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O mandado de segurança como instrumento garantidor dos direitos educacionais previstos no art. 208 da Constituição Federal de 1988

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5 - O MANDADO DE SEGURANÇA

Segundo Amaury Silva (2010), não há como definir precisamente a origem do mandado de segurança; porém, pode-se afirmar com toda certeza que sofreu influência do direito comparado. Direitos conquistados com a Revolução Francesa e que foram, em parte, incorporados pelo Código Napoleônico são perceptíveis aos estudiosos desse remédio constitucional.

Mas foi o direito americano, sem dúvida, que mais contribui para a evolução do mandado de segurança como é conhecido hoje. O pragmatismo do direito americano utilizou-se dos chamados writs ingleses para traduzir os pressupostos ideológicos da Revolução Francesa em procedimentos práticos e eficientes na proteção dos direitos da pessoa humana contra os desmandos do Poder Público institucionalizado.

Meirelles (2013), por sua vez, afirma que o mandado de segurança brasileiro inspirou-se no juicio de amparo do Direito Mexicano que vigora naquele país desde 1841 e visa defender o direito individual líquido e certo contra atos de autoridades.

Apesar desta clara influência do direito comparado, Silva (2010) esclarece que o mandado de segurança pode ser considerado um mandamus genuinamente brasileiro; ou, pelo menos, uma teoria brasileira do mandado de segurança.

Nos termos do art. 5º, inciso LXIX da Constituição Federal conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo3, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

Nesse sentido elucida o mestre Hely Lopes Meirelles (2013, p. 27 e 29):

Mandado de segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual ou universalidade reconhecida por lei para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato da autoridade, não amparado por habeas corpus ou habeas data, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. (grifos no original)

Pode-se perceber, pela citação acima, que o mandado de segurança é adjudicado às pessoas para que possam se defender dos atos ilegais ou de abuso de poder das autoridades no âmbito dos Poderes de Estado e até mesmo do Ministério Público. O mandado de segurança é, portanto, um verdadeiro instrumento de garantia dos direitos constitucionalmente reconhecidos.

Para Moraes (2005, p. 136) “o mandado de segurança poderá ser repressivo de uma ilegalidade já cometida, ou preventivo quando o impetrante demonstrar justo receio de sofrer uma violação de direito líquido e certo por parte da autoridade impetrada”. (grifos no original)

O sujeito ativo do mandado de segurança é o titular do direito líquido e certo não amparado por habeas corpus e habeas data; o sujeito passivo é a autoridade coatora que praticou ou está na eminência de praticar ato lesivo a um direito líquido e certo.

Segundo Hely Lopes Meirelles (2013, p. 29):

Não só as pessoas físicas e jurídicas podem utilizar-se e ser passíveis de mandado de segurança, como também os órgãos públicos despersonalizados mas dotados de capacidade processual, como as Chefias dos Executivos, as Presidências das Mesas dos Legislativos, os Fundos Financeiros, as Comissões Autônomas, as Agências Reguladoras, as Superintendências de Serviços e demais órgãos da Administração centralizada ou descentralizada que tenham prerrogativas ou direitos próprios ou coletivos a defender. (grifos no original)

De acordo com o art. 5º, inciso LXX da Constituição Federal o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.

Esse inciso, obviamente, refere-se ao mandado de segurança coletivo que objetiva defender os mesmos direitos que são objetos do mandado de segurança individual, entretanto, está direcionado aos interesses de uma coletividade. A intenção do legislador constituinte – ao estabelecer o mandado de segurança coletivo – foi facilitar o ajuizamento dos associados, evitando, assim, um grande número de idênticas demandas e o consequente atraso na prestação jurisdicional.

Vale ressaltar também que apesar de o mandado de segurança ser uma ação constitucional de natureza civil, nada impede o ajuizamento do mesmo em matéria criminal, mesmo contra ato praticado por juiz criminal no próprio processo penal. Já o prazo para impetração desse instituto é o mesmo tanto na esfera civil quanto na esfera criminal: 120 (cento e vinte) dias a partir da data da ciência do ato impugnado, de acordo com o art. 23 da Lei nº 12.016/09.

Diante do exposto, já é possível concluir, assim como Moraes (2005), que são quatro os requisitos identificadores do mandado de segurança: a) ato comissivo ou omissivo de autoridade praticado pelo Poder Público ou por particular decorrente de delegação do Poder Público; b) ilegalidade ou abuso de poder; c) lesão ou ameaça de lesão e d) caráter subsidiário, ou seja, proteção ao direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data.


6 - O MANDADO DE SEGURANÇA COMO INSTRUMENTO GARANTIDOR DOS DIREITOS EDUCACIONAIS PREVISTOS NO ART. 208 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Como foi possível perceber ao longo desse trabalho, o conteúdo do art. 6º da Constituição Federal estabelece uma gama de direitos sociais fundamentais que visam a melhoria das condições de vida dos hipossuficientes e, consequentemente, a consolidação da igualdade social.

Dentre os direitos sociais fundamentais presentes no art. 6º está o direito à educação. De acordo com o comentário feito acima sobre o art. 208 da Constituição Federal foi constatado que o direito à educação – por ser um direito social fundamental – é um direito público subjetivo, o que obriga uma prestação objetiva por parte do Estado.

Significa dizer que o Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) tem a obrigação formal de garantir educação de qualidade a todos os brasileiros nos termos do caput do art. 208 e de seus incisos. Caso o Estado não cumpra essa obrigação, estará configurada a violação de um direito líquido e certo, que poderá afetar uma pessoa individualmente ou até mesmo toda uma coletividade.

Ora, como foi verificado na parte específica às tutelas constitucionais das liberdades, nem o habeas corpus, nem o habeas data são instrumentos adequados ao ajuizamento de uma ação visando garantir o direito líquido e certo consubstanciado no art. 208 da Constituição Federal. Dito de outro modo, os direitos presentes nesse artigo não são amparados por habeas corpus ou habeas data. Muito menos pelo mandado de injunção ou a ação popular pelos motivos anteriormente elencados.

Caberá, então, ao mandado de segurança garantir a efetividade dos direitos educacionais previstos no artigo em análise. Nesse sentido esclarece Souza (2010, p. 124) que o mandado de segurança:

Alcança, assim, qualquer violação aos princípios constantes do art. 208 da Magna Carta, seja em decorrência de ação ou omissão das autoridades públicas da área educacional, assim entendidas todas aquelas com competência para lançar decisões (e não meros executores materiais de tal postura), que deverão figurar nos autos como impetradas.

Destarte, quando a autoridade pública competente violar algum dos direitos presentes no art. 208 da Constituição Federal, caberá ao titular (ou aos seus representantes legais) do direito material lesado ou ameaçado de lesão impetrar mandado de segurança para salvaguardar o seu direito líquido e certo.

Vale destacar também que o prazo de 120 (cento e vinte) dias para impetração do mandado de segurança previsto no art. 23 da Lei nº 12.016/09 não se aplica aos direitos previstos no art. 208 da Constituição Federal. A violação de qualquer desses direitos, portanto, é permanente, podendo o mandamus ser impetrado a qualquer momento.

Importante salientar ainda as Súmulas 629 e 630 do Supremo Tribunal Federal (STF) que rezam respectivamente: ‘A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes’ e ‘A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria’.

Assim, caso uma associação de pais e alunos deseje, por exemplo, impetrar um mandado de segurança para ter garantido um direito líquido e certo – de um ou mais membros – presente em um dos incisos do art. 208 da Constituição Federal, não precisará da autorização de seus associados, uma vez que a entidade de classe funcionará como substituta processual.

Logo abaixo são citados alguns julgados para corroborar que o mandado de segurança é o instrumento ideal para garantir os direitos educacionais previstos no art. 208 da Constituição Federal de 1988:

MANDADO DE SEGURANÇA - MATRÍCULA EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO PÚBLICA- DEVER DO PODER PÚBLICO - CF/88 - DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO.I. 

O DIREITO INFANTIL À EDUCAÇÃO ESTÁ ERIGIDO NO ART. 208, INC. IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NA LEI 9.394/96, COMO FUNDAMENTAL. TRATA-SE DE PRERROGATIVA INDISPONÍVEL QUE ASSEGURA ÀS CRIANÇAS, COMO PRIMEIRA ETAPA DO PROCESSO DE EDUCAÇÃO BÁSICA, O ATENDIMENTO EM CRECHE E O ACESSO À PRÉ-ESCOLA. PRECEDENTE DO STF.DIREITO CONSTITUCIONAL. 

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EXAME SUPLETIVO. CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DE ENSINO MÉDIO. ALUNA MENOR. APROVAÇÃO EM VESTIBULAR. EXIGÊNCIA DA MAIORIDADE CIVIL PELO IMPETRADO. LIMINAR CONCEDIDA NO JUÍZO A QUO. ACESSO AOS NÍVEIS MAIS ELEVADOS DE ENSINO, SEGUNDO CAPACIDADE DE CADA UM. ART. 208, V DA CF/88. AUSÊNCIA DE FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA DO ESTADO DA BAHIA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.

MANDADO DE SEGURANÇA - ENSINO FUNDAMENTAL NOTURNO REGULAR - RESOLUÇÃO Nº 2.618, DE 01.11.01 - SUBSTITUIÇÃO DO ENSINO REGULAR NOTURNO PELO ENSINO SUPLETIVO - IMPOSSIBILIDADE - DIREITO GARANTIDO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88, NO ART. 208 , INC. VI – INCONSTITUCIONALI- DADE FLAGRANTE - DIREITO LÍQUIDO E CERTO DOS EDUCANDOS - "MANDAMUS" CONCEDIDO. A oferta de ensino fundamental noturno regular é direito constitucional dos educandos, e o seu não oferecimento pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. Mandado de Segurança concedido.


7 - CONCLUSÃO

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, a sociedade brasileira passou a ter inúmeros direitos sociais e fundamentais reconhecidos. Dentre os direitos constitucionalmente garantidos está a educação. A educação é um direito de todos e um dever do Estado; significa dizer que o Estado é obrigado a garantir educação de qualidade a todos os brasileiros.

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Na prática, entretanto, não é isso o que acontece. A educação no Brasil nem sempre é levada a sério e as autoridades (in)competentes praticam atos comissivos ou omissivos ilegais que desvirtuam a finalidade do direito à educação. Esse é o lado negativo amplamente conhecido pela população através dos noticiários.

O lado positivo – e que muitas vezes é desconhecido da sociedade – é que a própria Constituição Federal traz em seu art. 5º os instrumentos necessários para sanar as ilegalidades, abusos e desmandos cometidos por essas autoridades. Dentre esses instrumentos está o mandado de segurança; esse mandamus visa proteger direito individual ou coletivo, líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato da autoridade, não amparado por habeas corpus ou habeas data.

Após tudo o que foi abordado neste artigo ficou evidente que o mandado de segurança é o remédio constitucional ideal para proteger os direitos relacionados à educação, especialmente aqueles previstos no art. 208 da Constituição Federal de 1988.


REFERÊNCIAS

ANDRADE, Cássio Cavalcante. Direito educacional: Interpretação do direito constitucional à educação. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Disponível em <www.senado.gov.br>. Acesso em: 09 de maio de 2014.

BRASIL. LDB. Lei nº 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 11 de maio de 2014.

BRASIL. Mandado de segurança individual e coletivo. Lei nº 12.016/09. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 19 de maio de 2014.

BRASIL. TJ-DF - Mandado de Segurança MS 52864120108070000 DF 0005286-41.2010.807.0000 (TJ-DF). Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/busca?q= Art.+208%2C+inc.+ II+da+Constitui%C3%A7%C3%A3o+Federal+de+88> Acesso em: 19 de maio de 2014.

BRASIL. TJ-BA - Agravo de Instrumento AI 00133863420138050000 BA 0013386-34.2013.8.05.0000 (TJ-BA). Disponível em: http://tj-ba.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ 115929576/agravo-de-instrumento-ai-133863420138050000-ba-0013386-3420138050000 Acesso em: 19 de maio de 2014.

BRASIL. TJ-PR - Mandado de Segurança MS 1168403 PR 0116840-3 (TJ-PR). Disponível em: <http://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6422180/mandado-de-seguranca-ms-1168403 -pr-0116840-3> Acesso em: 19 de maio de 2014.

MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnold; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e ações constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2013.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2005.

SILVA, Amaury. O novo mandado de segurança. Leme: JH Mizuno, 2010.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2002.

SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Direito educacional. São Paulo: Verbatim, 2010.


Notas

1Os direitos à moradia e à alimentação foram inseridos no rol do art. 6º, respectivamente pelas Emendas Constitucionais nº 26/00 e nº 64/10.

2Constitucionalmente falando, cidadão é o indivíduo que está em pleno gozo dos direitos políticos e civis de um Estado.

3Direito líquido e certo é o que resulta de fato certo, ou seja, é aquele capaz de ser comprovado, de plano, por documentação inequívoca.

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Sobre o autor
Aroldo Arley Severo Gonçalves

Advogado e Servidor Público Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Aroldo Arley Severo. O mandado de segurança como instrumento garantidor dos direitos educacionais previstos no art. 208 da Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4467, 24 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42867. Acesso em: 3 mai. 2024.

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Artigo elaborado como requisito parcial para a obtenção do título de Pós-Graduação em Direito Educacional do Centro Universitário Claretiano.

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