A responsabilidade penal da pessoa jurídica tem como comando de criminalização o disposto no art. 225, §3º da CF/88. Por sua vez, a Lei 9.605/98 em seu artigo 3º regulamentou o assunto.
Quem argumenta pela não responsabilidade penal da pessoa jurídica, alega resumidamente que a pessoa jurídica não tem vontade, por isso, não pode cometer nenhum tipo de ato ilícito. Por essa ótica, quem comete o crime não é o ente, mas sim os sócios ou diretores. Filiam-se a essa corrente, penalistas de renome como Nelson Hungria, Julio Fabrini Mirabete e Rene Ariel Doti.
Os que defendem a responsabilização penal da pessoa jurídica adotam um critério jurídico-normativo, ou seja, as pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas porque a Constituição e a Lei 9.605/98 autorizam. Juristas como Paulo Leme Afonso de Machado, Edis Milarés, Vladimir Passos, dentre outros, defendem essa corrente.
Entendemos que a corrente que defende a responsabilização penal da pessoa jurídica em delitos ambientais é a melhor, pois está fundada em um preceito constitucional, nos termos do art. 225, §3º da CF/88.
As penas da pessoa jurídica possuem regramento próprio distinto das pessoas jurídicas e estão previstas no art. 21 da Lei 9.605/98. Os arts. 22, 23 e 24 da lei também trazem a previsão de alguns institutos penais, por isso, entendemos ser necessário a transcrição dos mesmos:
Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:
I - multa;
II - restritivas de direitos;
III - prestação de serviços à comunidade.
Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:
I - suspensão parcial ou total de atividades;
II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;
III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.
§ 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.
§ 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.
§ 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.
Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em:
I - custeio de programas e de projetos ambientais;
II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas;
III - manutenção de espaços públicos;
IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.
Feita a análise dos institutos de direito material, passemos a analisar alguns aspectos processuais.
Durante muito tempo a jurisprudência do STJ, entendeu que o Ministério Público ao oferecer a denúncia para abertura do processo penal deveria incluir no pólo passivo além da pessoa jurídica, também os sócios. A dupla imputação seria obrigatória.
Nesse sentido:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. IMPOSSIBILIDADE DE QUALIFICAR-SE A PESSOA JURÍDICA COMO PACIENTE NO WRIT. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. DENÚNCIA. INÉPCIA NÃO VERIFICADA. I - A orientação jurisprudencial desta Corte firmou-se no sentido de não se admitir a utilização do remédio heróico em favor de pessoa jurídica (Precedentes). II - Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes). III - A denúncia, a teor do que prescreve o art. 41 do CPP, encontra-se formalmente apta a sustentar a acusação formulada contra o paciente, porquanto descrita sua participação nos fatos em apuração, não decorrendo a imputação, de outro lado, pelo simples fato de ser gerente da pessoa jurídica ré.Ordem parcialmente conhecida e, nesta parte, denegada.(HC 93.867/GO, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 08/04/2008, DJe 12/05/2008).
Desse modo, a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de exigir a dupla imputação em crimes ambientais para o recebimento da denúncia, sob pena de inépcia da inicial.
Entretanto, o STF, em recente decisão de lavra da min. Rosa Weber, entende que não é necessário a dupla imputação para o oferecimento de denúncias em crimes ambientais.
A ementa da decisão em tela ficou assim:
EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À IDENTIFICAÇÃO E À PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação. 2. As organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta. 3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental. 4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade penal individual. 5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido.
(RE 548181, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)
Portanto, na presente decisão houve um novo rumo no que tange a esse aspecto processual. Agora, não é necessário mais o Promotor de Justiça entrar com a ação penal simultaneamente contra a pessoa jurídica e os sócios, mas poderá ingressar somente contra a pessoa jurídica, pois segundo o entendimento da ministra, o comando de criminalização do art. 225, § 3º da CF/88 não acolheu a dupla imputação.
Entendemos que a responsabilidade penal da pessoa jurídica é um importante instrumento de proteção ao meio ambiente, que é um direito fundamental de grande importância para as presentes e futuras gerações.
REFERÊNCIAS
- HC 93.867/GO, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 08/04/2008, DJe 12/05/2008
- RE 548181, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014