A GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO E A OMISSÃO DE SOCORRO

08/09/2015 às 11:34
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O ARTIGO TRAZ À DISCUSSÃO TEMA POLÊMICO COM RELAÇÃO A GREVE E A QUESTÃO DA OMISSÃO DE SOCORRO.

A GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO E A OMISSÃO DE SOCORRO

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado 

Contrários à politica econômica e fiscal que visa a cortes de gastos e não fixação de reajustes de vencimentos,  diversos servidores estão em greve no País.

Com isso a paralisação tem levado a sérios transtornos à população como de praxe diante desses movimentos.

 A greve no serviço público tem sido questionada. Universidades Públicas estão paradas, repartições do INSS não atendem para orientar sobre a concessão de benefícios, até mesmo a Justiça passa por dificuldades.

Na saúde, é mister que se lembre, a omissão de socorro, diante da falta de atendimento é crime doloso. Um serviço básico como a saúde tem que continuar a ser prestado sob pena de omissão criminosa.

O tipo penal erigido no artigo 135 do Código Penal é o egoísmo erigido em delito e  pode ser realizado por  qualquer pessoa, não sendo necessário que haja precedente dever jurídico de assistência ou guarda em relação ao sujeito passivo, ao contrário do tipo penal de abandono. Há uma violação do dever moral de solidariedade e de assistência. A prestação de socorro a lesionados, sobre ser um dever moral de assistência e solidariedade, constitui um dever jurídico(JUTACRIM 49/190). O dever de assistência é, naturalmente, limitado pela possibilidade e capacidade individual, determinando-se estas diante das circunstâncias do caso concreto. O socorro a que está obrigado o sujeito é somente aquele que, por sua capacidade e as circunstâncias vigentes, lhe foi possível prestar. Não exige a lei que o sujeito pratique ato privativo de médico, por exemplo, pela morte se esta necessitava de tratamento especializado, impossível de ser ministrado no hospital onde trabalhava(RT 514/386). Mas o socorro há de ser imediato, pois a demora ou a dilação importa o descumprimento do dever imposto por lei(RT 541/426).

O sujeito ativo do crime previsto no artigo 135 do CP, como dito,  é qualquer pessoa. Por sua vez, o sujeito passivo pode ser: criança abandonada ou extraviada(menor que não seja capaz de autodefesa), pessoa inválida ou ferida, ao desamparo; qualquer pessoa, em grave ou iminente perigo. Pessoa inválida é a pessoa incapaz de prover à própria segurança e subsistência, em razão da idade ou ainda moléstia. Estará a vítima, nessas situações, em situação de desamparo, abandonada e sem cuidado. Para Júlio Fabbrini Mirabete(Manual de direito penal, volume III, pág. 111), criança é pessoa que não tem condições de autodefesa por imaturidade e pessoa inválida é aquela que “por condição pessoal, de ordem biológica, física ou psíquica, como doença, defeito orgânico, debilidade ou velhice, não dispõe de forças para dominar o perigo”.

Sendo assim é mister que a pessoa esteja ao desamparo, que “precisando de auxilio que a livre do perigo à incolumidade pessoal, é deixada entregue a si mesma, ao acaso”, ou em grave e eminente perigo, que é grave e iminente quando há ameaça à vítima de modo notável de um resultado lesivo que está para ocorrer, de risco imediato.

Elucidativa a conclusão de Damásio Evangelista de Jesus(Direito penal, volume ((, 4ª edição, pág. 111), para quem “a melhor interpretação do art. 135 do CP é aquela que indica qualquer pessoa em grave e iminente perigo como sujeito passivo de omissão de socorro,  não se exigindo que seja inválida ou esteja ferida”. Outra é a posição de Aníbal Bruno(Crimes contra a pessoa, 3ª edição, pág. 121), que pondera que “mas por mais conforme que pareça essa conclusão com o espírito que inspira a atitude do Direito, na hipótese, a redação do dispositivo legal não permite esse entendimento. Ao desamparo e em grave e iminente perigo são condições que qualificam pessoa inválida ou ferida”.

Já se decidiu que inadmissível é o abandono de pessoa gravemente enferma a sua própria sorte, ainda com eventual recusa da vítima em receber tratamento, uma vez que, na hipótese, teria o acusado a obrigação de levar o fato ao conhecimento da autoridade pública para as devidas providências(JTACrSP 38/314).

O tipo objetivo envolve deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, ou em não pedir socorro à autoridade pública, ao deparar com a vítima. Pressuposto de fato é a circunstância de encontrar o agente uma pessoa que se ache em situação indicada pela lei(criança extraviada ou  abandonada, pessoa inválida ou ferida etc). Assim não há crime se o agente apenas tem conhecimento de que há uma pessoa em perigo, exigindo-se que esteja em presença da vítima, ou pelo menos no mesmo lugar em que ela se encontra, tomando conhecimento de sua situação de perigo com a vista ou o ouvido.   Heleno Cláudio Fragoso(Lições de direito penal, parte especial – artigos 121 a 212 do CP, 1983, pág. 161) leciona que só excepcionalmente poderá admitir-se a existência do crime de omissão de socorro sem que esteja o agente na presença da vítima( absoluta necessidade de socorro por parte da pessoa a quem é solicitado, como no caso do médico; certeza ou verossimilhança da comunicação de que há pessoa em perigo). Em caso concreto, entendeu-se que aquele que após atropelar a vítima, deixa-a abandonada na via pública, em plena madrugada, fugindo à responsabilidade de assistência, desenvolve comportamento que se enquadra no tipo penal do artigo 135 do CP(RJD 2/106).

O crime é omissivo próprio, uma vez que haja uma violação de mandado ou uma ordem, que imponha uma conduta positiva. Isso porque a obrigação que a lei impõe é de prestar socorro, desde que possível fazê-lo sem risco pessoal ou dar aviso à autoridade. É crime omissivo próprio, envolvendo abster-se de atividade devida, imposta pela norma penal. Sua consumação se dá com a omissão da atividade imposta, alternativamente, pela lei, no momento em que tal atividade era oportuna, independentemente da superveniência de qualquer dano ou que desapareça o perigo.  Mas, limita-se a lei a excluir o dever de assistência quando se tratar de risco pessoal, persistindo o dever de agir no caso de risco a outro bem jurídico(patrimonial, moral etc). Trata-se de delito instantâneo e não se elide pelo retorno do autor ao local, onde, de começo, ficara a vítima ao desamparo(JTACrSP 56/201). Para Euclides C. da Silveira(Crimes contra a pessoa, pág. 193) o delito pode ser eventualmente permanente, como nos seguintes casos: a) a mãe deixa de alimentar o filho ate matá-lo de inanição, sem que a empregada, que vive na mesma casa, tome as providências cabíveis; b) habitando num único quarto duas pessoas, uma delas contrai gravíssima enfermidade, que a prende ao leito, durante dias seguidos, enquanto o seu companheiro a deixa desamparada, sem se dar ao trabalho de prestar-lhe o menor auxílio; c) o caçador, em plena floresta, ouve, durante toda uma noite, uma criança chorar, à porta de sua cabana, enquanto ele se mantém impassivelmente deitado”. Como crime omissivo próprio não comporta tentativa, pois, como ensinou Magalhães Noronha(obra citada, pág. 107): ou o agente não socorre e dar-se a consumação, ou pode ainda socorrer e se caracteriza a execução parcial do tipo.

Estando a vítima em perigo surge o dever jurídico de assistência que pode ser pessoal e direta ou através de autoridade pública(policia, juiz ou curador de menores  etc). Tanto faz que haja pedido de socorro por parte da vítima. Só está obrigado ao socorro direto quem puder prestá-lo sem risco para a própria incolumidade pessoal(não patrimonial ou moral). Na lição de Nelson Hungria(Comentários ao código penal, volume V, 427j) esta fórmula desobriga do socorro pessoal mesmo quem tem o dever legal de enfrentar o perigo, aqueles que não podem alegar o estado de necessidade e cuja profissão ou atividade esteja de forma íntima ligada ao risco e ao perigo como bombeiros, guarda-vidas, por exemplo. Mas entende-se que não exige a lei que o sujeito arrisque a própria vida ou integridade corporal a fim de auxiliar a vítima, podendo escusar-se aquele que comprovar que, no caso de agir, sofreria risco pessoal. Para Júlio Fabbrini Mirabete(obra citada, pág. 112) não deixa de ser um caso de estado de necessidade inserido como elemento normativo do tipo. Já se julgou, porém, que o risco, como que por vezes corre o motorista que, tendo atropelado a vítima sem culpa, teme represálias, deve ser justificado e demonstrado(JTACrSP 40/329).

Ensina ainda Heleno Cláudio Fragoso(obra citada, pág. 162) que o crime pode ser praticado também se o agente, deixando de prestar assistência diretamente, não pede socorro da autoridade pública. Somente é outorgada ao agente a faculdade de pedir socorro da autoridade pública, eximindo-se de prestá-lo pessoalmente, quando seja possível obtê-lo em tempo oportuno. Mas a alternatividade não fica ao alvedrio da pessoa que encontra o periclitante. Pode o agente deixar de prestar assistência pessoal, para pedir socorro à autoridade, somente no caso em que a vítima não esteja em perigo direto e iminente, que somente seria afastável pela imediata ação pessoal. Estudando a segunda conduta omissiva que é de não pedir o socorro da autoridade pública, disse Júlio Fabbrini Mirabete(Manual de direito penal, volume III, 25ª edição, pág. 112) que não se trata de equivalente ou alternativa à primeira figura. Para isso ensinou Magalhães Noronha(Direito penal, volume II, pág. 106, que “o comportamento do agente é ditado pelas circunstâncias. Há casos em que o pedido de socorro à autoridade é absolutamente inócuo e, em tal hipótese, se ele podia prestar assistência, cometerá o crime, não obstante o apelo de socorro”.

A origem do perigo e irrelevante. Pode ele ter sido sido causado pelo próprio periclitante. Pode ainda ser causado pelo próprio agente, sem culpa. Já se entendeu que o motorista que, sem culpa, atropela o pedestre e o deixa ao desamparo, pratica o crime de omissão de socorro, como deixou consignado Heleno Cláudio Fragoso(Jurisprudência criminal, nº 372). Ainda  se decidiu que o delito do artigo 135 do CP exige, como um dos elementos formadores da omissão de socorro, que o autor da situação de perigo não seja o próprio causador das lesões(JUTACRIM 47/232). Ainda se concluiu que responde por omissão de socorro o médico que, embora solicitado, deixa de atender de imediato a paciente que, em tese, corra risco de vida, omitindo-se no seu dever de facultativo(JUTACRIM 47/223).

O evento de perigo é presumido juris et de iure se o sujeito passivo for criança abandonada ou extraviada, ou pessoa inválida ou ferida, ao desamparo, não aproveitando ao agente a prova de que in concreto inexistia, nesses casos, perigo para a liberdade pessoal, como se vê da lição de  Nelson Hungria(obra citada, pág. 427). Assim somente se exige o perigo concreto na hipótese de ser a vítima pessoa em grave e iminente perigo. Por sua vez, João Bernardino Gonzaga(O crime de omissão de socorro, 1957, 103) afirma ser sempre necessário, para a existência do crime, a efetiva superveniência do perigo para a vida ou a saúde. De toda sorte, exige-se o maior rigor na apreciação da probabilidade de dano e sua maior extensão, como ainda ensina Heleno Cláudio Fragoso(obra citada, pág. 163). A doutrina entende, em sua maioria, como relatam Celso Delmanto, Roberto Delmanto e outros(Código penal comentado, 6ª edição, pag. 289), que há caso de crime de perigo concreto na hipótese de pessoa em grave e iminente perigo e presumido nos demais. Ainda para a doutrina a forma alternativa com que se redigiu o artigo 135 do CP não permite a livre escolha de comportamento.  Se o agente pode prestar assistência pessoal, sem risco não basta que peça o socorro, quando este for insuficiente para afastar o perigo. Para Nelson Hungria(obra citada, pág. 443) o pedido de socorro não excluiria o delito quando pudesse tempestivamente conjurar o pedido.

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O perigo a que a lei se refere é o que recai sobre a pessoa física do ofendido – sua vida ou saúde, não se caracterizando o delito se há periclitação ao patrimônio. Se trata-se de liberdade não se exclui esse crime, como no caso de quem pode auxiliar a vítima, no cárcere privado a safar-se e não o faz.

Pratica o crime quem se  recusa a transportar em seu veículo para ser socorrida uma pessoa gravemente ferida(RT 522/398). Já a demora em socorrer pode configurar  o crime de omissão de socorro(RT 541/426). Ainda se entendeu que não há crime se o agente deixa de dar assistência em razão de correr risco pessoal(RT 605/370). Mas o simples temor de represália, sem justificativa, não exime(TACrSP, Julgados 69/397). Ainda se entendeu que configura crime do artigo 135 do CP a conduta do médico que recusa assistência ao doente grave a pretexto de falta de pagamento de honorários ou inexistência de convênio(TACrSP, Julgados 69/397). Comete o crime de omissão de socorro o medico que alega estar de folga quando não há outro médico na cidade(RT 516/347).

O tipo penal é doloso, consistindo na vontade de omitir assistência ao periclitante, devendo o agente ter a consciência de que a vítima se encontra numa das hipóteses previstas na lei penal. Já o erro quanto a situação ou condição perigosa da vítima exclui o dolo, elemento do tipo.

O crime se consuma no momento em que ocorre uma das hipóteses previstas na lei.  A maioria da doutrina entende que não há possibilidade de tentativa.

Voltemos ao assunto greve.

A greve é um direito de coerção que visa à solução de um conflito coletivo. Pode ser considerada um direito potestativo dos empregados. Assim, a parte contrária deve submeter-se à situação. A greve tem um único objetivo: fazer a parte contrária ceder sob um determinado ponto da negociação.

Por fim, a Constituição Federal de 1988 insere a greve no elenco dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores no setor privado. Prevê que a lei definirá os serviços e atividades essenciais e disporá sobre o atendimento às necessidades inadiáveis da comunidade. Apenas os abusos sujeitam os infratores às penas da lei.

A Constituição Federal reconhece ainda, no artigo 37, inciso VII, o direito de greve dos servidores públicos, proibindo-a apenas aos servidores militares. Todavia, o exercício desse direito dependeria da edição posterior de lei complementar para a sua regulamentação. O setor privado é regulamentado pela Lei nº 7.783/1989.

A Emenda Constitucional nº 19/1998 altera o inciso VII, do artigo 37, da CF apenas para dispor que o exercício da greve no serviço público será definido por lei específica, até o momento, contudo, esta lei não foi regulamentada.

Aguarda-se desde esse tempo legislação na matéria.

Foi ajuizado, para tanto, mandado de injunção, diante da mora do legislador.

O STF  decidiu a questão  por maioria (8 votos a 3), nos seguintes termos:

“Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu do mandado de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber, vencidos, em parte, o Senhor Ministro Maurício Corrêa (Relator), que conhecia apenas para certificar a mora do Congresso Nacional, e os Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelo sindicato e estabeleciam condições específicas para o exercício das paralisações. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Lavrará o acórdão o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Não votaram os Senhores Ministros Menezes Direito e Eros Grau por sucederem, respectivamente, aos Senhores Ministros Sepúlveda Pertence e Maurício Corrêa, que proferiram voto anteriomente. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Cármen Lúcia, com voto proferido em assentada anterior. Plenário, 25.10.2007.”

Com esta decisão, o setor público se submete, no que couber, à Lei nº 7.731/1989. Esta decisão terá validade até a aprovação da lei para o setor público.     

Os ministros que votaram em sentido contrário sustentaram que o era necessário estabelecer especificações para o setor público. Ademais, limitavam a decisão apenas aos sindicatos impetrantes.

Depois desta decisão, alguns atores sociais manifestaram suas opiniões sobre o assunto. O Governo Federal sugeriu que deveria ser observado um número mínimo de servidores nas assembléias, devendo ser cortados o ponto nos dias parados, assim como ocorre na iniciativa privada. Além disso, argumentou que se deveria definir quais as áreas essenciais do serviço, com percentual de servidores que deverão assegurar o atendimento à população. 

A Advocacia Geral da União enviou uma proposta para a Casa Civil com regras similares à lei do setor privado: comunicado com 48 ou 72 horas de antecedência da greve; dias parados serão considerados como  faltas injustificadas; reposição de 50% das horas paradas; no caso de greve abusiva haverá o desconto de 30% dos vencimentos mensais até a quitação dos dias.

Há instrumentos para tanto e basta aplica-los, pois  não há vazio jurídico. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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