O DANO MORAL

08/09/2015 às 06:06
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O ARTIGO PÕE EM DISCUSSÃO O INSTITUTO DO DANO MORAL.

O DANO MORAL

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da Republica aposentado

Louve-me da lição de Sérgio Cavalieri Filho(Programa de Responsabilidade Civil, 9ª edição revista e ampliada, São Paulo, Atlas, pág. 82) para quem se pode conceituar o dano moral por dois aspectos distintos. Em sentido estrito, dano moral é a violação do direito à dignidade. Por essa razão, por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada,  da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu artigo 5º, V  e X, a plena reparação do dano moral.

Sendo assim qualquer agressão à dignidade pessoal que lesiona à honra, constitui dano moral e é indenizável. ¨

É a linha do pensamento trazido pelo Ministro Cézar Peluso, no julgamento do RE 447.584/RJ, DJ de 16 de março de 2007,  onde se acolhe a proteção do dano moral como verdadeira tutela constitucional da dignidade da pessoa humana, considerando-a como um autêntico direito à integridade ou incolumidade moral, pertencente à classe dos direitos absolutos.

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão da lavra da Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, REsp 910.794/RJ, DJe de 4 de dezembro de 2008, RSTJ volume 213, pág. 155,  deixou claro que não merece prosperar a tese de que o recém-nascido não é apto a sofrer dano moral por não possuir capacidade intelectiva para avaliá-lo e sofrer abalos psíquicos. Isso porque o dano moral não pode ser visto sob o enfoque puramente psíquico, que depende de relações emocionais da vítima, pois o que interessa é a tutela da dignidade, fundamento central dos direitos humanos que deve ser protegida e, quando violada, sujeita à reparação devida.

É o que se lê do respeitável acórdão:

RECURSO ESPECIAL DE JPGB E OUTROS. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE

CIVIL DO ESTADO. ERRO MÉDICO. HOSPITAL MUNICIPAL. AMPUTAÇÃO DE BRAÇO

DE RECÉM-NASCIDO. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. CUMULAÇÃO.

POSSIBILIDADE. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM FAVOR DOS PAIS E

IRMÃO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE

PROVIDO.

1. É possível a cumulação de indenização por danos estético e moral,

ainda que derivados de um mesmo fato, desde que um dano e outro

possam ser reconhecidos autonomamente, ou seja, devem ser passíveis

de identificação em separado. Precedentes.

2. Na hipótese dos autos, em Hospital Municipal, recém-nascido teve

um dos braços amputado em virtude de erro médico, decorrente de

punção axilar que resultou no rompimento de veia, criando um coágulo

que bloqueou a passagem de sangue para o membro superior.

3. Ainda que derivada de um mesmo fato - erro médico de

profissionais da rede municipal de saúde -, a amputação do braço

direito do recém-nascido ensejou duas formas diversas de dano, o

moral e o estético. O primeiro, correspondente à violação do direito

à dignidade e à imagem da vítima, assim como ao sofrimento, à

aflição e à angústia a que seus pais e irmão foram submetidos, e o

segundo, decorrente da modificação da estrutura corporal do lesado,

enfim, da deformidade a ele causada.

4. Não merece prosperar o fundamento do acórdão recorrido no sentido

de que o recém-nascido não é apto a sofrer o dano moral, por não

possui capacidade intelectiva para avaliá-lo e sofrer os prejuízos

psíquicos dele decorrentes. Isso, porque o dano moral não pode ser

visto tão-somente como de ordem puramente psíquica - dependente das

reações emocionais da vítima -, porquanto, na atual ordem

jurídica-constitucional, a dignidade é fundamento central dos

direitos humanos, devendo ser protegida e, quando violada, sujeita à

devida reparação.

5. A respeito do tema, a doutrina consagra entendimento no sentido

de que o dano moral pode ser considerado como violação do direito à

dignidade, não se restringindo, necessariamente, a alguma reação

psíquica (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade

Civil. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, pp. 76/78).

6. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 447.584/RJ, de

relatoria do Ministro Cezar Peluso (DJ de 16.3.2007), acolheu a

proteção ao dano moral como verdadeira "tutela constitucional da

dignidade humana", considerando-a "um autêntico direito à

integridade ou à incolumidade moral, pertencente à classe dos

direitos absolutos".

7. O Ministro Luix Fux, no julgamento do REsp 612.108/PR (1ª Turma,

DJ de 3.11.2004), bem delineou que "deflui da Constituição Federal

que a dignidade da pessoa humana é premissa inarredável de qualquer

sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas,

dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da

promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação

umbilical entre os direitos humanos e o direito processual".

8. Com essas considerações, pode-se inferir que é devida a

condenação cumulativa do Município à reparação dos danos moral e

estético causados à vítima, na medida em que o recém-nascido obteve

grave deformidade - prejuízo de caráter estético - e teve seu

direito a uma vida digna seriamente atingido - prejuízo de caráter

moral. Inclusive, a partir do momento em que a vítima adquirir plena

consciência de sua condição, a dor, o vexame, o sofrimento e a

humilhação certamente serão sentimentos com os quais ela terá de

conviver ao longo de sua vida, o que confirma ainda mais a efetiva

existência do dano moral. Desse modo, é plenamente cabível a

cumulação dos danos moral e estético nos termos em que fixados na r.

sentença, ou seja, conjuntamente o quantum indenizatório deve somar

o total de trezentos mil reais (R$ 300.000,00). Esse valor mostra-se

razoável e proporcional ao grave dano causado ao recém-nascido, e

contempla também o caráter punitivo e pedagógico da condenação.

9. Quanto ao pedido de majoração da condenação em danos morais em

favor dos pais e do irmão da vítima, ressalte-se que a revisão do

valor da indenização somente é possível quando exorbitante ou

insignificante a importância arbitrada. Essa excepcionalidade,

contudo, não se aplica à hipótese dos autos. Isso, porque o valor da

indenização por danos morais - fixado em R$ 20.000,00, para cada um

dos pais, e em R$ 5.000,00, para o irmão de onze (11) anos,

totalizando, assim, R$ 45.000,00 -, nem é irrisório nem

desproporcional aos danos morais sofridos por esses recorrentes. Ao

contrário, a importância assentada foi arbitrada com bom senso,

dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

10. Recurso especial parcialmente provido, apenas para determinar a

cumulação dos danos moral e estético, nos termos em que fixados na

r. sentença, totalizando-se, assim, trezentos mil reais (R$ 300.000,

00).

RECURSO ESPECIAL ADESIVO DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. PROCESSUAL

CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. REVISÃO DO VALOR DA

INDENIZAÇÃO. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. RECURSO NÃO-CONHECIDO.

1. O recurso especial adesivo fica prejudicado quanto ao valor da

indenização da vítima, tendo em vista o exame do tema por ocasião do

provimento parcial do recurso especial dos autores.

2. O quantum indenizatório dos danos morais fixados em favor dos

pais e do irmão da vítima, ao contrário do alegado pelo Município,

não é exorbitante (total de R$ 45.000,00). Conforme anteriormente

ressaltado, esses valores foram fixados em patamares razoáveis e

dentro dos limites da proporcionalidade, de maneira que é indevida

sua revisão em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.

3. Recurso especial adesivo não-conhecido.

Como configura-se o dano moral?

Penso que deve-se levar em conta a lógica do razoável, na busca dessa configuração. Assim mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacebada estão fora do âmbito do dano moral.

Exige-se uma manifestação intensa a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.

Necessário a prova do dano moral.

Ainda é Sérgio Cavaliere Filho(obra citada, folhas 90) quem diz:

¨Neste ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente deo próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum.¨

Assim o dano moral decorre da gravidade do próprio fato ofensivo, de sorte que provado o fato, provado está o dano moral.

Mas em havendo responsabilidade civil do Estado será necessário provar que o comportamento omissivo decorreu de culpa ou dolo.

Bem disse Celso Antônio Bandeira de Mello(Curso de Direito Administrativo, 17ª edição, São Paulo, Malheiros, pág. 895) que quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado(o serviço não funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva.

Só faz sentido responsabilizá-lo se não cumpriu o dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.

Necessário provar que o Estado agiu por negligência, imprudência ou imperícia(culpa) ou então agiu com o deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação(dolo).

Bem ainda sintetiza Celso Antônio Bandeira de Mello(obra citada, pág. 897):

¨se o Estado, devendo agir, por imposição legal, não agiu ou o fez deficientemente, comportando-se abaixo dos padrões legais que normalmente deveriam caracterizá-lo, responde por esta incúria, negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não evitado quando, de direito, devia sê-lo. Também não o socorre eventualmente incúria em ajustar-se aos padrões devidos.¨

A deficiência foi, sem dúvida culposa, não se admitindo que a Administração que podia cumprir-lo antes, não a fizesse, levando o menor, ofendido em sua dignidade, a esperar de forma interminável por um tratamento do Estado.

Tal se configurou numa humilhação dolorosa e frustrante dada a inércia do Estado. Veja-se o exemplo de um menor, que  estava em hospital público, com evidente risco de vida, na espera interminável de tratamento pela Administração, levando sua mãe a angústia de ver o tempo passar e seu filho não resistir. Não se fala apenas na aflição da mãe, fala-se na triste espera de um menor recém-nascido por uma cirurgia que se afigura urgente e necessária.

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Não se trata aqui de falar-se em dano moral coletivo. Fala-se num dano moral individual, envolvendo pessoa certa hiposuficiente, em juízo tutelada pelo Parquet, em sua missão constitucional.

Repito que o que está em discussão é a dignidade da pessoa humana. Trago a lição do Ministro Luiz Fuz, no RMS24197/PR, DJe de 24 de agosto de 2010, quando disse que a ordem constitucional, à luz do artigo 196 da Constituição Federal, consagra o dever do Estado, que deverá por meio de políticas sociais e econômicas propiciar aos necessitados não qualquer tratamento, mas o tratamento mais adequado, capaz de dar ao paciente maior dignidade sofrimento menor.

No caso, a conduta da Administração levou ao paciente a sofrimento maior, quando devia agir com maior celeridade para um tratamento mais adequado ao caso.

.

A  matéria com relação a dano moral coletivo já foi objeto de apreciação no julgamento do Recurso Especial nº 598281/MG, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ de 01 de junho de 2006, pág. 147. Há uma absoluta incompatibilidade do dano moral com a indeterminção que se exige para o dano moral coletivo.

Está sepultada de maneira absoluta e sem reservas a tese reacionária que inadmitia o dano moral. Modernamente admite-se a tese da reparabilidade do dano moral difuso, coletivo ou individual homogêneo. Aceitamos o conceito de um patrimônio moral transindividual na linha já traçada por André de Carvalho Ramos(A ação civil pública e o dano moral coletivo).

Colaciono importante decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na Ap. Civil nº 5943/94, 2ª Câmara, TJRJ, Relator designado Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, in Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, n.26, 1996, Degrau Cultural, p.225 – 231, quando lembra que o Código de Defesa do Consumidor coloca entre os direitos básicos do consumidor(toda pessoa física ou jurídica) a efetiva reparação de danos patrimoniais e morais individuais, coletivos e difusos

. A Lei nº 8.078/90 previu a possibilidade de reparação dos danos materiais ou morais tanto do indivíduo como dos danos coletivos, que atinjam um grupo de pessoas. Admite-se que os entes coletivos possam ser atingidos moralmente, assegurando-se a indenização correspondente.

Dir-se-á que o dano moral é incomensurável, mas isso não pode ser óbice à aplicação do direito e a sua justa reparação. A reparação moral deve se utilizar dos mesmos instrumentos da reparação material, já que os pressupostos(dano ou nexo causal) são os mesmos. A destinação de eventual indenização deve ser o Fundo Federal de Direitos Difusos previsto na Lei nº 7.347. O Código de Defesa do Consumidor contempla a indenização do dano moral, no art. 6º, incisos VI e VII, ao dizer que são direitos básicos do consumidor, dentre outros, a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais, morais, individuais, coletivos e difusos; e o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica dos interessados.

 Da mesma sorte o Estatuto da Criança e do Adolescente. A Constituição Federal, no art. 37, § 6º, da Constituição Federal estabelece a responsabilidade civil do Estado por ato de seus agentes de ordem patrimonial e moral. Se o Estado gera dano, produz evento lesivo, é caso de responsabilidade objetiva. Discussão há com relação aos danos por omissão do Estado. Para Celso Antônio Bandeira de Mello(Curso de Direito Administrativo, São Paulo, ed. Malheiros, 6ª edição, pág. 515) quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado(o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva, observando-se a dupla modalidade que é dolo ou culpa.

No dano moral coletivo, da mesma forma que no dano moral de natureza individual, a responsabilidade, segundo a doutrina(Xisto Tiago de Medeiros Neto, Dano Moral coletivo,  pág. 152) independe da configuração de culpa, decorrendo do próprio fato da violação como expressão do desenvolvimento da responsabilidade objetiva.

Sintetiza-se a posição da doutrina no Brasil no sentido de que o regime jurídico baseado na culpa não se adapta à responsabilidade por danos causados a bens e interesses coletivos difusos, admitindo-se que, em tal sede, a responsabilidade seja objetiva no que concerne aos interesses metaindividuais. Lembro que o quantum, nos casos de destinação da parcela quanto a interesses coletivos e difusos, que se propõe para tanto, será revertido para o Fundo de Bens Lesados(Fundo de Defesa de interesses difusos – Lei nº 9.008, de 24 de julho de 1985, que trata o art. 13 da Lei nº 7.347, e será apurado por liquidação de sentença, isto porque estamos diante de interesses indivisíveis. Já no que concerne a condenação por danos morais oriundos de lesão a direitos individuais homogêneos, a parcela pecuniária será direcionada a cada um dos indivíduos favorecidos na demanda e que vierem a comprovar, em juízo, tal condição.

 Quanto a prova, André de Carvalho Ramos(A ação civil pública e o dano moral coletivo, Revista de Direito ao Consumidor, nº 25 – janeiro/março de 1998, Instituto Brasileiro de Política e Direito ao Consumidor) chega a dizer, de forma extremada, que o dano moral coletiva goza de presunção absoluta. Data vênia o que se há de comprovar é a existência de um quadro fático presumivelmente propício segundo um critério de razoabilidade. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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