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Responsabilidade do Estado brasileiro pela concretização da razoável duração do processo

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05/10/2015 às 15:37
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3. A DIFÍCIL CONCILIAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA COM A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO O PROCESSO

Para o Ex-Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, um dos responsáveis pelas reformas do Código de Processo Civil, a Constituição Federal de 1988, inegavelmente priorizou o acesso à justiça30 e o Estado deve ser responsável em garantir a todos os brasileiros a utilização da jurisdição estatal para resolver seus conflitos.

Até nas regiões mais distantes o princípio há de ser respeitado, e nesta tentativa, ressaltamos a importante criação da Justiça Itinerante31 pela Emenda Constitucional 45, que disponibiliza por meio de unidades móveis, geralmente, por meio de ônibus adaptados, em levar a atividade jurisdicional do Estado aos lugares mais longínquos e carentes de recursos. É composta por um juiz, conciliadores e defensores públicos, que visam a solução dos conflitos por meio da conciliação, que, em não sendo possível haverá o encaminhamento das partes ao juízo comum para instaurarem um processo judicial.

Um outro estudioso do acesso à justiça e da falta de efetividade dos direitos é Kazuo Watanabe, na qual versa ser um desafio em se criar uma nova mentalidade nos jurisdicionados a fim de que se assegure em tempo hábil não só o acesso, mas á “ordem jurídica justa”32.

Do outro lado do Atlântico, em Portugal, como destaca Ronnie Preuss Duarte, o tema de garantia de acesso à justiça também é popular33. É chocante como o Direito brasileiro e o lusitano compartilham dos mesmos temas e problemas como o acesso à justiça, falta de efetividade dos direitos, duração razoável do processo e tutela processual dos interesses difusos.

Em posição cética, Rodolfo de Camargo Mancuso critica o tema. Se o acesso à justiça é festejado por muitos, ele diz que o mesmo pode ser visto por parte dos jurisdicionados, infelizmente, como uma franquia à litigiosade, elencando três efeitos deletérios34:

“1 – Parece aos jurisdicionados que a judicialização dos conflitos é o caminho natural de resolução de interesses contrariados, 2 – Passa a (falsa) idéia de que toda pretensão insatisfeita deva ser resolvida por uma questão de mérito. 3. - Desestimula a busca pela solução alternativa de conflitos”. 35

3.1. A difícil conciliação dos institutos processuais com a razoável duração do processo

Em relação a um certo cálculo de dias que um processo no procedimento ordinário pode levar, havendo a ressalva que, inexistem quaisquer normas ou construções doutrinárias estipulando a duração geral exata do processo, tanto civil, administrativo ou penal no Brasil. Como dito alhures, diferentemente do que já se pensa nos Estados Unidos através da American Bar Association - ABA (Associação dos Advogados Norte-Americanos), não existem estudos sobre os chamados prazos globais do processo, que seriam, portanto, qual o tempo esperado que um determinado tipo de ação deva levar, sendo levados em consideração no cálculo o direito material e o tipo de jurisdição do caso.

O que podemos pensar, é tomando-se por base os prazos do Código de Processo Civil brasileiro, que norteiam o procedimento ordinário, somando-os chega- se a um total de cerca de 180 dias, equivalente a 6 meses, e isso sem se contar o prazo de subida dos autos às instâncias superiores e diversos recursos possivelmente interpostos.

Temos assim, uma idéia do que seria, em termos de primeira instância uma prestação jurisdicional perfeita, ou se perto deste número de dias, ideal. Porém, a situação da justiça brasileira é o contrária a essa.

O magistério de José Rogério Cruz e Tucci pondera que “obviamente, o processo, com a sucessão de atos que lhe e próprio, reclama um considerável lapso temporal”36. O acesso à justiça pode sim, ser um sinal de democratização da mesma, mas seu intuito não é buscar celeridade. Seu intuito inicial, cremos, é a de se garantir direitos, fazendo valer os elencados na constituição. Assim, a noção chiovendiana de efetividade37 é tida como simplista se comparada aos estudos mais modernos que anseiam por um processo civil apto, a não só ser ágil, mas concomitantemente, assegurando direitos.

A celeridade, como solução processual, obviamente, não deve ser buscada a qualquer custo, e sim a propiciar uma razoável duração. Quem deseja Justiça rápida e injusta? O que se deve estudar, é que a duração razoável do processo que clama pela identificação do seu tempo fisiológico, ou seja, da duração necessária à correta apuração da verdade e a devida participação das partes. Vislumbra-se que é a busca pelo ótimo, pelo melhor tempo processual, pela diminuição, do chamado tempo morto do processo, em que este fica meses, ou mesmo, anos, parado nas prateleiras aguardando um mero carimbo.

O desafio, é fazer com que tais institutos valham para todos e que sejam corretamente aplicados. O Estado é desigual, para isso o juiz deve possuir um papel ativo no processo, para ter certeza de que está informado e que está buscando um resultado justo38, mesmo quando há diferença econômica ou de tamanho entre os litigantes, como por exemplo, grandes bancos litigando sobre tarifas contra uma associação de consumidores.

Como remédio contra a morosidade da justiça, há a previsão legal de antecipação dos efeitos da tutela no início do processo, concedendo ao autor o direito antes mesmo de seu juglamento. Assim, sobre o tema da adoção indiscriminada das tutelas de urgências, como preleciona Luiz Guilherme Marinoni, esta pode gerar grave prejuízo ás partes39, na esteira da insegurança jurídica, pois várias situações da vida comum, ficam permanecidas, por longo tempo, regidas por tutela de urgência, criando forte expectativa de direitos nos jurisdicionados. A nosso ver, pode vir a alterar a concepção de que o Poder Judiciário é um pacificador social, pelo contrário, pode corroborar ainda mais para que o “vencido” não se conforme com o resultado.

Pensamos, porém, ser plenamente possível a conciliação da celeridade com um processo de cunho garantista. Uma coisa não precisa necessariamente excluir a outra.

Como expõe Gustavo Tepedino, os juizados especiais, os tribunais arbitrais e as medidas de conciliação, são exemplos de soluções compatíveis com a diversidade das partes e interesses específicos em conflito40. Ainda no ensinamento do ilustre civilista, tais hipóteses, possuem mecanismos de solução específicas para cada problema, que sacrificam algumas garantias processuais clássicas dos ritos convencionais, com seus amplos recursos e prazos, mas pretendem atender os jurisdicionados de forma satisfatória. A justiça convencional, em última análise, há de ser reservada a quem precise dela. Tal concepção teórica, vem de certa forma a corroborar a exposição crítica exposta alhures pelo processualista Rodolfo de Camargo Mancuso.

A idéia seria, portanto, de se desafogar o Poder Judiciário, de modo que, ampliando-se os acessos às Justiças (especial, convencional e privada) possam ser obtidas soluções mais céleres e de acordo com os interesses dos postulantes.

3.2. Reformas Legislativas Ineficazes

Um dos temas mais atacados pelos estudiosos de processo civil é o complexo sistema de recursos no Brasil. Esta problemática repousa sobre certas heranças históricas. O Código de Processo Civil de 1939 de autoria41 de Pedro de Batista Martins herdava a lusitana multiplicidade de recursos e procedimentos especiais, que prezava pela segurança, mas tornou-se estigma de morosidade e burocratização dos processos42.

Já pregava o autor do vigente Código de Processo Civil Alfredo Buzaid que :

“[…] dentre tôdas as partes do Código, aquela que apresenta maiores defeitos é, sem duvida nenhuma, a do sistema geral de recursos. Múltiplo, complexo e eriçado de dificuldades, constitui fonte permanente de tropeços para os que lidam no foro e uma arma poderosa de procrastinação dos feitos.” 43.

O aclamado Código de 1973, tido como moderníssimo por compartilhar dos instrumentos processuais mais avançados à época, possui peculiaridades pouco conhecidas. Preocupado com a ineficiência jurídica, o governo militar convidou o eminente processualista paulista, Alfredo Buzaid, para a sua elaboração. Prestigiado acadêmico e então Ministro da Justiça, o eminente professor usou de suas atribuições políticas, forçando de tudo, para aprovar logo o código, retirando-lhe o debate democrático necessário para sua aprovação no legislativo e por um número maiores de juristas da comunidade jurídica, refletindo por certo, a época totalitária em que se vivia.

Como expõe Sálvio de Figueiredo Teixeira, apesar da “técnica legislativa refinada, muito desejou em termos de aplicação44, pois apesar da magnitude dos juristas que compuseram o grupo de criação com o Alfredo Buzaid, “estes não militavam no dia-a-dia do foro, notadamente o de primeiro grau, onde se desenrolava a época 45 , o maior número de causas”. Um dos esdrúxulos legislativos da época foi o chamado procedimento sumaríssimo, que já nasceu ineficaz.

Muitos anos se passaram, diversas reformais pontuais foram introduzidas ao Código. Hoje, verdadeira colcha de retalhos sobre tecido de seda. Por economia didática e duração razoável da leitura da presente tese, não citaremos fase por fase, pois a doutrina brasileira já dispõe de amplo material sobre o assunto46.


4. RESPONSABILIDADE COMO NORMA DEFINIDORA DE TAREFA DO ESTADO.

Alguns autores, ao tratarem de responsabilidade civil do Estado, omitem o termo civil da expressão, pois entendem haver redundância na expressão. Vez que tendo em vista a personalidade jurídica do Estado, seria impossível se cogitar da sua responsabilidade penal, ou ainda, por entenderem que o termo “responsabilidade civil” há de ser reservado aos particulares aplicando-se a sistemática de responsabilização do Código Civil nas relações privadas, apenas.

Pensamos deste modo, e para elucidar, realizamos no presente estudo uma dicotomia. Ao tratarmos de “responsabilidade do Estado”, utilizando esta expressão retromencionada sem o uso do verbete “civil”, estamos nos referindo a tarefas, de cunho programático e de organização do Estado. Assim, a responsabilidade do Estado pela razoável duração do processo civil é uma tarefa a ser concretizada por meio de ações ou reformas do Poder Judiciário pelo próprio Estado, por mais dificuldade que este tenha, pois, principalmente as normas de conteúdo constitucional, no entendimento de Konrad Hesse, são um compromisso do Estado para com a sociedade, devendo ser efetivas e vinculantes, para ensejar, como fim precípuo, uma melhora do serviço judiciário47.

Já a expressão “responsabilidade civil do Estado”, reservamos especificamente para discorrermos sobre o dever de indenizar deste para com os particulares diante da violação à razoável duração do processo civil.

4.1. Providências constitucionais que impactam na responsabilidade do estado como normas tarefa

De um modo geral, a emenda constitucional nº 45, foi vista de forma muito positiva pelos estudiosos do poder judiciário. Havendo de certa maneira, um papel moralizador, concretizando a reforma da qualidade do Poder Judiciário como tarefa de Estado.

Uma das principais providências para realizar a tarefa do Estado em servir jurisdição pelo Poder Judiciário em tempo hábil e eficiente foi a criação do Conselho Nacional de Justiça, órgão que integra o Poder Judiciário e realiza controle administrativo externo e disciplinar de seus membros.

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Uma outra inovação pela Emenda 45 que cabe realce, é a prestação jurisdicional ininterrupta, elencada no art. 93, inciso XII da C.F., que constituiria um direito essencial de poder não só ingressar a demanda, como de ter a certeza que a mesma está sendo trabalha em todos os dias do ano. A forma anterior, era vista por Cândido Rangel Dinamarco, como uma irreparável ineficiência do Estado48 na garantia do serviço judiciário.

Se a justiça não pode tirar férias, o fórum também não pode, pois a justiça pública deve estar minimamente povoada para se alcançar a razoável duração do processo49. Em comento, o referido artigo 93 da Constituição Federal possui outros regramentos a serem respeitados pela administração judiciária dos tribunais do Brasil, que deverão se organizar para atender ao comando da norma, dentre elas: “o juiz titular residirá na comarca onde trabalha, salvo autorização pelo tribunal, a atividade jurisdicional será ininterrupta e, os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório”.

O último mandamento veio ratificar o artigo 162 do Código de Processo Civil, a nosso ver uma forma de “terceirização implícita da justiça”:

“Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. Os atos meramente ordenatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessário.”

E, ainda, há a necessidade de se realizarem concursos públicos para atender ao inciso XIII do mesmo artigo 93, que dispõe: “o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população”.

A duração razoável visa a garantir direitos em tempo hábil, dos mais básicos, aos mais avançados, como o da defesa do consumidor50. Tal afirmação, compõe a chamada segunda onda renovatória do processo civil, notadamente a judiciabilidade de interesses metaindividuais51. Tais conflitos possuem uma intensa litigiosidade interna a ser suprimida pelo Poder Judiciário, constituindo-se em verdadeiros megaconflitos, abarcando, por exemplo, milhares ou até milhões de jurisdicionados, como no caso da revisão das tarifas das companhias de telecomunicação.

Deste modo, como já salientado, o próprio Estado possui uma tarefa em concretizar, modernizar, moralizar seus institutos e órgãos que compõem e impactam diretamente na vida de seus cidadãos. O Poder Judiciário foi o grande contemplado através da Emenda Constitucional 45.

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Trabalho de Conclusão de Curso sob a orientação do professor Gustavo Kloh Muller Neves apresentado em novembro de 2010 à FGV DIREITO RIO como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

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