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Da decisão do STF sobre a validade da Lei de Anistia

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CONCLUSÕES

O referido artigo analisou a decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou a Lei nº 6683, de 28 de agosto de 1979 (Lei da Anistia) de acordo com a ordem constitucional atual. A postulação da Ordem dos Advogados do Brasil sustentava que Lei da Anistia não poderia ser aplicada para os torturadores do regime militar.

Com o intuito de pressionar o STF a rever sua posição, a Corte Interamericana de Direitos Humanos exige que o nosso país reprima os crimes cometidos nos porões do regime militar, apesar de que o Brasil somente se comprometeu a seguir orientações deste organismo internacional a partir de 10 de dezembro de 1998.

Alega-se que os crimes cometidos contra os opositores do regime militar se equivalem a crimes contra a humanidade, na forma prevista pelo Tribunal de Nuremberg. Esse tribunal internacional criou um fundamento jurídico para punir condutas praticadas pelos nazistas, onde o aparato jurídico autorizava legalmente os crimes praticados por eles. No Brasil os agentes da repressão política praticavam torturas ao arrepio da lei.

Historicamente a tortura era prevista no Brasil durante a vigência das Ordenações portuguesas, posteriormente, apesar de legalmente não autorizada, foi convertida em praxe policial para investigação de crimes, sendo aplicada, também, em desfavor dos presos políticos.

A tortura foi regulamentada através da Lei 9.455, de 7 de abril de 1997. Somente a partir desta data pode alguém ser processado por este crime, em face dos princípios da legalidade e irretroatividade da lei penal, previstos no art. 5º, incisos XXXIX e XL da Constituição Federal. Os delitos cometidos pela repressão política da ditadura militar lamentavelmente ocorreram muito antes da regulamentação dessa infração penal.

Não é possível, também, processar alguém por crimes como homicídio ou lesão corporal, uma vez que se passaram mais de vinte anos da redemocratização do país e já ocorreu a prescrição da pretensão punitiva. Além disso, esses delitos foram cometidos durante a vigência da Constituição de 1967, que não considerava imprescritíveis infrações penais praticadas contra a ordem democrática.

Finalmente, com relação à demanda proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil, não há como discordar da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.


REFERÊNCIAS

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1.990.

BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Parte Geral. Tomo 1º. 3. Ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1978.

COMPARATO, Fábio Konder. A balança e a espada. Disponível em <http://www.oab.org.br/artigo.asp?id=21>. Acesso em 12/01/2011.

GRECO, Rogério. Código Penal comentado. 2. Ed. Niterói: Ed. Impetus, 2009.

HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do Direito Penal. (Trad. Pablo Rodrigo Alflen da Silva) Porto Alegre: Ed. Sérgio Antonio Fabris, 2005.

LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípios políticos do Direito Penal. 2. Ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999 (Série princípios fundamentais do Direito Penal moderno, v. 3).

MANVELL, Roger; FRAENKEL, Henrich. SS e Gestapo: a caveira sinistra.(Trad. Nacif Japour). Rio de Janeiro: Ed. Renes, 1.974.

PIERANGELI, José Henrique. Processo Penal: evolução histórica e fontes legislativas. 2. Ed. São Paulo: Ed. IOB Thompson, 2004.

PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. Ed. São Paulo: Ed. Max Limonad, 2003.

REES, Laurence. Stálin, os nazistas e o ocidente: a Segunda Guerra Mundial entre quatro paredes (Trad. Luis Fragoso). São Paulo: Ed. Larrousse do Brasil, 2008.

SOUZA, Percival de. Autópsia do medo: vida e morte do Delegado Sérgio Paranhos Fleury. São Paulo: Ed. Globo, 2000.


Notas

[1] Lei nº 6.683/79 - Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares. § 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política. § 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.

[2] COMPARATO, Fábio Konder. A balança e a espada. Disponível em <http://www.oab.org.br/artigo.asp?id=21>. Acesso em 12/01/2011.

[3] STF - ADPF 153 – Rel. Min. Eros Grau – Tribunal Pleno – julg. 29/04/2010 – Publ. DJe-145  - 06-08-2010 - v. 02409-01 - p. 00001.

[4] Com relação à eventuais crimes cometidos durante a ditadura militar, a Corte Interamericana de Direitos Humanos sentenciou o seguinte: “Parágrafo 325 – A Corte dispõe, por unanimidade que: 9) o Estado  deve conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária, a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e conseqüências que a lei preveja, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 256 e 257 da presente sentença”. (Corte Interamericana de Direitos Humanos – Caso nº 11.552 de Júlia Gomes Lund e outros contra a República Federativa do Brasil – Presidente Diego Garcia Sayán – Data 24/11/2010 – p. 115).

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[5] PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos, p. 49-50.

[6] A referida Convenção foi promulgada pelo Presidente da República, através do Decreto nº 678 de 6 de novembro de 1992.

[7] O mencionado estatuto definiu crime contra a humanidade, no art. 6, alínea “c” da seguinte maneira: “o assassínio, extermínio, a redução à condição de escravo, a deportação e todo ato desumano, cometida contra a população civil antes ou depois da guerra, bem como as perseguições por motivos políticos e religiosos, quando tais atos ou perseguições, constituindo ou não uma violação do direito interno do país em que foram perpetrados, tenham sido cometidos em conseqüência de todo e qualquer crime sujeito à competência do tribunal, ou conexos com esse crime”.

[8] O mencionado tribunal se recusou a julgar atrocidades cometidas pelos aliados, especialmente pelos Soviéticos, durante o último conflito mundial. Sobre isto Laurence Rees comenta especificamente sobre o massacre de Katyn: “Como resultado dessa confusão, o crime de Katyn simplesmente desapareceu da lista de transgressões julgadas em Nuremberg. Não houve nenhum veredito, nenhuma decisão foi tomada. Depois que as testemunhas foram ouvidas, houve apenas silêncio. Foi somente quando Mikhail Gorbachev permitiu a divulgação de arquivos essenciais – incluindo o infame documento assinado por Stálin, que resultou no assassinato dos poloneses – que a verdade sobre Katyn foi finalmente revelada ao mundo. Na década de 1990, as autoridades russas estimularam uma investigação sobre o crime, mas ninguém jamais foi responsabilizado pelos assassinatos”.(REES, Laurence. Stálin, os nazistas e o ocidente: a Segunda Guerra Mundial entre quatro paredes, p. 502).

[9]   O extermínio de pessoas foi legalmente autorizado na Alemanha nazista, pelo programa conhecido como “solução final”. Sobre isso, o comentário a seguir: “Um grupo de oficiais das SS foi encarregado do programa de extermínio e foi autorizado para isso diretamente por Hitler ou, em nome deste, através de Himmler. Independente do que pudesse ter tentado dizer em sua defesa em Nuremberg, não pode haver dúvida de que Göring também estivesse implicado. Foi ele que, também em nome de Hitler, deu a Heydrich a ordem em que se registrava o termo notório e velado para o extermínio, ‘Endlösung’, ou ‘solução final’. O uso de termos velados, como ‘tratamento especial’ e ‘recolonização’, em diretivas escritas e nas minutas formais das conferências foi adotado deliberadamente para que o conhecimento da política de extermínio ativo ficasse restrito ao menor círculo de pessoas possível”. (MANVELL, Roger; FRAENKEL, Henrich. SS e Gestapo: a caveira sinistra, p. 101).

[10] Outro impedimento à aplicação do Estatuto Tribunal Militar Internacional de Nuremberg é que esta Corte aplicou as penas de morte e perpétuas, o que no Brasil não é permitido, conforme art. 5º inciso XLVII, alíneas “a” e “b” da Constituição Federal.

[11] BRUNO, Aníbal. Direito Penal Parte Geral. Tomo 1º, p. 174-175.

[12] PIERANGELI, José Henrique. Processo Penal: evolução histórica e fontes legislativas., p. 65.

[13] SOUZA, Percival de. Autópsia do medo: vida e morte do Delegado Sérgio Paranhos Fleury,  p. 29-30.

[14] Art. 5º, XLIII – A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo, os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los se omitirem.

[15] Art. 5º, XXXIX – Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Esta definição repetiu o disposto no artigo 1º do Código Penal brasileiro.

[16] HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do Direito Penal, p. 335.

[17] BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao Direito Penal brasileiro, p. 67.

[18] Art. 5º, inciso XL – A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

[19] LOPES, Marco Antonio Ribeiro. Princípios políticos do Direito Penal, p. 78.

[20] GRECO, Rogério. Código Penal comentado, p. 2.

[21] O país vive em uma democracia desde março de 1.985.

[22] Art. 5º, inciso XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático.

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Sobre o autor
Francisco Affonso de Camargo Beltrão

Mestre em Direito pelo UNICURITIBA, advogado e professor de Direito Penal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BELTRÃO, Francisco Affonso Camargo. Da decisão do STF sobre a validade da Lei de Anistia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4528, 24 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44801. Acesso em: 4 mai. 2024.

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