Norberto Bobbio - Mestre que dispensa apresentações - dizia: "Os Direitos não nascem quando querem, mas quando podem ou quando devem". A conclusão que se toma é a de que se pode falar em dois mundos distintos: o da essência e o da sociedade.
Os Direitos Humanos, no mundo da essência sempre existiram, mas encontram-se latentes aguardando seu ingresso no mundo da sociedade, sendo que neste, no entanto, somente surgem conforme a necessidade, conforme a evolução, conforme a batalha.
O mundo da sociedade é corrompido e vigora o poder e a manipulação das massas. O mundo da essência é legítimo. Quando esse interesse legítimo, esse anseio originário força a passagem para o mundo da sociedade, ele encontra resistência. Este resistência fatalmente transforma-se em batalha e está firmada aqui a luta.
Ainda que o Direito deseje a paz e a persiga, não deixa de travar luta contra a resistência do poder. Infelizmente a história tem demonstrado que nem sempre quem vence é o Direito.
Ainda que se verifique muitas positivações (leis, medidas provisórias etc) claramente contrárias ao mundo da essência, ou seja, contrárias à justiça, à legalidade, e até ao razoável, é preciso que se tenha em mente que se trata de um atalho disforme, de um equívoco, de uma exceção. Jamais deve-se aceitar uma lei contrária à Justiça como regra, pois isto não representa o que quer a sociedade, mas sim, o que quer o poder.
Apesar de, no mundo da essência, todos os direitos já existirem pois nasceram juntamente com o próprio homem, no mundo da sociedade eles surgem, "quando podem ou devem".
Cabe analisar que há países que se dizem evoluídos, mas que guardam positivações medievais.
Um breve histórico:
A antigüidade desconheceu totalmente a privação de liberdade, estritamente considerada sanção penal. Mesmo havendo o encarceramento de delinqüentes, este não tinha caráter de pena, e sim de preservar os réus até seu julgamento ou execução. Recorria-se à pena de morte, às penas corporais e às infamantes.
Durante vários séculos a prisão serviu de contenção nas civilizações mais antigas (Egito, Pérsia, Babilônia, Grécia etc), a sua finalidade era: lugar de custódia e tortura.
Os lugares onde se mantinham os acusados até a celebração dos julgamentos eram diversos, já que não existia ainda uma arquitetura penitenciária própria. Utilizavam-se calabouços, aposentos em ruínas ou insalubres de castelos, torres, conventos abandonados, palácios e outros edifícios.
O Direito era exercido através do Código de Hamurabi ou a Lei do Talião, que ditava: "olho por olho, dente por dente", de base religiosa (Judaísmo ou Mosaísmo) e moral vingativa.
As sanções na Idade Média estavam submetidas ao arbítrio dos governantes, que as impunham em função do "status" social a que pertencia o réu. A amputação dos braços, a força, a roda e a guilhotina constituem o espetáculo favorito das multidões deste período histórico.
Com o Império Bizantino (aglomerado étnico de até 20 povos diferentes: civilização cristã, direito romano e cultura grega com influência helenística) fora criado o Corpus Juris Civilis, pelo Imperador Justiniano, restabelecendo a ordem com suas obras: Código, Digesto, Institutas e Novelas.
Durante os séculos XVI e XVII a pobreza abate e estende-se por toda a Europa contribuindo para o aumento da criminalidade. Eram distúrbios religiosos, guerras, expedições militares, devastações de países, extensão dos núcleos urbanos, crise das formas feudais e economia agrícola etc.
Ante tanta delinqüência, a pena de morte deixou de ser uma solução adequada. Na metade do século XVI iniciou-se um desenvolvimento das penas privativas de liberdade, na criação e construção de prisões organizadas para a correção dos Apenados, com a suposta finalidade de reforma dos delinqüentes por meio do trabalho e da disciplina.
As raízes do Direito Penitenciário começaram a formar-se no século XVII, com os estudos de BECARIA e HOWARD. Durante muito tempo o condenado foi objeto da Execução Penal e só recentemente é que ocorreu o reconhecimento dos direitos da pessoa humana do condenado, ao surgir a relação de Direito público entre o Estado e o condenado.
Realmente, o Direito Penitenciário resultou da proteção do condenado. Esses direitos se baseiam na exigência ÉTICA de se respeitar a dignidade do homem como pessoa moral.
Os dois métodos aplicados no Direito Penitenciário são: método científico - é um dos elementos da planificação da política criminal, especialmente quanto ao diagnóstico do fenômeno criminal, a verificação do custo econômico - social, e a exata aplicação do programa. Já a estatística criminal é estudada pelo método estatístico, o qual destina-se a pesquisa da delinqüência como fenômeno massa. Estas estatísticas dividem-se em três ordens: policiais, judiciais e penitenciárias.
Somente no século XX avultou a visão unitária dos problemas da Execução Penal, com base num processo de unificação orgânica, pelo qual normas de Direito Penal e normas de Direito Processual, atividade da administração e função jurisdicional obedeceram a uma profunda lei de adequação às exigências moderna da Execução Penal.
Todo esse processo de unificação foi dominado por dois princípios do Código Penal de 1930: a individualização da execução e o reconhecimento dos direitos subjetivos do condenado.
No Brasil, com o advento do 1º Código Penal houve a individualização das penas. Mas somente à partir do 2º Código Penal, em 1890, aboliu-se a pena de morte e foi surgir o regime penitenciário de caráter correcional, com fins de ressocializar e reeducar o detento.
Todos estes sistemas são baseados na premissa do isolamento, na substituição dos maus hábitos da preguiça e do crime, subordinando o preso ao silêncio e a penitência, para que encontre-se apto ao retorno junto à sociedade, curado dos vícios e pronto a tornar-se responsável pelos seus atos, respeitando a ordem e a autoridade.
Um exemplo aplicado a este histórico é o dos EUA, que até hoje praticam assassinatos legalizados prevendo a pena de morte sob o argumento (já comprovadamente falho) de coibir o crime, ao passo que todos os maiores juristas, pensadores, filósofos e estudiosos já trabalham em cima da idéia de acabar com os presídios, pois a realidade demonstra que não cumprem com sua missão de ressocializar e reintegrar à sociedade, o preso.
Isto posto, percebemos aqui claramente uma distorção, haja vista que o próprio sistema penitenciário não possibilita o homem preso de ressocializar-se, pois seus mais remotos direitos não são respeitados.
A cadeia não comporta a totalização dos Apenados, os agentes penitenciários não têm formação adequada e tampouco ética no cotidiano com o preso; muitas vezes desrespeitando Princípios básicos de Direitos Humanos e das Garantias Fundamentais.
Tudo isto gera conseqüências drásticas, que não cumprem, nem de longe, com o objetivo de reintegrá-los e ressocializá-los à sociedade.
Neste contexto, são fatos modernos e recentes da realidade do Sistema Penitenciário:
· Cadeias Públicas segregam presos a serem condenados e com condenações definitivas, em virtude da inexistência de vagas nas poucas penitenciárias em atividade;
· A superlotação dos estabelecimentos penais em atividade, acarreta a violência sexual entre os presos, a presença de tóxico, a falta de higiene que ocasionam epidemias gastrointestinais etc;
· Presos condenados a regime semi-aberto recolhem-se a Cadeia pública para repouso noturno, gerando revolta entre os demais que não gozam de tal benefício, pela inexistência de um grande número de Colônias Agrícolas;
· Doentes mentais, mantidos nas cadeias, contribuem para o aumento da revolta dos presos, os quais têm que suportar a perturbação durante o dia e no repouso noturno, de tais doentes;
· As condições em que se encontram os estabelecimentos penais em atividade (superlotação, falta de higiene, tóxico, violências sexuais, conforme supra mencionado) não fazem mais do que incentivarem ao crime.
· Um em cada três presos está em situação irregular, ou seja, deveriam estar em presídios, mas encontram-se confinados em delegacias ou em cadeias públicas;
· De 10% a 20% dos presos brasileiros podem estar contaminados com o vírus da AIDS;
· A maioria dos presos cumprem penas de quatro a oito anos de reclusão, por crimes como: roubos, furtos, tráfico de drogas etc;
· Para solucionar o problema da superlotação dos presídios, seria necessário construir 145 novos estabelecimentos, a um custo de 1,7 bilhões de Reais;
· Os crimes mais comuns no Sul e Sudeste do Brasil são de roubo e furto, enquanto que no Amazonas e no Acre o crime mais comum é o tráfico de drogas. Alagoas é o estado onde há mais presos por homicídio. Chegam ao número expressivo de 56,8% da massa carcerária;
· Já no Nordeste e Centro - Oeste, a maioria das prisões ocorre por assassinato;
· São Paulo é a cidade onde há maior número de presos por habitantes e também a pior situação carcerária: 174 presos para cada grupo de 100.000 habitantes;
· Em Alagoas, por outro lado, há apenas 17 presos para cada 100.000 habitantes, os dados não são animadores, apenas refletem a impunidade que prevalece no Estado. Mais da metade dos presos alagoanos são homicidas;
· O Estado do Rio Grande do Sul é que reúne as melhores condições carcerárias. Não há preso em situação irregular;
· Hoje o número de detentos na Prisão Federal dos EUA é de 628.000, aproximadamente, sendo que 90% possuem pena de, no mínimo, 8 anos. A população carcerária aumentou de 7% desde 1988;
· O Governo da Suécia despende US$ 61.000 dólares / ano por preso;
· O Governo dos EUA destina US$ 25.000 a 30.000 dólares / ano para a manutenção da prisão e salário para o prisioneiro; sendo que, a prisão de Massachusetts, oeste da Virgínia, recebe algo em toro de US$ 140.000;
· O Governo do Brasil destina US$ 4.300,00 dólares / ano a cada preso. Cerca de 06 vezes menos que o americano;
· O Presídio de Cascavel / PR recebe R$ 0,14 mensais, para manutenção, alimentação, limpeza e "salário" para o prisioneiro! Mesmo com este absurdo, os presos não se queixam da alimentação e ainda ressaltam: "comemos melhor do que muita gente lá fora. Aqui tem carne todos os dias"(o que é uma realidade fática!);
· O referido Presídio encontra-se em péssimas condições de administração, contando apenas com 01 funcionário público - O carcereiro. O restante dos ajudantes no cárcere, num total de 08 são presos considerados de "confiança" (o que também ocorre nos Presídios aqui do Rio, como: Plácido de Sá Carvalho, Esmeraldino Bandeira; Talavera Bruce - este Presídio feminino; Evaristo de Moraes; Hélio Gomes; Edgard Costa; Milton Dias Moreira etc).
É bem verdade que não podemos atribuir como causa da reincidência, somente o fracasso da prisão. Temos de levar em consideração a contribuição de outros fatores pessoais, políticos e sociais.
O direito à salvaguarda da dignidade, o direito ao respeito da pessoa humana, o direito à intimidade são os direitos mais agredidos na maior parte das prisões do mundo. Desde a admissão, começa o despojamento da personalidade do preso: algemas nos pulsos, revista no corpo nu, à vista de todos, a troca de traje pessoal e uso de chuveiros coletivos na presença de guardas etc.
O direito à informação, já enunciado o art. 26 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, é de vital importância para a ressocialização do detento, pois tanto humaniza o regime penitenciário, como concorre para o aprimoramento cultural do recluso. O direito à comunicação com o mundo exterior abre a prisão para o mundo livre e visa à desinstitucionalização da prisão. O condenado não pode perder o contato com a sociedade, para a qual se prepara gradativamente.
A liberação sem o prévio preparo, como o tratamento reeducativo, e sem a colaboração da sociedade no papel de reinserção social do preso, é traumatizante e fator de delinqüência.
A importância do papel do advogado é bastante percebida pelos entrevistados, presos ou não - presos. Reconhecem que a sorte do processo depende, em grande parte, da atuação dos causídicos, que neste contexto, tem o dever de dar o melhor de si, não deixando-se envolver com o fato em si, abstraindo-se de comentários e agindo com hodierna ética e decoro, pois que é depositado nas mãos dele e do juiz toda a sorte de sua esperança.
O Departamento Penitenciário Brasileiro vem realizando um programa nacional de formação e aperfeiçoamento do servidor, mediante convênios com o Estado, cursos de formação do pessoal penitenciário e de extensão universitária para diretores e pessoal de nível superior, juntamente com cursos de especialização e pós - graduação do pessoal do sistema penal em todo o território nacional, justamente com a finalidade de evitar que os Princípios Éticos fundamentais e da Dignidade Humana sejam mormente feridos por pessoas não especializadas.
O Ministério da Justiça, desde a sua primeira programação penitenciária, vem construindo estabelecimentos penitenciários em todas as unidades da Federação, de acordo com o Programa de Reformulação e Sistematização Penitenciária (que apesar do nome, ainda não conseguimos captar efeito algum...), que determina perspectivas inéditas à arquitetura carcerária nacional, pelo o que devemos passar dentre os próximos dois meses com o Complexo Penitenciário Frei Caneca, que deverá ter mais um de seus Presídios - o Hélio Gomes - completamente desativado, sendo os presos transferidos para o novíssimo Bangu VI, com o intuito de construir ali, no antigo Regime Fechado, uma nova Casa de Custódia, que passará a abrigar aqueles que ainda não foram condenados, reduzindo-se, senão por completo, a massa detida dentre as celas das Delegacias.
Enquanto isso não ocorre, as prisões são cenários de constantes violações dos direitos humanos e conseqüentemente dos direitos dos presos. Têm sido cada vez mais freqüentes o enfrentamento entre presos e carcereiros, assim como brigas de ajuste de contas entre os próprios presos.
O desespero dos presos acaba gerando conflitos, onde milhares deles amotinam-se para exigir melhores condições de vida em troca da liberdade de reféns.
A Revista VEJA, publicada em 23 de outubro de 1996, publicou em 1ª mão os resultados do censo penitenciário, feito pelo Ministério da Justiça, sob a responsabilidade de Paulo Tonet Camargo, onde pode-se concluir que há um outro tipo de prisão irregular no Brasil, a daquelas pessoas que já deveriam ser libertadas, embora continuem presas.
O art. 41 da LEP (Lei de Execuções Penais) enuncia os direitos do preso. Os direitos humanos do preso estão previstos em vários documentos internacionais e nas Constituições modernas. A Constituição Brasileira nada cita em seu contexto, somente o Código Penal, em seu art. 38.
Nos dias presentes se questiona com bastante insistência sobre um importantíssimo ângulo do problema da pena - emenda. Tem o Estado o direito de oprimir a liberdade ética do preso, impondo-lhe autoritariamente uma concepção de vida e um estilo de comportamento através de um programa de "reeducação" que não seja condizente com a sua formação e convicções? A tentativa de "retificar" a personalidade não seria uma das formas de lavagem cerebral? O Poder Público pretende, às vezes, sob a capa da redução invadir esferas totalmente alheias à sua competência e usar as pessoas como meros objetos e é isso o que faz quando diz que são de grande significação os direitos sociais, considerando o trabalho do preso como reeducativo e humanitário. Porém, o nosso Sistema Penitenciário ainda mantém o trabalho como remuneração mínima ou sem remuneração, o que retira do trabalho sua função formativa ou pedagógica, logo, o caracterizando como castigo ou trabalho escravo.
Não pode haver mais dúvidas de que o Sistema Penitenciário Brasileiro rigorosamente está falido, além de inútil como solução para os problemas da criminalidade. Nele há um desrespeito sistemático aos direitos humanos garantidos pela Constituição, inclusive aos condenados.
Diante das lamentáveis condições penitenciárias, o discurso que prega a reclusão como forma de ressocialização de criminosos ultrapassa a raiz da hipocrisia tolerável. Cabe a nós mantermos vivo o desejo altruísta de Justiça, o desejo de fazer do mundo da sociedade um espelho do mundo da essência, pois o homem não pode viver sem a sociedade; e, sem o homem, não há sociedade!
BIBLIOGRAFIA:
ALBERGARIA, Jason. Manual de Direito Penitenciário, São Paulo, Ed. Aide. - 1998.
CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal, Itália, Ed. Conam. Tradução em 1957.
CATÃO, Yolanda; FRAGOSO, Heleno; SUSSEKIND, Elizabeth, Direito dos Presos, Ed. Forense - 1999.
REVISTA VEJA, 23 de outubro de 1996, Paulo Tonet Camargo.
Site JUS NAVEGANDI (www.jus.com.br ).
Site DIREITO (www.direito.com.br).