudo mais que é notório no mundo capitalista. O que se pergunta é se o uso do nome, da imagem da falecida, ou a reprodução midiática dos acontecimentos, trouxe, um aumento de seu lucro e isto me parece que não houve, ou se houve, não há dados nos autos. Recurso desprovido, por maioria, nos termos do voto do Desembargador Relator (fls. 974-975).

Através de Recurso especial, o caso chegou ao STJ do Rio de Janeiro, sendo apreciado pelos ministros da quarta turma e esses, por maioria, decidiram negar provimento à ação. Portanto, os irmãos de Aida Curi não obtiveram a indenização pleiteada.

4. Direito ao Esquecimento

O direito ao esquecimento ou “the right to be left alone”, como é chamado no ordenamento norte-americano, voltou à tona no cenário brasileiro recentemente, apesar de no passado a doutrina já ter tratado do assunto em território nacional. O Enunciado 531, aprovado durante a VI Jornada de Direito Civil, realizada em março de 2013 pelo Centro de Estudos do Judiciário do Conselho da Justiça Federal (CJE/CJF), que diz que “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”, consolidou a importância deste no âmbito jurídico brasileiro, permitindo, desta forma, que “feridas” não venham a ser reabertas por fatos passados que não mais possuam relevância para o presente.

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Esse desdobramento do direito à privacidade envolve inúmeras esferas não apenas da vida humana, mas também do ordenamento jurídico e deve, dessa forma, ser analisado à luz de preceitos que vão além do direito civil. Vale a citação retirada da obra “Direito ao esquecimento e o superinformacionismo: apontamentos no direito brasileiro dentro da sociedade da informação”, que o define com maestria:

O direito ao esquecimento está, então, intimamente ligado à divulgação de informações de maneira intertemporal e visa a impedir que o passado do indivíduo altere significativamente os rumos do seu futuro em sociedade e, dessa maneira, só poderão permanecer em circulação se estiverem de acordo com seu atual comportamento e até quando durar a finalidade que alcança o próprio interesse público. Pode-se constatar isso observando que: ― é aquele em que se garante que os dados sobre uma pessoa somente serão conservados de maneira a permitir a identificação do sujeito a eles ligado, além de somente poder ser mantido durante o tempo necessário para suas finalidades. (RULLI JÚNIOR, Antônio; RULLI NETO, Antônio. Direito ao esquecimento e o superinformacionismo: apontamentos no direito brasileiro dentro da sociedade da informação. Revista do Instituto do Direito Brasileiro, n. 1, 2012. p. 426).

O supracitado enunciado corrobora com a visão civil-constitucional que vem sendo adotada nas últimas décadas. Ao invocar a dignidade da pessoa humana para se referir ao direito ao esquecimento, não se propõe, de forma alguma, reduzir a importância do Código Civil, tampouco caracterizá-lo como obsoleto; propõe-se, apenas, que se leia o Código sob o prisma constitucional, a fim de inserir seus valores nas relações sociais. Nesse sentido, afirma Schreiber:

O que a metodologia civil-constitucional propõe não é uma releitura exigida pelo envelhecimento da codificação, mas uma releitura permanente, voltada à máxima realização dos valores constitucionais nas relações privadas. A edificação de uma nova codificação civil não suprime nem atenua o papel da Constituição. A atuação do legislador ordinário não substitui o projeto constitucional, nem isenta o intérprete de buscar a permanente adequação do direito civil aos valores constitucionais (SCHREIBER, Anderson. Direito Civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013, p.16-17).

Diante disso, evidencia-se que não podemos tratar de direito ao esquecimento sem traçarmos paralelos com algumas questões constitucionais, quais sejam: a liberdade de informação e expressão e a dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana encontra-se positivada na Constituição Federal, em seu artigo 1º§ 4º, no rol dos princípios fundamentais, e possui inúmeras funções, podendo servir como base de fundamentação do ordenamento jurídico, apontando-lhe caminhos e objetivos a serem alcançados. Nas palavras de Sarlet a dignidade da pessoa humana pode ser caracterizada como:

Um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável (SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direito Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, 5ª edição,  p. 62).

As liberdades de expressão e informação, positivadas no mesmo texto constitucional, em seu artigo 5º, IX e XIV, respectivamente, são consideradas direitos fundamentais, sendo, portanto, imprescindíveis para um Estado Democrático de Direito. Todavia, cabe ressaltar que não existe direito absoluto e que se deve, preferencialmente, optar por uma ponderação razoável em caso de análise conflitante entre dois enunciados.

No entanto, o debate acima suscitado será aprofundado ao tratarmos da aplicação do direito ao esquecimento no caso concreto. No momento, faz-se imperioso que remontemos a história deste direito e o conceituemos, a fim de melhor compreendermos sua essência e aplicação. Ao analisarmos as bases teóricas acerca do tema, verificaremos que, no Brasil, mesmo que utilizado em moldes diferentes dos previstos atualmente, o tema teve sua origem no direito penal. Em âmbitos penais, o direito ao esquecimento se concretizaria, por meio da prescrição, com a principal finalidade de reinserir o ex-detento ao convívio social. Nesse sentido, afirma Schreiber:

O direito ao esquecimento (diritto all’oblio, na expressão italiana) tem sua origem histórica no âmbito das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização, evitando-se que seja perseguido por toda a vida pelo crime cuja pena já cumpriu. (SCHREIBER, Anderson. Direito Civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013, p. 467).

Além disso, podemos perceber a incidência do direito ao esquecimento em outros ramos do direito brasileiro como, por exemplo, no direito do consumidor. O Código de Defesa do Consumidor dispõe em seu artigo 43§ 1º, que: “Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos. ”, dessa forma garante que os registros concernentes ao consumidor não podem conter informações “negativas” do mesmo se o prazo de cinco anos tiver sido ultrapassado. Assegura, portanto, que os indivíduos que em alguma ocasião contraíram débitos já sanados há um período de tempo considerável (cinco anos) não passem por situações constrangedoras e embaraçosas ao realizar atividades simples, como, por exemplo, um empréstimo bancário.

Dessa forma, após analisarmos a incidência do direito ao esquecimento em diferentes áreas do direito, desde o direito civil até o direito penal, cabe-nos, por fim, avaliar a forma como o direito ao esquecimento vem se relacionando com a internet e com a atualidade, definida pela doutrina como a era do “superinformacionismo”. A proliferação de novas tecnologias e redes sociais possibilitaram ao indivíduo uma maior interação com o mundo e, ao mesmo tempo que propiciaram avanços e melhorias na vida das pessoas, trouxeram consigo problemas relacionados à privacidade e à resguarda dos dados pessoais. Não podemos perder de vista que a internet sempre foi vista como um espaço sem “dono”, ou seja, um ambiente no qual todos podiam se aventurar, opinar, difamar e se expor sem maiores consequências. Tal perspectiva começa a se alterar com o Marco Civil da Internet, sancionado no Brasil no ano de 2014, que estabeleceu regras e garantiu uma maior “democratização das redes”.

Apesar disso, há que se reconhecer, que mesmo com o controle que começa a ser estabelecido em nosso país, os fatos alimentados na internet, diferentemente do que acontece com as publicações impressas, não são facilmente esquecidas, devido ao caráter multiplicador verificado na rede. A esse respeito Schreiber faz a seguinte observação:

A internet não esquece. Ao contrário dos jornais e revistas de outrora, cujas edições antigas se perdiam no tempo, sujeitas ao desgaste do seu suporte físico, as informações que circulam na rede ali permanecem indefinidamente. Pior: dados pretéritos vêm à tona com a mesma clareza dos dados recentes, criando um delicado conflito no campo do direito. De um lado, é certo que o público tem direito a relembrar fatos antigos. De outro, embora ninguém tenha direito de apagar os fatos, deve-se evitar que uma pessoa seja perseguida, ao longo de toda a ida, por um acontecimento pretérito. (SCHREIBER, Anderson. Direito Civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013, p.170).

Especificamente no caso dos detentos, o direito ao esquecimento surge como uma parcela importantíssima à etapa de ressocialização. Não é que ele permita que o sujeito apague os fatos ou reescreva a sua história, mas sim que ele possa deliberar o modo e a finalidade com que são lembrados e divulgados os fatos pretéritos.  Portanto, como diz Konder: “reflete-se acerca da possibilidade de se limitar a autonomia dos órgãos de imprensa na divulgação de informação (sic) oficiais e verídicas.”[2].

5. Direito ao Esquecimento e o caso Aida Curi

Após essa breve introdução ao conceito de direito ao esquecimento e suas aplicações práticas no ordenamento jurídico brasileiro, cabe analisar, especificamente, a sua atuação no Caso Aida Curi. Surge aqui um conflito entre direitos fundamentais: o direito à informação e o direito à honra, à intimidade e à imagem. Como nenhum desses é absoluto e todos encontram-se positivados no texto constitucional, para resolver eventuais conflitos, aplica-se o chamado método da ponderação. Ao pleitear a ação de danos moras, materiais e à imagem, os irmãos Curi alegam violação do direito à imagem, à honra e à intimidade (que se desdobram em direito ao esquecimento).

Verifica-se, então, uma colisão entre liberdade de informação e os direitos da personalidade, ambos de estatura constitucional, envolvendo Aida Curi e seus familiares. O STJ ao analisar o caso aceitou a tese de que a liberdade de imprensa possui algumas limitações, como:

(I) o compromisso ético com a informação verossímil; (II) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi) (REsp 801.109/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 12/06/2012).

             

Os irmãos de Aida Curi alegam, nos autos, que a ausência de contemporaneidade da notícia provocou a reabertura de feridas já cicatrizadas e proclamam o seu direito ao esquecimento, ou seja, de não ter, contra a sua vontade – visto que previamente mostraram-se contra a confecção do material feito pela editora Globo – divulgado o caso de sua irmã.

Surge aqui, uma questão importante da colisão: até que ponto a divulgação do nome e da imagem de Aida Curi eram imprescindíveis para tratar do caso? Não poderia a editora, respeitando a vontade dos irmãos, usar nome fictício no programa? Por outro lado, aparece uma outra questão ímpar no Caso: até que ponto deve se levar em consideração o sofrimento alegado pelos parentes? Será que realmente houve uma reabertura de feridas tão grave? São questionamentos como esses que fazem com que as pessoas e, inclusive, os julgadores competentes tomem posições diferentes.

Considerando que o caso trata justamente de Aida, a omissão da sua figura levaria uma informação imprecisa ao público e a emissora de televisão estaria sofrendo uma espécie de censura prévia. O documentário trata de um acontecimento que faz parte da história daquela sociedade e, portanto, a audiência deveria ter acesso na íntegra – impossibilitando, assim, a não divulgação da imagem e do nome de Aida.

Um outro ponto a ser considerado é que, nesse caso, a aplicação do direito ao esquecimento diferencia-se da aplicação majoritária nos tribunais: o mais comum é a busca do impedimento de divulgação de informações para facilitar a ressocialização do condenado que já cumpriu a sua pena. Entretanto, objetiva-se, com essa ação, evitar a divulgação porque a família não quer relembrar fato tão marcante. Acredita o grupo que é uma argumentação fraca dos autores da ação visto que não é possível aferir que realmente houve um dano por parte da família.

A passagem do tempo, em relação a familiares de vítimas de crimes, opera um efeito inversamente proporcional: na medida em que o tempo passa e vai se adquirindo um ‘direito ao esquecimento’, na contramão, a dor vai diminuindo, de modo que, relembrar o fato trágico da vida, a depender do tempo transcorrido, embora possa gerar desconforto, não causa o mesmo abalo de antes. Portanto, o direito exigido pelos irmãos Curi não parece, ao ver do colegiado, relevante o suficiente para justificar indenização por parte da ré.

Schreiber enuncia uma relação entre a carência de informações a respeito dos casos tratados e o programa exibido pela emissora:

Ao final do programa, o telespectador estará convencido da versão apresentada, não restando qualquer dúvida de que os fatos se passaram daquela forma. A culpa do criminoso está definitivamente comprovada. Saltam aos olhos, entretanto, os riscos que podem advir de tal certeza. Não é difícil verificar em alguns casos a fragilidade da versão dos fatos apresentados na televisão (SCHREIBER, Simone. A Publicidade Opressiva de Julgamentos Criminais. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 362-363).

E é por isso que há de se ter sempre um compromisso com a veracidade dos fatos buscando tratar os envolvidos da forma mais respeitosa possível.

Os defensores da liberdade de imprensa afirmam que o direito ao esquecimento funciona como uma censura prévia e permite com que desapareçam informações, afrontando, assim, o direito à memória de toda uma sociedade. Usam, ainda, o termo “delírio da modernidade”, pois acreditam que os direitos buscam regular a relação indivíduo-sociedade, enquanto esse busca fingir que aquela relação não existe. Paulo R. Khouri apresenta uma leitura mais particular, no sentido de que se deve “ponderar caso a caso os valores em jogo e pode ocorrer que o direito ao esquecimento deva ser sacrificado em prol da liberdade de informação”. [3]

A indenização do uso da imagem de Aida não procede visto que, como reconhecido pelas instâncias inferiores ao STJ, não houve utilização da imagem de forma degradante ou desrespeitosa. Nos moldes da jurisprudência, não houve uso indevido com fins comercias que justificassem a indenização. Eis aqui uma sentença importante e que ilustra bem esse ponto:

[...] a ré ateve-se à reprodução dos fatos ocorridos na época, enaltecendo, inclusive, a imagem da vítima (irmã dos autores), ao ressaltar seu comportamento recatado, sua ingenuidade, e religiosidade, chegando a compará-la a Maria Gorete: “... uma camponesa italiana que resistiu à fúria de um tarado sexual pois não queria perder a pureza. Maria Gorete foi santificada pela Igreja Católica (fl. 864, com grifo no original)

Os familiares afirmam que, durante a reportagem exibida pelo Linha Direta, somente uma imagem de Aida Curi fora revelada ao público e o restante fora feito por atores contratados. Fato que corrobora a negação da indenização, visto que reforça a ideia de que a reportagem tratava do crime em si e não da vítima especificamente.

O direito ao esquecimento ainda ganha espaço na doutrina brasileira e é uma consequência dos direitos constitucionais à honra, à vida privada e à intimidade. Não foi possível a sua aplicação no caso de Aida visto que, já falecida, o argumento dos irmãos não fora forte o suficiente para convencer os julgadores de que o crime não deveria ser exibido em rede nacional. Ainda tendo muito que percorrer, o direito ao esquecimento é um elemento importante em nosso ordenamento e, principalmente com as inovações tecnológicas, é um ponto em que temos que avançar de modo a garantir, cada vez mais, uma defesa consistente dos direitos a personalidade.

6. Comentários acerca da decisão final do STJ

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como visto anteriormente, negou provimento ao recurso dos irmãos de Aida Curi, que visavam obter indenização pelo dano moral causado pelo documentário exibido pela TV Globo, beneficiando, nesse sentido, a liberdade de informação em detrimento do direito ao esquecimento, apesar de reconhecer a aplicação e importância do instituto. Diante disso, nosso grupo, após análise exposta no decorrer do presente trabalho, caminhou para o mesmo entendimento: reconhecemos a importância do direito ao esquecimento, mas acreditamos, ao analisar o caso em questão, que este não deve prevalecer.

Segundo o entendimento de Nelson Rosenvald o direito ao esquecimento é o “direito de impedir que dados e fatos pessoais de outrora sejam revividos, repristinados, no presente ou no futuro de maneira descontextualizada”. Percebe-se, assim, que para que se justifique uma possível “proibição” à remontagem de determinado acontecimento, este deve ser retratado de forma a expor a vítima a situação vexatória ou constrangedora, sem que se verifique razão ou motivo plausível para tal. No entanto, ao analisarmos o Caso Aida Curi, torna-se evidente, que a emissora televisiva utilizou sua imagem para a elaboração de um documentário, que para muito além da simples personificação de Aida Curi, abordou de maneira clara e objetiva o problema grave que gira em torno do abuso sexual. Além disso, como abordado na explanação acerca do caso, apenas uma imagem original de Aida fora utilizada; no decorrer do documentário as cenas foram gravadas por atores, enfatizando que, para o documentário, o principal “personagem” era o caso e não a vítima em si.

Ademais, cumpre ressaltar o longo período decorrido do fato até a data da apresentação do documentário. Passados cinquenta anos do acontecimento, diminui-se a dor e o constrangimento que envolve o caso, permitindo, dessa forma, que se trate da questão sem invadir de forma pejorativa a esfera pessoal da vítima. Assim, apesar de se reconhecer o direito a ser esquecido, ou seja, o direito de não mais ser lembrado por fato pretérito que de alguma forma reabra certas feridas, não se pode defender sua utilização irrestrita. Portanto, por mais que se reconheça a relevância do direito ao esquecimento, deve-se analisar o caso concreto e ponderar de forma razoável sua aplicação, como sintetiza, precisamente, Nelson Rosenvald:

O simples reconhecimento da existência efetiva de um direito ao esquecimento não conduz, por si só, ao imperativo dever de abster da informação (ou de indenizar a informação já publicada). [...] é preciso, pois, ponderar os interesses em conflito (personalidade, de um lado, liberdade de imprensa, do outro) para que se possa, caso a caso, deliberar a melhor solução.

7. Considerações Finais

            O direito ao esquecimento é um desdobramento do preceito constitucional de proteção à intimidade e à vida privada que vem sendo aprofundado no ordenamento jurídico brasileiro nos últimos anos. Com o avanço tecnológico, acredita-se que a aplicação desse instituto se dará com mais frequência e nos diversos moldes possíveis.

            Aliado a falta de normatização específica no Brasil, tem-se a jurisprudência ínfima sobre o assunto, não havendo, portanto, um consenso sobre a discussão. A doutrina, como pode se observar ao longo do presente artigo, assume posições divergentes e bem estruturadas. Acredita-se que a não aceitação do direito ao esquecimento no caso Aida Curi não acarreta uma violação ao princípio da dignidade da pessoa humana visto que a liberdade de informação lícita é um dos pilares do Estado democrático de Direito.

            O grupo acredita que há de se fazer uma legislação específica sobre o tema no ordenamento brasileiro para que haja estabilidade e segurança jurídica.

Referência Bibliográfica

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RODRIGUES JUNIOR, Otávio. Brasil debate direito ao esquecimento desde 1990. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2013-nov-27/direito-comparado-brasil-debate-direito-esquecimento-1990>. Acesso em: 10 jul. 2015.

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SCHREIBER, Anderson. Direito Civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013.

STEINER, Renata. Breves notas sobre o direito ao esquecimento. Disponível em: < http://www.academia.edu/10549595/Breves_notas_sobre_o_direito_ao_esquecimento>. Acesso em: 10 jul. 2015.


 


[1] STJ, REsp n• 1.335.153/RJ, Quarta turma, rel. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJE 28.05.2013.

[2] MORAES, Maria Celina Bodin de; KONDER, Carlos Nelson. Dilemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p.287).

[3] KHOURI, Paulo R. O direito ao esquecimento na sociedade de informação e o Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil. Revista de Direito do Consumidor, v. 89, set. 2013, p. 463.

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Sobre os autores
Vinicius Jóras Padrão

Estudante de Direito na Universidade do Estado do RIo de Janeiro - UERJ.

Miguel Rodrigues de Alcantara Salomão

Estudante na Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Informações sobre o texto

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