Novos atores da política criminal: delegados de polícia

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A possibilidade de atuação dos delegados de policia no âmbito preventivo com a aplicação dos princípios da política criminal, criando-se um novo ator em um mecanismo necessário ao progresso da segurança pública.

O avanço da criminalidade, o colapso da segurança pública, a precariedade das leis penais, a ausência estatal, fundamentam a necessidade de soluções amplas com a utilização de ferramentas preexistentes, como as premissas traçadas pela Política Criminal. A inserção de novos atores no cenário criminal, através da atuação diferenciada das instituições policiais repressivas, no exercício pleno de princípios e ações de caráter preventivo podem diminuir os impactos da violência e atenuar a constante sensação de insegurança social.

A própria Constituição da República de 1988, com suas normas e elementos basilares do Estado Democrático de Direito, traz consigo a necessidade de rever os alicerces do modelo de formação dos profissionais da área de segurança pública.

Além disso, há um anseio premente, tanto da sociedade, como dos agentes públicos da área policial, do exercício de atividades preventivas ou no mínimo mais eficientes, para que se evite a perda de legitimidade social dos corpos de polícia, altamente suscetíveis à ação das ideologias do poder e de ingerências políticas.

Nesse contexto, entende-se plausível atribuir aos delegados de polícia, efetivamente detentores de grande conhecimento jurídico – social, o cumprimento de funções extraprocessuais.

Com a execução plena de atividades paralelas as suas atribuições, os delegados de polícia serão capazes de uma leitura do cotidiano da atividade policial, frente ao fenômeno criminal, integrando uma função essencial como novos atores da política criminal, emergentes de uma nova faceta da ação estatal, frente os imperativos da realidade nacional, marcada pelos surtos quase que intermitentes de uma escalada de violência. 

Diante dos desafios da sociedade, e, de todo invólucro da criminalidade, os delegados de polícia podem buscar uma atuação funcional racionalmente estruturada, com desempenho através de uma aptidão analítica, composta pelo conhecimento multidisciplinar, buscando-se compreender e transformar o ambiente institucional, intervindo diretamente nos ambientes socialmente relevantes, impondo uma eficiência nos serviços prestados, para ao final, prevenir o crime e solucionar os que já aconteceram.

Esse é o pensamento do professor Paulo Antônio Coelho dos Santos, membro do Núcleo de Pesquisas Jurídicas Cearense, citado por Archimedes Marques: "O Delegado de Polícia, assim como qualquer dos agentes essenciais à Justiça (Promotor, Defensor e Juiz), não é autômato, que cumpre sem questionar dispositivos legais e se mantém alheio à criminologia. Pelo contrário: é uma peça fundamental na concretização da pacificação social, que deve atuar não só reprimindo e investigando, mas prevenindo e modificando a realidade brasileira".

Refletindo o tema em um prisma experimental, chegamos a seguinte indagação: quais possíveis atividades podem ser exercidas pelos delegados de polícia em face da política criminal?

No Brasil já há algumas tentativas isoladas de aplicação de politicas preventivas desempenhadas diretamente pelas autoridades policiais(delegados de polícia), contudo ainda sem uma força social e aplicabilidade geral, tendo em vista a resistência de alguns membros de outras carreiras jurídicas que cominam ao legalismo extremo, a impossibilidade da criação de mecanismos que fomentem o aperfeiçoamento e a extensão de atribuições de cargos.

No ano de 2009 foi criado na cidade de Bauru, Estado de São Paulo, o Núcleo Especial Criminal - NECRIM, cujo objetivo foi exercitar a prática de Polícia Judiciária Comunitária, mediante conciliações preliminares, promovidas pelo Delegado de Polícia entre as partes envolvidas nas práticas de delitos de menor potencial ofensivo, formalizando o correspondente termo, posteriormente apreciado pelo Ministério Público e do Poder Judiciário. O projeto acabou ganhando força e hoje já foi implantado em dezenas de outras cidades do Estado de São Paulo, e, em Estados, como Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul. 

Outra atividade que possui eminente caráter preventivo é a atuação do delegado de polícia dentro de uma ótica analítica criminal.

Estamos acostumados a observar estatísticas que tratam sobre o aumento de crimes graves, a ineficácia das penas, a influência das drogas, e, tantos outros fatores que interferem direta e indiretamente na violência. Baseado nas disposições estatísticas, quadro comparativos e demais estudos realizados sobre a criminalidade, o delegado de polícia, como ator da política criminal, poderá propor, na sua área de atuação específica, estudos analíticos sobre a origem e motivos dos crimes, áreas geográficas propícias à inserção de políticas públicas, e, perfil de criminosos. Com base na análise criminal, os delegados de policia podem apresentar sugestões restritivas, tanto no aspecto repressivo, como preventivo, sugerindo aos gestores do sistema de segurança pública um direcionamento nas ações estatais.

Um papel primordial, que também pode ser desenvolvido pelos delegados de polícia, é o de propagador de conhecimento jurídico diretamente na educação social. A atuação das autoridades policiais frente à realização de palestras em unidades escolares, a participação efetiva em reuniões com a comunidade, ou mesmo, a disponibilização de cursos sobre a legislação brasileira, são alguns atos simples que influenciam a prevenção de delitos, refletindo no fortalecimento das instituições policiais.

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Percebemos pelas proposições, a existência de algumas ações, que apesar de limitadas, possibilitam a atuação dos delegados de polícia no âmbito da política criminal, medidas simples que quando propagadas no meio policial, possam subsidiar uma união de esforços da sociedade, legisladores e dos responsáveis pela segurança pública, para uma execução plena das atividades propostas.

Enfatiza brilhantemente o professor Fernando Antônio da Silva Alves (2007): “É ampliando a visão sobre esses agentes públicos(delegados de polícia) e não limitando sua função a uma velha visão liberal-individualista de meros paladinos da ordem pública, bacharéis dotados de um saber tradicional letrado, envolto nas amarras de um positivismo jurídico, que poderá ser construído, em um possível futuro, um modelo alternativo de gestão das atividades de segurança pública, mais consentâneo com as novas dimensões e proporções conferidas ao fenômeno criminal.”

Apesar de não ser tão simples o exercício de atividades alienígenas pela autoridade policial, hoje, em um ambiente criminal muito complexo é importante o empenho profissional em ações voltadas para a política criminal, ensejando a solidificação de um novo ator essencial a uma segurança pública de qualidade.

Emerge, em virtude de toda problemática criminal, a desvinculação da política criminal de uma linha totalmente garantista, compromissada com uma gama de atividades que vise à repressão penal preventiva ante o exercício do emprego da força por agentes estatais habilitados. 

O Delegado de Polícia, como novo ator da política criminal, passa a ter importância quando integra sua atividade a outras áreas de conhecimento, deixando de observar somente os ditames de um normativismo meramente subsuntivo, pautado pela obediência aos códigos, e, passando a exercer atividades que lidam com uma multiplicidade de dimensões do fenômeno criminal que se volta o desenvolvimento do aparelho policial. 

Nem mesmo a visão retrógada de modelo policial, calcada em concepções positivistas, pode impedir que os delegados de polícia, homens possuidores de extenso conhecimento, bacharéis em Direito, ganhem uma envergadura sociopolítica quando se passa a observar com um olhar sociológico a relevância de uma função que transpõe os muros da academia jurídica. 

Portanto, o desempenho de funções pelos delegados de polícia em um campo criminológico de prevenção, atuando com as novas dogmáticas buscadas pelos preceitos da política criminal, ensejará possibilidades de tornar o direito penal mais preventivo, frutificando ações reais para uma melhoria substancial da Segurança Pública. 

Sobre o autor
Roberth José de Sousa Alencar

Atuo na área de Direito, com ênfase em Direito Público, especificamente nas áreas de direito penal e estatal. Sou Delegado de Polícia Civil do Estado do Acre há mais de oito anos e ex-professor das disciplinas de Direito Penal, Direito Processual Penal, Introdução à Ciência do Direito em Instituições de Ensino Superior, lecionando ainda em cursos preparatórios para concurso público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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