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Da necessidade de releitura do princípio da anterioridade eleitoral

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Da releitura do princípio da anterioridade eleitoral à luz do princípio da moralidade administrativa.

Com a análise da lei complementar 135/10, decidiu-se pela constitucionalidade de sua previsão. Contudo, no que tange à sua aplicação para as eleições de 2010, como sua alteração deu-se a poucos meses da mesma, ficou definido que a restrição das candidaturas por crimes praticados pelos parlamentares ou por rejeição de contas com irregularidades insanáveis de improbidade administrativa iria à contramão da proteção às minorias.

Ocorre que, por mais que o princípio supracitado vise proteger as minorias, há de se reconhecer que o espírito do artigo 16 da Lei Fundamental pauta-se em não permitir que haja golpe político que exclua candidatos ou partidos, como por diversas vezes já ocorreu na história do Brasil, o que é completamente diverso de afastar-se do processo eleitoral candidatos que não seguem os ditames constitucionais da moralidade administrativa.

Destarte, tem-se que em uma balança dos valores constitucionais, o princípio da anterioridade eleitoral deve ser interpretado em consonância com o princípio da moralidade administrativa, traduzindo-se, assim, em nova e verdadeira forma de defesa a todo o eleitorado, fortalecendo sobremaneira a transparência da administração pública, o princípio republicano e o Estado Democrático de Direito.

Em relação ao posicionamento aqui adotado, na mesma linha de raciocínio Lucas Thalys de Araújo Rocha, Lucas Souza Pereira (2011) pontuam:

Após analisar as interpretações dos juízes do STF expostas no decorrer do artigo, concluímos que a decisão da maioria destes juízes de adiar a eficácia da lei complementar nº 135 de 2010 foi inapropriada, nas palavras de Dworkin não seria a decisão correta para um caso que envolvia um conflito entre a soberania popular e uma segurança jurídica formalista, entre direitos das minorias e os das maiorias.

Isso porque nossa interpretação da teoria de direito de Dworkin, o direito como integridade, faz nos crer que a decisão que deveria ser tomada por nossa Suprema Corte não deveria apenas estar em correspondência com o passado, mas também deve estar em concordância com os preceitos morais do presente, mostrar a prática jurídica como produto de uma comunidade unida pelos princípios mais equitativos, que para nós são os da democracia e da moralidade política.

(...)

Para nós, se fosse aplicada imediatamente a Lei da Ficha Limpa tanto se respeitaria a soberania popular quanto a Constituição, porque é nela que se prevê a necessidade de moralização da política a partir de estabelecimentos de critérios que permitam as pessoas escolherem representantes digno. Este é só o passo inicial para que se expulse a corrupção de nosso Estado Democrático de Direito, pois será ainda mais necessário uma maior transparência do governo brasileiro que permita aos cidadãos questionar os atos dos governantes.

 Portanto, partindo-se da devida adequação entre ambos os princípios constitucionais, tem-se que alterações benéficas ao processo eleitoral não devem ser afastadas pelo princípio da anterioridade eleitoral, insculpido no artigo 16 da Carta Magna, uma vez que seu objetivo é exatamente aperfeiçoá-lo, não devendo haver óbices para o aperfeiçoamento do sistema eleitoral.


Conclusão

Em um país que vivencia seus primeiros passos democráticos, verificar os limites e possibilidades de alteração na seara eleitoral torna-se essencial.

As necessidades da sociedade brasileira frente aos disparates políticos que se perpetuam não podem ficar sem escuta. Limitar a interpretação do artigo 16 à sua literalidade é ignorar o objetivo sistêmico de coadunar e sopesar todos os princípios constitucionais em face de um fato determinado.

Neste sentido, tratando-se de princípio, o qual, conforme visto, têm maior carga valorativa que uma regra, é necessário ampliar sua abrangência, sabedores que qualquer regra jurídica benéfica implantada no ordenamento jurídico não tem o condão de macular o sistema eleitoral, ao contrário, serve de aperfeiçoamento aos ditames democráticos.

Desta forma, notou-se que a releitura do princípio da anterioridade eleitoral, interpretado em consonância com o princípio da moralidade administrativa, é medida imprescindível para a consolidação da transparência política e eleitoral, bem como para o fortalecimento dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito.


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Nota

1 Draiton Gonzaga de Souza e Luis Rosenfield (2014), em posição contrária da aqui aventada, ao analisarem a Lei Ficha Limpa, chegam a concluir pela sua inconstitucionalidade em virtude da violação da teoria da soberania popular. Contudo, aqui se conclui de forma diversa do aventado, pois, caso assim o fosse, a soberania popular deveria ser ilimitada, de forma que a própria Constituição Federal não poderia restringir o direito em ser eleito, como faz com o analfabeto. Desta forma, como não há que se falar em inconstitucionalidade de normas oriundas do poder constituinte originário, tal violação parece insustentável, uma vez que a própria Carta Política cria hipóteses de limitação. 

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Sobre os autores
Guilherme Piccinin de Oliveira

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, com extensão em advocacia previdenciária pela Escola Superior da Advocacia-ESA. Especializando em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito-EPD. Conferencista. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VAILATTI, Diogo Basilio ; OLIVEIRA, Guilherme Piccinin. Da necessidade de releitura do princípio da anterioridade eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4494, 21 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/43563. Acesso em: 30 abr. 2024.

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