I-INTRODUÇÃO:
Segundo o artigo 3º do Decreto 3298 de dezembro de 1999, o qual regulamenta a lei 7853/1989, considera-se deficiência a perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade dentro do padrão considerado normal para o ser humano. A deficiência permanente é aquela que não permite recuperação ou alteração apesar do aparecimento de novos tratamentos, por já ter corrido tempo suficiente para a sua consolidação.
Já a incapacidade, é redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida. (1)
O artigo 4º do referido decreto enumera as categorias em que se enquadram os portadores de deficiências, quais sejam:
a-Deficiente físico: é o portador de alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física;
b-Deficiente auditivo: o acometido de perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras;
c-Deficiente visual: aquele que possui diminuição da acuidade visual, redução do campo visual ou ambas as situações;
d-Deficiente mental: aquele cujo funcionamento intelectual é significativamente inferior à média, sendo esta manifestação presente desde antes dos dezoito anos de idade e associada a limitações em duas ou mais áreas de habilidades adaptativas (comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, utilização da comunidade, saúde e segurança, habilidades acadêmicas, lazer e trabalho);
e-Deficiência múltipla: quando ocorrem associações de duas ou mais deficiências.
Há inúmeras outras leis que buscam regulamentar os direitos da pessoa
portadora de deficiência. São leis esparsas dentro das esferas federal, estaduais e municipais, bem como uma série de decretos regulamentares, portarias e resoluções, sendo que algumas se referem a deficiências específicas. Destarte há grande dificuldade na aplicação desta legislação.
II- O CÓDIGO CIVIL E O DEFICIENTE:
O vigente Código Civil brasileiro não trata explicitamente dos direitos dos deficientes, todavia os institutos relacionados à capacidade da pessoa natural afetam diretamente aos portadores de necessidades especiais.
Como consta do artigo 1º do Código Civil, toda pessoa é capaz de direitos e deveres, não havendo, portanto, nenhum tipo de discriminação. Ressalta-se, porém, que a capacidade se desenvolve com o correr da vida, assim determinadas condições próprias do ser humano podem oferecer-lhe restrições.
Estas restrições são aquelas reconhecidas pela lei e referem-se tanto a fatores gerais como a idade (maioridade, menoridade) quanto a condições especiais (deficiências). A estas restrições o direito atribui a denominação de incapacidades.
Segundo a Professora Maria Helena Diniz (2), o instituto da incapacidade busca proteger os portadores de uma deficiência jurídica apreciável. Esta proteção é assim graduada em: total privação do agir jurídico (absolutamente incapazes) ou privação parcial (relativamente incapazes). Aos primeiros a lei determina que, para que possam exercer os atos concernentes à vida jurídica, sejam representados; já os segundos serão, apenas, assistidos.
O artigo 3º do Código Civil atualmente vigente, em seu inciso II, apresenta alterações em relação ao Código Civil anteriormente vigente, de 1916, no que tange aos deficientes mentais. A antiga expressão constante do código anterior "loucos de todo gênero" foi abandonada, pois, segundo a doutrina, trazia uma série de confusões pelo conteúdo demasiado amplo que possuía ("diz tudo e não diz nada") (3). O artigo em questão deve ser apreciado em conjunto com o artigo 4º, incisos II e III, o qual trata dos relativamente incapazes.
A importância dos dispositivos acima citados para os portadores de necessidades especiais diz respeito à questão da interdição. Esta é processo judicial através do qual o considerado incapaz estará privado do exercício de determinados atos jurídicos e sujeito ao instituto da curatela.
A curatela é "o encargo público cometido, por lei, a alguém para reger e defender uma pessoa e administrar os bens de maiores incapazes, que, por si sós, não estão em condições de fazê-lo, em razão de enfermidade ou deficiência mental". (4)
Destarte o curador administrará os bens de outra pessoa, impossibilitada de fazê-lo. É, também, instituto de proteção.
O Código Civil atual em seu artigo 1767 define quem, em razão de sua incapacidade, está sujeito à curatela (5):
I)Os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;
II)O que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;
III)Os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;
IV)Os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;
V)Os pródigos.
Este instituto corresponde ao artigo 446 do Código Civil de 1916, o qual repetia a expressão "loucos de todo gênero" constante da parte geral, anteriormente comentada.
Ressalta-se que, como já dito anteriormente, o deficiente mental não é apenas protegido pelo Código Civil, há inúmeras outras legislações que os resguarda. Dentre estas, normas internacionais como os "Princípios para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e para a Melhoria da Assistência à Saúde Mental", da Organização das Nações Unidas, de 17/12/91 e resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Dentre estas se destaca a Resolução CFM 1598/00 (6) a qual normatiza o atendimento médico a pacientes portadores de transtorno mental. O fundamento desta resolução é a preservação da dignidade do paciente psiquiátrico, para que, quando da necessidade de internação do mesmo, não seja submetido a condições degradantes, nem submetidos a possíveis abusos.
Assim em seu art. 15 define as modalidades de internação passíveis de ocorrência em Psiquiatria, quais sejam: voluntária, involuntária, compulsória por motivo clínico e por ordem judicial, após processo regular.
A internação voluntária é feita de acordo com a vontade expressa do paciente em consentimento esclarecido firmado pelo mesmo. Já a involuntária é realizada à margem da vontade do paciente, quando este não tem condições de consentir mas não se opõe ao procedimento. Pode ocorrer por motivo clínico quando o paciente recusa medida terapêutica por qualquer razão. Trata-se de internação compulsória por decisão judicial quando resultante de decisão de um magistrado.
A referida resolução passa, então, a enumerar procedimentos que devem ser observados quando ocorram as citadas modalidades de internação, sendo a maior preocupação a normatização quando da involuntariedade e compulsoriedade do evento. Destaca-se que nas internações involuntárias e compulsórias não judiciais há necessidade de avaliação do paciente por junta médica e existência de um responsável legal pelo interno. para que os institutos da interdição e curatela não sejam utilizados em prejuízo deste.
Como já salientado pela jurisprudência e doutrina, a senilidade per se não é determinante de interdição. (7)
O inciso II do citado artigo 1767 abrange aos surdos-mudos, com a ressalva de que não tenham recebido educação apropriada, portanto, não estejam aptos a exprimir sua vontade.
Inova no ordenamento o código atual ao permitir (artigo 1780) que o enfermo ou portador de deficiência física possa, por si próprio ou através de seus representantes legais, tenha legitimidade para requerer a curatela de todos ou parte de seus bens. Este dispositivo ampliou o escopo do instituto, restrito, até então aos deficientes mentais. A única ressalva, já salientada pela melhor doutrina, trata-se da abrangência do termo enfermo.(8)
III- CONCLUSÕES:
Apesar de não trazer em seu corpo dispositivos específicos no que tange à proteção dos portadores de necessidades especiais, os institutos da capacidade civil e da curatela a estes se aplicam.
Assim como toda a legislação protetiva referente aos portadores de deficiências, tanto constitucionais quanto inconstitucionais, estes institutos fundamentam-se no princípio da dignidade da pessoa humana.
IV- NOTAS BIBLIOGRÁFICAS:
(1) Decreto nº 3298 de 20 de dezembro de 1999 <htpp://www.mj.gov.br/conade/dec_3298.htm> Acesso em 29 abr. 2003.
(2) DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo, Saraiva, 2002. v.1. pgs 138 a 141.
(3) MALHEIROS, Antonio Carlos e CASABONA, Marcial Barreto. Da Curatela. in DIAS, Maria Berenice e PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.) Direito de Família e o Novo Código Civil. Belo Horizonte, Del Rey e IBDFAM, 2002. pg 284.
(4) DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo, Saraiva, 2002. pg 1149.
(5) MALHEIROS, Antonio Carlos e CASABONA, Marcial Barreto. Da Curatela. in DIAS, Maria Berenice e PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.) Direito de Família e o Novo Código Civil. Belo Horizonte, Del Rey e IBDFAM, 2002. pg 284.
(6) Resolução CFM nº 1598/00
<htpp://www.cremesp.org.br/administra/deptos/def/doc/RESOLUÇÃO_CFM_1598-00.doc> Acesso em 26 mai. 2003.
(7) DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo, Saraiva, 2002. pg 1149.
(8) MALHEIROS, Antonio Carlos e CASABONA, Marcial Barreto. Da Curatela. in DIAS, Maria Berenice e PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.) Direito de Família e o Novo Código Civil. Belo Horizonte, Del Rey e IBDFAM, 2002. pg 293 a 294.