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Irretroatividade da lei

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01/06/2003 às 00:00
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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A Corte Maior Brasileira já se manifestou sobre a irretroatividade e o direito adquirido, por muitas vezes.

Em decisão de grande alcance, pontificou que "o disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre direito público e direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva". (49)

Neste acórdão, o Relator Ministro Moreira Alves teceu notável e erudito estudo que foi acompanhado por seus ilustres Pares. (50)

Faz profunda análise, em face da melhor doutrina e escudado no Direito brasileiro e estrangeiro.

José Carlos de Matos Peixoto anota que as leis dispõem para o futuro, daí porque os atos anteriores à vigência da lei nova regem-se pela lei do tempo em que foram praticados, isto é, tempus regit actum. Não obstante, prossegue, algumas leis, excepcionalmente, retrocedem no tempo, chamando a isto retroatividade (51).

A doutrina faz nítida distinção entre os vários graus da retroatividade. A retroatividade máxima atinge a coisa julgada ou os fatos jurídicos consumados. A média abrange os direitos exigíveis, porém não realizados antes da sua vigência da lei. Na hipótese da mínima, a lei nova atinge tão somente os efeitos dos fatos anteriores, verificados após a data em que ela entra em vigor. (52)

O Relator, em seu voto, com apoio em Planiol, Matos Peixoto e Roubier, fixa pontos significativos, que, por si só, bastam para nortear a melhor solução. Com apoio em Planiol, conclui que, nas duas primeiras hipóteses, a lei age para trás e retroage.

O Ministro Moreira Alves recorda que, entre nós, a eficácia da lei no tempo é matéria constitucional, de sorte que mesmo a idéia de ordem pública não pode contrariar o princípio da não retroatividade. Esta doutrina é partilhada também por Pontes de Miranda, Osvaldo Aranha Bandeira de Mello, Celso Antonio Bandeira de Mello, este fazendo algumas distinções de situações. (53)

Ornam ainda este acórdão, as lições do Ministro Celso de Mello, citando torrencial jurisprudência do Supremo. Reitera as palavras de Carlos Mário Pereira, concluindo que: "onde quer que exista um direito subjetivo, de ordem pública ou privada, oriundo de um fato idôneo a produzi-lo segundo os preceitos da lei vigente ao tempo em que ocorreu, e incorporado ao patrimônio individual, a lei nova não o pode ofender".

Outros julgados e precedentes corroboram o mesmo entendimento. (54)


TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

A Corte Maior de Contas, em decisão sobre a aposentadoria e contagem de tempo, chancelou o entendimento de que a norma dispõe para o futuro e não retroativamente, pois as regras em vigor nos mais variados sistemas jurídicos do mundo moderno se fundamentam na irretroatividade das leis. (55)


Conclusão

A propósito e que se aplica como uma luva à realidade de nossos dias, mentalize-se o que ensina Miguel Reale: "De um ponto de vista transcendental, porém que implica o prisma do vir a ser das possibilidades históricas, a contraposição do Direito Natural ao Positivo põe-se como um imperativo ético, metajurídico ou transjurídico, traduzindo um imperativo de mudança e perfectibilidade, em função dos direitos humanos fundamentais, transitoriamente feridos". (56)

Assim, qualquer reforma legislativa ou imposição do Estado, deve levar em consideração as garantias e os direito fundamentais É preciso, pois, acabar com os sofismas que apenas mascaram a realidade.

Atente-se para a aguda observação do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Marco Aurélio, que abomina a sistemática alteração da Constituição e considera a taxação dos inativos de hoje menosprezo à Constituição, porque estes têm uma situação constituída, como já confirmou o próprio Pretório Excelso, visto que o País têm leis demais e é preciso que as pessoas respeitem a legislação vigente. (57)


NOTAS

  1. Cf. Lições Preliminares do Direito, José Bushatsky Editor, 1973, p. 350 usque 355.
  2. Hammurabi (1728-1686 a.C). Cf. Código de Hammurabi, Introdução, tradução (do original cuneiforme) e comentários de Emanuel Bouzon, Editora Vozes Ltda., Centro de Investigação e Divulgação Publicações CID, Petrópolis, 1976).
  3. Cf. O Código de Hammurabi cit. Cf. também, do mesmo autor, As Leis de ESHNUNNA (1825-1787 A.C.), Editora Vozes, Petrópolis, 1981.
  4. 1875-1865 a.C. Cf. Código de Hammurabi cit.
  5. 2050-2032 a.C. Cf. Código de Hammurabi cit.
  6. Cf. La proprieté Foncière Privée dans L’ancien Droit Mesopotamique, in Études de Droit Contemporain, Institut de Droit Comparé, Paris, 1963.
  7. Cf. A Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido, Editora Revista dos Tribunais, 4ª edição, 1994, p. 34.
  8. Idem, ibidem.
  9. Idem, ibidem, p. 36.
  10. Idem, ibidem, p.42.
  11. Cf. A irretroatividade das leis e o direito adquirido, Editora Revista dos Tribunais, 4ª edição, 1994, p. 110 a 114.
  12. Codex Júris Canonici, promulgado pelo Papa João Paulo II, traduzido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, com notas e comentários do Padre Jesús Hortal, S.J., Edições Loyola, São Paulo, Brasil, abril de 1998, 11ª edição. O texto latino é fotocópia direta da edição oficial publicada pela Libreria Ediitrice Vaticana. Consulte-se também o Código de Derecho Canônico y Legislación Complementaria, texto latino u versión castellana, com jurisprudência y comentários por Lorenzo Miguelez Dominguez, Sabino Alonso Moran, O.P., Marcelino Cabrero de Anta, C.M.F., e prólogo de José López Ortiz, O.S.A., Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, MCMLII, 4ª edición, texto bilíngüe e comentários por professores de la Pontifícia Universidad de Salamanca.
  13. Idem, p. 6, nota ao cânone 9.
  14. Cf. cânone 1313, p. 5772 e 573.
  15. Cf. artigos 97 e 14 respectivamente, in O Direito e a vida dos direitos, Editora Resenha Universitária, São Paulo, 1977, 2ª edição, 1º volume, tomo III, p. ,p. 357, de Vicente Ráo.
  16. Cf. artigo 9, 3. Consulte-se a Constitucion y Tribunal Constitucional, Editorial Civitas, Edición preparada por Enrique Linde Paniagua, 1997, bem como a nota 15 a este artigo.
  17. Cf. artigo 83, alínea b, da citada Constituição.
  18. Cf. Constituição, atualizada até 1988, contendo a quarta revisão constitucional (Lei Constitucional 1/97), Livraria Almedina, Coimbra, 1998.
  19. Cf. artigo 1º, Seção IX, § 3º, e § 1º, Seção X., in site http://www.law.cornell.edu/constitution/constitution.overview.html
  20. f. El Cid Editor, Caracas, 1977.
  21. Cf., DE Vicente Marotta Rangel, Direito e Relações Internacionais, Editora Revista dos Tribunais, 5ª edição, 2-1997.
  22. Cf. artigo 25.
  23. Cf. Curso de Direito Civil Brasileiro, Forense, 2ª edição, 1955, p. 88.
  24. CF. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, Saraiva, 1994, p. 192.
  25. Cf. O Direito e a vida dos direitos, Editora Resenha Universitária, São Paulo, 1977, 2ª edição, 1º volume, tomo III, p. 355.
  26. Cf. Instituições de Direito Civil, Forense, 2ª edição, 1966, I/107.
  27. Cf. O Código Civil e a Retroatividade, Revista de Direito Civil, Comercial e Criminal, Rio, 1917, volume 43.
  28. Cf, Direito Intertemporal, Forense, Rio de Janeiro, 1980, p. 164.
  29. Cf. Processo Penal, Editora Consulex, p. 72.
  30. Cf. Curso de Direito Civil, 1971, 5ª edição, 1, p. 170/1
  31. Cf. Curso de Direito Civil Brasileiro, Forense, 2ª edição, 1955, p. 58 a 89.
  32. Cf. Précis de Droit Civil, 1938, I/103/19.
  33. Cf. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, comentada por Oscar Tenório, Livraria Jacinto Editora, Empresa A Noite, Rio de Janeiro, 1944. p. 110.
  34. Apud obra cit. de Oscar Tenorio, p. 109.
  35. Cf. artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil.
  36. Cf. artigo 6º do Decreto-lei 4657, de 1942.
  37. Consulte-se o precioso trabalho de Ovídio Bernardi, sobre o assunto, na Revista dos Tribunais 284/21.
  38. Esta redação foi determinada pela Lei 3238, de 1957.
  39. Neste sentido, Gabba (Teoria de la retroatività delle leggi, 1891, 3ª edição, Maria Helena Diniz, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretado, Saraiva, 1994, R. Limongi França, Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido, Editora Revista dos Tribunais, 4ª edição, 1994, e José Náufel, Novo Dicionário Jurídico Brasileiro, José Konfino – Editor, 1959, Volume II).
  40. Cf. artigo 5º, XXXVI. Neste sentido, Luiz Alberto Gurgel de Faria, O Direito Adquirido e as Emendas Constitucionais, in www.jfrn.gov.br/docs/art3.doc ; Carlos Ayres Brito e Valmir Pontes, in Revista de Direito Administrativo, Editora Renovar, 202/80; Sérgio de Andréa Ferreira, O princípio da segurança jurídica, in Revista Forense 334/198; Carlos Mário Velloso, in Temas de Direito Público, Belo Horizonte, 1994, p. 448; Raul Machado Horta, in Estudos de Direito Constitucional, Del Rey, 1995, p. 282; Ivo Dantas, in Direito Adquirido Emendas Constitucionais e Controle da Constitucionalidade, Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 1997; José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, Revista dos Tribunais, 6ª edição, 1990, p. 374/375.
  41. Cf. artigo 7º do Ato Institucional 1, de 9 de abril de 1964.
  42. Cf. artigo 14 do Ato Institucional 2, de 7 de outubro de 1965.
  43. Cf. artigo 6º.
  44. Cf. artigo 11, 3º.
  45. Cf. Constituição Federal Brazileira, Commentarios, Typographia da Companhia Litho-Typographi, em Sapopemba, 1902.
  46. Cf. artigos 113, 3, CF/34; 141, § 3º CF/46; 150, § 3º CF/67 e 153, § 3º EC1/69.
  47. Cf. matéria escrita pelo jornalista Fausto Macedo, citando o Ministro Marco Aurélio, in O Estado de São Paulo de 15 de janeiro de 2003, p. A8.
  48. Cf. Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, 1989, 2º volume, p. 189.
  49. Cf. Ação Direta de Inconstitucionalidade 493 – DF, Pleno, Relator Ministro Moreira Alves, in Revista Trimestral de Jurisprudência volume 143, p. 724 e segs. Por maioria de votos, o Tribunal conheceu ação, integralmente, vencido em parte o Ministro Carlos Mário Velloso, que dela conhecia apenas no ponto que impugna os artigos 23 e parágrafos, 24 e parágrafos, da Lei 8177, de 1º de março de 1991, não assim quanto aos artigos 18, caput, §§ 1º e 4º, 20, 21 e parágrafo único. No mérito, por maioria de votos, o Pretório Excelso julgou a ação procedente, in totum, declarando a inconstitucionalidade dos artigos 18, caput, 21 e parágrafo único, 23 e §§. 24 e §§, da Lei 8177, vencidos em parte os Ministros Ilmar Galvão e Marco Aurélio, que a julgavam procedente também, em parte, para declarar a inconstitucionalidade, apenas, do § 3º do artigo 24; e, ainda, o Ministro Carlos Mário Velloso que a julgava parcialmente procedente para julgar inconstitucional somente os artigos 23 e seus §§, 24 e seus §§. Presidiu a sessão o Ministro Sydney Sanches.
  50. Neste sentido, a Representação 1451-7 - DF, relatado pelo Ministro Moreira Alves.
  51. Ministros Sydney Sanches, presidente, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Paulo Brossard, Octavio Gallotti e Néri da Silveira, Ilmar Galvão, Marco Aurélio e Carlos Mário Velloso. O Ministro Francisco Rezek não participou, porque não integrava o Tribunal, quando se iniciara o julgamento.
  52. In acórdão supracitado.
  53. Neste sentido, situam-se Arnoldo Wald e Carlos Mário da Silva Pereira.
  54. Cf. respectivamente Comentários á Constituição de 1967, com a Emenda 1/69, V, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 1974, p. 99; Princípios Gerais de Direito Adminstrativo, Forense, 2ªedição, p. 333 e segs., e Atos Administrativos, Editora Revista dos Tribunais, 1981, p. 105 a 119.
  55. Cf. ADin 2112, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, RJ, DJ 18.5.01, Pleno; RE 226894 – PR, Rel. Ministro Moreira Alves, Pleno, DJ 7.4.00.
  56. Cf. Processo TC – O14. 927/99-3. Decisão 41/502 – 1ª Câmara, Ministro presentes: Presidente Walton Alencar Rodrigues, Relator Iran Saraiva e Lincoln Magalhães da Rocha e Auditores: Augusto Sherman Cavalcanti e Marcos Benquerer Costa, publicado na DOU de 13-3-2002, apud Boletim de Direito Administrativo, Editora NDJ 11, de novembro de 2002, p. 913 e segs. São Paulo. O Relator adotou, in integris, como relatório a Instrução elaborada no âmbito da Secretaria de Recursos.
  57. Cf. Teoria Tridimensional do Direito, Situação Atual, Saraiva, 4ª edição, 1986, p. 110.
  58. Cf. entrevista do Presidente do STF, Ministro Marco Aurélio, aos jornalistas Alexandre Botão e Eumano Silva, in Correio Braziliense, de 24 de fevereiro de 2003, p. 8.
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Sobre o autor
Leon Frejda Szklarowsky

Falecido em 24 de julho de 2011. Advogado, consultor jurídico, escritor e jornalista em Brasília (DF), subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, editor da Revista Jurídica Consulex. Mestre e especialista em Direito do Estado, juiz arbitral da American Association’s Commercial Pannel, de Nova York. Membro da membro do IBAD, IAB, IASP e IADF, da Academia Brasileira de Direito Tributário, do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, da International Fiscal Association, da Associação Brasileira de Direito Financeiro e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Integrou o Conselho Editorial dos Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, da Editora Revista dos Tribunais, e o Conselho de Orientação das Publicações dos Boletins de Licitações e Contratos, de Direito Administrativo e Direito Municipal, da Editora NDJ Ltda. Foi co-autor do anteprojeto da Lei de Execução Fiscal, que se transformou na Lei 6830/80 (secretário e relator); dos anteprojetos de lei de falências e concordatas (no Congresso Nacional) e autor do anteprojeto sobre a penhora administrativa (Projeto de Lei do Senado 174/96). Dentre suas obras, destacam-se: Execução Fiscal, Responsabilidade Tributária e Medidas Provisórias, ensaios, artigos, pareceres e estudos sobre contratos e licitações, temas de direito administrativo, constitucional, tributário, civil, comercial e econômico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Irretroatividade da lei. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4190. Acesso em: 13 mai. 2024.

Mais informações

Também publicado na Revista Jurídica Consulex, 31 de março de 2003, nº 149.

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