Uso do e-mail corporativo para fins pessoais: mero desvirtuamento da ferramente ou atitude indevida do trabalhador?

Breves desdobramentos acerca do uso de e-mail corporativos para fins pessoais e dos poderes fiscalizatórios do empregador

19/11/2015 às 21:09
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A comunicação por e-mail já faz parte do cotidiano, sendo seu uso essencial no meio ambiente de trabalho. Contudo, seu uso indevido pode acarretar consequências sérias, sobre as quais discutimos neste artigo.

Em decisão recente[1], a 17ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região entendeu ser devida a demissão por justa causa aplicada pela empresa a funcionária que se utilizava do e-mail corporativo para enviar e receber mensagens com finalidades diversas daquelas profissionais.

Reformando a decisão da 1ª instância, os desembargadores entenderam que:

“o e-mail corporativo é (...) uma ferramenta de trabalho, destinado essencialmente à troca de mensagens de caráter profissional. Ainda, a associação da má utilização ao bom nome e reputação da ré (...) poderá, em tese, acarretar a responsabilização da ré perante terceiros pelos danos praticados pelo empregado (art. 932, III, do CC) ou ainda prejuízo moral, já que lesivo à imagem da empresa”.

Em consequência disto, a Turma manteve a justa rescisão do contrato de trabalho, em razão do disposto no art. 482, “b”, da CLT (mau procedimento), afastando da trabalhadora o recebimento de aviso prévio indenizado, 13º salário proporcional, indenização de seguro-desemprego e multa do FGTS.

Embora aplicada às circunstâncias particulares do caso concreto, a repercussão que esta decisão pode ter no ambiente laboral pode ser muito grande, podendo gerar controvérsias e conflitos nas relações de trabalho.

Atualmente, os meios e canais eletrônicos de comunicação ligados à internet já são amplamente dissociados, e a troca de informações, seja qual for o canal, é constante e ininterrupta.

Inclusive nas atividades laborais, nas quais o uso é em larga escada, a troca de emails, mensagens de texto e aplicativos já é uma realidade inseparável, trazendo grande avanço para o meio empresarial, além de contribuir de alguma forma para o meio ambiente.

Através dos meios de comunicação promovidos com a internet, otimizou-se e facilitou-se  o relacionamento entre empresa e trabalhador, e estes com seus fornecedores e clientes, criando uma grande rede de comunicação.

Contudo, apesar de, como dito, ser uma realidade no meio ambiente de trabalho, sua utilização ainda é obscura, e seu emprego no meio de trabalho não vem limitado em legislações especiais, necessitando, assim, um esforço do intérprete para buscar uma solução harmoniosa e satisfatória para todas as partes.

Por um lado, o empregado tem consigo a proteção à intimidade e privacidade (art. 5º, inciso X da CF), bem como proteção à sua personalidade e dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III da CF), que são garantias fundamentais de aplicação imediatas, ou seja, são diretamente vinculantes e plenamente exigíveis, conforme preleciona também a Constituição em seu art. 5º, §1º.

Cabe lembrar ainda que o art. 5º, inciso XII da CF prevê que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

Tais proteções possuem o fito de se afastar constrangimento ao empregado, conservar suas particularidades e vida privada. O contrato de trabalho não pode ser invasivo ao ponto de causar no trabalhador a violação de sua moral a pretexto de se salvaguardar os interesses da empresa, sob pena de caracterização de danos morais e seu respectivo ressarcimento.

Por outro lado, é devido à empresa fazer uso de seu poder fiscalizatório e controlar as atividades de seus empregados. Esta atribuição decorre do “poder de controle” do empregador, no qual, segundo NASCIMENTO[2] se traduz na “faculdade atribuída ao empregador de determinar o modo como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho, deve ser exercida”.

Sendo o correio eletrônico uma ferramenta disponibilizada pelo empregador, com  o fim de auxiliar o empregado em suas tarefas rotineiras, pode igualmente este estabelecer os limites nos quais sua utilização deve respeitar, levando-se em consideração os objetivos empresariais, comerciais e financeiros do tomador de trabalho.

Como já mencionado, o sigilo das comunicações de dados também é inviolável, tal como o email. Apesar disto, como lembra MARTINS[3]:

“Não se pode dizer que haveria violação de privacidade do empregado quando o empregador exerce fiscalização sobre equipamentos de computador que lhe pertencem.

Ressalta-se que o correio eletrônico, em muitos casos, é da empresa e não do empregado. O telefone e o sistema utilizados para acesso à Internet são do empregados. Assim, o recebimento da comunicação é do empregador e não do empregado, como na hipótese de questões relacionadas apenas com o serviços.” (g.n.) 

Inclusive, por serem de sua propriedade, e carregarem consigo logotipo e informação da empresa, caso os equipamentos sejam utilizados de modo indevido, como nos casos de discriminações e ofensas à honra, as empresas poderão ser, eventualmente, acionadas como corrés em ações indenizatórias promovidas pelo prejudicado, com fundamento do art. 932, III, do Código Civil.

Por todo o exposto, fica demonstrado que o uso de e-mails corporativos e demais ferramentas do meio corporativo por seus colaboradores ainda é uma tema que traz consigo muitas controvérsias, não sendo possível o limitar, a não ser nos meandros do caso concreto. Contudo, cabe ressaltar que seu uso desmedido e desarrazoado, que ultrapassem o limite do bom senso corporativo, pode acarretar ao empregado sérios riscos, sendo um dos mais graves a demissão pela justa causa.

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NOTAS:

  1. Acórdão nº 20150183156, TRT 2ª Região.
  2. NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 717.
  3. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 234.
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Sobre o autor
Felipe Gomes da Costa

Advogado. Graduado em Direito e pós-graduado em Processo Civil com Ênfase em Processo Empresarial pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus (São Paulo/SP). Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade LEGALE. Atuação nas áreas do Direito do Trabalho, Empresarial e Cível. Autor de diversos artigos relacionados ao Direito do Trabalho.

Informações sobre o texto

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