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Coisa julgada e ação anulatória

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13/09/2003 às 00:00
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5. Coisa julgada formal

Quando estiverem esgotados todos os recursos previstos na lei processual, ou porque foram todos utilizados e decididos, ou porque decorreu o prazo de sua interposição, ocorre a coisa julgada formal, que é a imutabilidade da decisão dentro do mesmo processo por falta de meios de impugnação possíveis, recursos ordinários ou extraordinários. [38]

A coisa julgada formal, ou preclusão máxima, dá à sentença imutabilidade como ato processual de encerramento da relação processual. [39]

Tornando imutável a decisão, como ato processual, a coisa julgada formal é condição prévia da coisa julgada material, que é a mesma mutabilidade em relação ao conteúdo do julgamento e "mormente aos seus efeitos." [40]

Literalmente, coisa julgada formal significa: "Coisa Julgada Formal: Diz-se da decisão em cujo processo não mais pode ser impugnada, seja porque precluíram os prazos recursais, seja porque se esgotaram todos os recursos previstos na lei." [41]

Trata-se da impossibilidade de reformar a sentença por vias recursais, seja porque a última instância proferiu sua decisão, ou seja, por haver transcorrido o prazo para interpor recurso, ou finalmente porque se desistiu do recurso ou a ele se renunciou.

Prolatada a sentença que encerra o processo, faculta-se às partes, mercê do princípio do duplo grau de jurisdição, a via dos recursos, com o uso dos quais a parte perdedora, chamada de "sucumbente", postula um reexame das questões decididas na Instância Inferior para obtenção de novo ato decisório do Juízo colegiado (Tribunal) que lhe seja favorável.

Referidos remédios impugnativos (recursos) devem ser usados dentro dos prazos previstos no Estatuto Processual. Pode ocorrer, também, como já acentuado antes, que a parte se conforme com o julgado proferido pelo Juiz monocrático.

Assim, esgotado o prazo para recurso sem sua interposição, ou julgados todos os recursos interpostos, a sentença transita em julgado. Ocorre, destarte, a coisa julgada formal.

A coisa julgada formal, portanto, caracteriza-se como o ato processual decisório que se torna imutável, por não ser mais passível de reforma, via de recursos, seja porque exauridos foram todos os previstos na lei processual, seja porque já estão preclusos os prazos para a sua interposição, seja porque a parte desistiu do interposto. [42]

Em Roma, temos a seguinte definição da coisa julgada:

"Res judicata dicitur quae finem controversiarum pronuntiatione judicis accipit, quod vel condemnationem vel absolutionem contingit." [43]

Moacyr Amaral Santos define a coisa julgada formal nos termos seguintes: "A coisa julgada formal consiste no fenômeno da imutabilidade da sentença pela preclusão dos prazos para recursos." [44]

José Frederico Marques ensina: "A sentença se torna imutável na relação processual (ocorrendo assim a coisa julgada formal) quando inadmissível qualquer recurso para reexame da decisão nela contida." [45]

Podemos concluir, assim, que resolvidos os recursos interpostos ou preclusos os prazos para a interposição de qualquer impugnação contra a sentença, opera-se o primeiro fenômeno que marca a sentença, ou seja, faz-se a coisa julgada formal.

Com a sua formação, a sentença adquire uma qualidade: a imutabilidade como ato processual. Isto quer dizer que o mesmo Juiz que prolatou a sentença não a pode mais modificar, visto que ela adquiriu os contornos de ato processual imutável, inimpugnável, incontestável, portanto definido.

Com a ocorrência de tal fenômeno, todas as questões que constituem o cerne do litígio, não só as que foram efetivamente deduzidas, como as que poderiam ter sido alegadas mas não o foram, não podem mais ser objeto de argüição e de apreciação. Neste sentido, soa o art. 474 do CPC. [46]

Opera-se com as questões não argüidas, embora pudessem tê-lo sido, o fenômeno da preclusão, ou seja, a perda de um direito ou faculdade processual de alegar novamente aquelas questões.

Enfim, constituída a coisa julgada formal, o Juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional ou, em outras palavras, o Estado entrega ao particular a prestação jurisdicional que foi invocada, resultando, daí, que o litígio resta definitivamente composto, com a aplicação da vontade da Lei ao caso concreto.


6. Coisa julgada material

O fundamento da coisa julgada material é a necessidade de estabilidade nas relações jurídicas. A coisa julgada material, que é a imutabilidade do dispositivo da sentença e seus efeitos, torna impossível a rediscussão da lide, reputando-se repelidas todas as alegações e defesas que a parte poderia opor ao acolhimento ou rejeição do pedido. [47]

Na coisa julgada material, concentra-se a autoridade da coisa julgada, ou seja, o mais alto grau de imutabilidade a reforçar a eficácia da sentença que decidiu sobre o mérito ou sobre a ação, para assim impedir, no futuro, qualquer indagação sobre a justiça ou injustiça de seu pronunciamento.

A coisa julgada material é instituto de direito processual. Ela torna imutável a vontade concreta da lei que promana da sentença, criando, assim, vínculos de ordem puramente processual que impedem o reexame do mérito da questão decidida por qualquer outro órgão investido de poder jurisdicional. [48]

Literalmente, coisa julgada material significa: Coisa Julgada Material: Diz-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. [49]

Exauridos e resolvidos os recursos manifestados contra a sentença, ou não sendo manifestado nenhum, a sentença transita em julgado. [50] Com tal ocorrência, operam-se dois fenômenos simultâneos. O primeiro é o advento da coisa julgada formal, isto é, a sentença, como ato processual, torna-se imutável dentro da relação processual. Este fenômeno só se faz presente dentro do processo. O segundo fenômeno é a formação da coisa julgada material ou substancial. Esta, que tem como pressuposto lógico a coisa julgada formal, caracteriza-se pela imutabilidade dos efeitos declaratórios, condenatórios ou constitutivos da sentença de mérito, chamados "principais", como imutáveis também se mostram os efeitos secundários da sentença. Tais efeitos — principais e secundários — adquirem uma qualidade, que é a sua imutabilidade. Fala-se, assim, em "autoridade da coisa julgada". [51]

Tais efeitos, tornados imutáveis, extrapolam-se da relação processual, irradiam-se para fora do processo de tal sorte que impedem que outros Juizes ou Tribunais possam reapreciar e redecidir aquele mesmo litígio. [52] O comando que emerge da sentença de mérito transitada em julgado faz lei entre as partes, isto é, obriga o réu vencido a cumprir o decisório, bem como dá, ao vencedor, a faculdade de fazer valer o direito reconhecido na sentença.

E aqui estão as diferenças entre a coisa julgada formal e a material ou substancial. A primeira traduz-se pela imutabilidade da sentença, como ato processual, dentro do processo. O mesmo Juiz prolator não mais pode modificá-la. A sentença, como ato processual, adquire uma qualidade, um matiz, uma conotação, que é a sua imutabilidade dentro do processo. A coisa julgada substancial, por seu turno, caracteriza-se pela imutabilidade dos efeitos principais e secundários da sentença que transitou em julgado.

Mercê dela os mencionados efeitos principais e secundários tomam-se imutáveis, indiscutíveis, inimpugnáveis, fazendo lei entre as partes. A sentença, assim, passa a ter a sua eficácia natural, que consiste na produção dos discutidos efeitos.

Não é outra a doutrina esposada pelo atual Código de Processo Civil: "Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário." "Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas."


7. Limites objetivos e subjetivos da coisa julgada

Quando se está a tratar dos limites subjetivos, a tentativa é de identificar exatamente quem é atingido pela autoridade da coisa julgada e ao referir os limites objetivos se está a identificar o quê, na sentença, efetivamente adquire autoridade de coisa julgada. [53]

Nem tudo na sentença se torna imutável. O que faz coisa julgada material é o dispositivo da sentença, a sua conclusão. Pode-se dizer que a coisa julgada se restringe à parte dispositiva da sentença; a essa expressão, todavia, deve dar-se um sentido substancial e não formalista, de modo que abranja não somente a parte final da sentença, como também qualquer outro ponto em que tenha o juiz eventualmente provido sobre os pedidos das partes. [54]

O Código de Processo Civil, em seu art. 460, cuida da natureza ou da extensão da sentença. Não pode o juiz proferir sentença de natureza diversa da pedida, nem condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. [55]

Os limites objetivos da sentença são assim definidos: Limites Objetivos da Coisa Julgada. Em direito processual civil, diz-se da sentença que julgar total ou parcialmente a lide, nos limites das questões decididas, e da resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer, o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para julgamento da causa (Cód. de Proc. Civil, arts. 468 e 470). [56]

As sentenças são declaratórias, constitutivas, condenatórias, mandamentais e executivas. Se foi pedida uma sentença constitutiva o juiz não pode proferir decisão meramente condenatória; se se pediu execução, não pode o juiz conceder condenação.

A sentença de natureza diversa da que foi pedida é, de certo modo, uma sentença citra petita. A preposição latina citra significa aquém, sem ir até, sem atingir. Por isso, a sentença citra petita não se confunde com a que acolheu apenas parcialmente o pedido. Indica a decisão que não soluciona a lide, porque resolveu apenas parte do pedido (atente-se que resolver parte do pedido, não significa acolhê-lo parcialmente, a decisão que secciona o pedido, mutila-o) ou resolveu de modo defeituoso por erro de apreciação.

Também não pode o juiz condenar o réu em quantidade superior ao que foi pedido. Está-se, aí, diante de sentença ultra petita porque julga além do pedido. Se a decisão concede objeto diverso do que foi demandado é a hipótese de sentença extra petita, fora do que pediu o autor. [57]

São, todos esses, casos de nulidade, porque é defeso ao juiz proferir sentença com essas distorções.

"A sentença extra petita é nula, porque decide causa diferente da que foi posta em juízo (ex.: a sentença ''de natureza diversa da pedida'' ou que condena em ''objeto diverso'' do que fora demandado), o tribunal deve anulá-la" (RT 502/169; JTA 37144, 48/67; RP 6/326).

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Não ocorre o mesmo com a sentença ultra petita, i. e., que decide além do pedido (ex.: a que condena o réu em quantidade superior à pleiteada pelo autor). Ao invés de ser anulada pelo tribunal, deverá ser reduzida aos limites do pedido (RTJ 89/533, 112/373; RJTJESP 49/129; RP 4/406). Não constitui decisão ultra petita a que concede correção monetária ou a que condena ao pagamento de juros legais (art. 293), das despesas e honorários de advogado (art. 20), ou das prestações vincendas (art. 290), mesmo que nenhum desses pedidos tenha sido feito na inicial.

Portanto, não há vício da sentença "quando a decisão proferida corresponde a um munus em relação a ambas as pretensões em conflito" (TJ 86/367), nem se julgada procedente em parte a ação, porque, "no pedido mais abrangente se inclui o de menor abrangência" (STF-2ª Turma, RE 100.8946, rel. Min. Moreira Alves, j. 4.11.83, não conheceram, v. u., DJU 10.2.84, p. 1019, 2ª col., em.).

Segundo regra do art. 460, não pode o juiz proferir sentença de natureza diversa da pedida, nem condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. [58]

Em nível de limites subjetivos deve ser feita a divisão em demandas individuais e coletivas. Nas demandas individuais, é clara a orientação doutrinária no sentido de que, por regra, somente as partes são atingidas pela autoridade de coisa julgada e, por exceção, os terceiros juridicamente interessados poderão ser atingidos. Na classe de terceiros juridicamente interessados incluem-se: o sucessor (causa mortis), o cessionário e o substituído processualmente.

Portanto, limite subjetivo da coisa julgada é a hipótese de que trata o art. 472. De regra, a sentença só faz coisa julgada entre os que foram partes no processo. Nas ações de estado, de pessoa, como diz a lei, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz também coisa julgada. [59]

Pode ser definido, o limite subjetivo da coisa julgada, como: "Limites Subjetivos da Coisa Julgada: Em direito processual penal, diz-se da validade da sentença unicamente entre as partes que atuaram no processo. Em direito processual civil, somente a parte vencida, seus herdeiros e sucessores universais ou singulares é que sofrem os efeitos da coisa julgada." [60]

Nas ações de estado, mais que em qualquer outra, é notável o fato da sentença produzir efeitos que vão atingir àqueles que não foram parte na causa. Tudo resulta do conceito e da natureza do status, em função do que se sustentou um princípio oposto quanto à eficácia da coisa julgada: esta seria oponível erga omnes. [61]


8. Ação anulatória: conceito

Até aqui fora discorrido acerca da coisa julgada, que, como foi exposto, é o fim do processo, a entrega final do judiciário com relação ao objeto colocado ao seu crivo, sob seu decisório.

Ocorre que, apesar de tudo o que fora mencionado acerca da coisa julgada, existe a ação rescisória, que visa a anulação da sentença que, de alguma forma devidamente prevista no artigo 485 e seus incisos, encontra-se viciada e passiva de anulação via ação rescisória.

Mas, em alguns casos, a sentença não faz coisa julgada, não é de mérito, mas sim meramente homologatória. Passiva, portanto, uma vez viciada, de anulabilidade via ação anulatória, não de ação rescisória, somente aplicável em casos de sentença de mérito, que julga a lide, decide o mérito da causa.

Ação anulatória significa: "Ação Anulatória de Ato Judicial. Diz-se daquela para rescindir atos judiciais que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória (Cód. de Proc. Civil, art. 486)." [62]

Para se definir a ação anulatória, podemos também definir a ação de anulação: "Ação de Anulação. Em direito civil e direito processual civil, diz-se em geral, da que tem por fim o desfazimento de um ato ou de um negócio jurídico viciado por erro, dolo, simulação ou fraude...", [63] além das novas modalidades criadas recentemente pelo novo Código Civil, o estado de perigo e a lesão (Cód. Civil, arts. 138, 145, 167, 158, 156,157, respectivamente)."

Trata-se, neste caso, também, de ação anulatória a nosso ver a ser ajuizada com fulcro formal no artigo 486 do CPC, e, com base material nos artigos citados do ordenamento civil pátrio.

A ação anulatória é uma ação de conhecimento declaratória e condenatória (onde se pleiteia a declaração da nulidade do ato então sub judice e a retomada ao statu quo ante na relação jurídica que resultou do ato anulado), a seguir o procedimento ordinário previsto no artigo 274 do CPCB., que determina seguir-se os procedimentos previstos no livro I do mesmo diploma legal (não devendo ser chamada, por ser forma errônea, de ação ordinária de nulidade, isso porque trata-se de ação de conhecimento declaratória e condenatória a seguir o procedimento ordinário); não existem ações ordinárias, mas sim ações que seguem o rito ordinário.

Portanto, o ato de rescindir importa na reabertura de processo findo e na conseqüente desconstituição de sentença formalmente transitada em julgado, nele proferida, e portadora de vício expressamente previsto na lei.

Tanto no caso da ação anulatória, como no caso da ação rescisória, não se abre (ou reabre) o processo findo, mas obtém-se, com o julgamento da procedência da ação, a declaração da nulidade do ato e o retorno das partes ao statu quo ante (estado anterior aos efeitos produzidos pelo ato anulado).

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Sobre o autor
José Arnaldo Vitagliano

Advogado. Doutorando em Direito Educacional pela UNINOVE - São Paulo. Mestre em Constituição e Processo pela UNAERP - Ribeirão Preto. Especialista em Direito pela ITE - Bauru. Especialista em Docência do Ensino Universitário pela UNINOVE - São Paulo. Licenciado em Estudos Sociais e História pela UNIFAC - Botucatu. Professor de Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Processual Civil e Prática Civil. Autor de dois livros pela Editora Juruá, Curitiba: Coisa julgada e ação anulatória (3ª Edição) e Instrumentos processuais de garantia (2ª Edição).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VITAGLIANO, José Arnaldo. Coisa julgada e ação anulatória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 72, 13 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4206. Acesso em: 19 mar. 2024.

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