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O poder de polícia da administração e sua delegação.

Da impossibilidade do exercício do poder de polícia pelo ente privado

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01/11/2000 às 00:00
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Sumário: Introdução – I. O Exercício do Poder de Polícia; a) Conteúdo e significado do poder de polícia administrativo; 1. O poder de polícia administrativo; b) Expressão do poder de polícia administrativo; c) Poder de polícia e discricionariedade administrativa; d) Crítica da concepção tradicional do poder de polícia – II. A Delegação e o Exercício do Poder de Polícia; a) A tendência atual de delegação dos serviços públicos; b) A natureza jurídica da delegação dos serviços; c) Delegação do exercício do poder de polícia; d) Atividade delegada e exercício do poder de polícia.


Introdução

Um dos temas mais debatidos da doutrina jurídica administrativista é, indiscutivelmente, a do conteúdo e exercício pela Administração, do que se convencionou chamar poder de polícia. A discussão, entretanto, está longe de ser fora de propósito. Pelo contrário. À medida que diz com a série de prerrogativas dos entes públicos – no que diz com sua atividade administrativa – de limitarem as liberdades e interferirem na definição do plexo de direitos do particular, absolutamente justificável a preocupação com a conceituação exata dos contornos deste poder de polícia, em especial naquilo que se refere aos seus limites de exercício.

E justamente fruto do debate permanente acerca de seus contornos e definições, é que vem sendo constantemente abaladas as linhas tradicionais da teoria do poder de polícia quando de sua concepção doutrinária. Mesmo o termo utilizado para indicar este feixe de prerrogativas especiais da Administração vem sido duramente combatido, assim como o seu próprio conteúdo específico, como observar-se-á adiante.

A atualidade do tema, embora não precise ser reinvindicada, tendo em vista a permanência da Administração como um dos entes de maior significância no Estado moderno, deve ser observada – e aqui o objetivo do presente estudo – à luz do fenômeno da chamada "reforma do Estado", cuja universalidade de propósitos inclui a transferência à responsabilidade de particulares, da execução de série de tarefas e serviços públicos que até então eram objeto de prestação direta pela Administração. Este novo regime de prestação inclui, por certo, algumas das prerrogativas de que goza a Administração em relativamente aos seus administrados, tendo em vista a relação especial que se observa em relação à prestação de serviços públicos, e o cerne de sua distinção em relação a todas as demais formas de prestação de serviços, qual seja, o interesse público. Interesse público este que serve ao mesmo tempo como elemento de justificação do regime especial a que se submetem dados serviços, e como finalidade última a que estes devem atender.

Assim, o que ora se pretende é justamente a definição deste novo conteúdo do poder de polícia administrativo em face da sua delegação ao particular em dados casos, e os desafios e problemas que está nova realidade envolve sob a perspectiva do direito administrativo.


I – O EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA

A. Conteúdo e significado do poder de polícia administrativo

As modernas concepções do Estado de Direito, tem na concessão e garantia de direitos aos seus cidadãos o seu fundamento mais precioso. A própria teleologia do Estado indica como elemento central está função de garantia, o que se pode observar em qualquer das teorias filosóficas a respeito, com exceção às de matriz marxista (1). Esta finalidade autenticamente estatal de conceder e garantir direitos, todavia, com a evolução jurídico-política que se assistiu nos último séculos, passou a ser desempenhada em primeiro pela Constituição, que elevada à condição de "lei das leis" passou a sistematizar esta outorga de direitos e deveres aos cidadãos, disciplinando inclusive a forma como as normas jurídicas que lhe fossem inferiores disporiam do estabelecimento ou restrição a tais direitos.

Mas é exatamente esta idéia que presidiu o fundamento de legitimaçào do Estado, qual seja, o de organizar a convivência social a partir da restrição a direitos e liberdades absolutas, em favor de um interesse geral, que outorgou ao Estado a prerrogativa de indicar qual este interesse geral e, na sua proteção exigir determinadas condutas dos indivíduos, ou mesmo restringir o conteúdo de determinados direitos a limites que permitam o respeito a garantia deste interesse genérico, a que hoje chamamos apropriadamente de interesse público.

Ocorre que, como sabemos, a idéia de Estado é senão um elemento de ficção jurídica. Não há um "Estado" a que se possa invocar para proteção de determinados interesses ou que haja diretamente na conformidade com o interese público. O que existem faticamente são órgãos do Estado e, dentre estes órgãos, àquele ao qual incumbe a tarefa de estabelecer as restrições e limites ao particular a partir da realização de atividades concretas que observem o interesse geral, se convencionou indicar como Administração. Tal qual aos poderes do Estado cumprem tarefas típicas como a de legislar em relação ao Poder Legislativo e a de compor litígios, em relação ao Poder Judiciário, à Administração, como parte do Poder Executivo, cumpre exatamente a realização de tarefas executivas, quais sejam, as de intereferência material, concreta na vida dos particulares, tendo em vista finalidades e interesses que atendem a um critério geral de utilidade.

E é justamente à Administração, que aliás, preferimos chamar Administração Pública, é que pertine o poder de intereferir e limitar em casos específicos no qual a realização da atividade pública justifica, e as leis e a Constituição legitimam esta interferência, sob a égide permanente e imediata do interesse público.

A estas prerrogativas de interferência no âmbito da atividade do sujeito privado, então, é que se convenciona denominar poder de polícia administrativo, ou simplesmente poder de polícia. Assim MEDAUAR, para quem, "em essência, poder de polícia é a atividade da Administração que impõe limites a direitos e liberdades (2)." Observaremos adiante duas questões nesta definição essencial. A primeira, no que diz com a limitação de direito. Demonstraremos – aliás, com fundamento em autores de mesmo brilho – que o poder de polícia não diz com a limitação, mas sim com a conformação do direito em si. A segunda, à luz de uma preocupação sistemática, no que diz com a idéia genérica de poder de polícia, para o que adotamos a divisão de BANDEIRA DE MELLO, apresentada adiante.

OTTO MAYER preferiu no início do século uma definição que nos parece masi adequada, exatamente pela abrangência que oportuniza. Definiu o ilustre administrativista alemão o poder de polícia, como sendo "a atividade do Estado que visa devender, pelos meios do poder da autoridade, a boa ordem da coisa pública contra as perturbações que as realidades individuais possam trazer. (3)"

1. O poder de polícia administrativo

Como adiantamos supra, a idéia de poder de polícia, embora consagrada no direito administrativo, comporta algumas dificuldades de natureza conceitual, em especial no que diz com uma utilização indistinta do termo para diversos enfoques que se lhe pretenda indicar. Assim, observamos na distinção de BANDEIRA DE MELLO, acerca dos sentidos diversos do termo. Reconhce o primeiro a existência, basicamente, de dois sentidos para o termo poder de polícia. Um amplo, que consistiria na atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos que indica o universo das medidas do Estado, aí inclusive as normas legislativas produzidas pelo poder competente. Este é o entendimento no direito norte-americano, no qual o police power comporta a regulação legal de direitos privados outorgados pela Constituição (4).

Em sentido estrito, contudo, se pode observar o poder de polícia com intervenções genéricas ou específicas do Poder Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de intereferir nas atividades de particulares tendo em vista os interesses sociais (5). Esta seria então o poder de polícia administrativo (6), que nos interessa especificamente no presente estudo.

Assim, a definição de CAIO TÁCITO, que o define como o conjunto de atribuições concedidas à Administração para disciplinar a restringir em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais. (7)"

O poder de polícia administrativo, no seu atual estágio da evolução histórica, responde pela presença da Administração em situações ou relações jurídicas que ordinariamente seriam de direito privado, mas que a intervenção do ente público transfere obrigatoriamente, à égide do regime jurídico de direito público.

Diz como expressa ALESSI, não com a limitação a um direito determinado, mas sim, é elemento que auxilia no desenho do próprio perfil deste direito (8). Não há limitação à direito, mas sua conformação de acordo com os contornos que as normas constitucionais e legislativas, e as administrativas como manifestação do poder de polícia, conferem a um direito determinado.

De outra ponta, o que há são restrições à liberdade, como se disse, na medida em que esta inferir sobre situação cuja proteção em determinados parâmetros é assente como de interesse público a ser protegido pela Administração.

B. Expressão do poder de polícia administrativo

O método utilizado pela doutrina administrativista para situar a compreensão do poder de polícia na teoria do direito administrativo, tem sido o de utilizar-se da comparação deste e a atividade estatal de prestação de serviço público. Enquanto o poder de polícia, consistiria basicamente em preceitos de caráter negativo – o que se depreende das próprias expressões "limitação" e "restrição", no sentido de tornar menor algo que é originariamente maior – os serviços públicos envolvem a idéia de uma ação positiva da Administração.

A razão de ser do poder de polícia administrativo seria em tese a de evitar que um mal se produzisse a partir da ação de particulares. Assim a atuação negativa dar-se-ia no sentido de evitar o prejuízo do interesse coletivo (9). Este entendimento nos leva a observar que seu objetivo em regra, é obter do particular uma abstenção relativamente a determinada situação de fato. Com a ressalva, entretanto, de situações em que exigiria do particular uma atuação eminentemente positiva, um fazer, como no caso em que determina ao proprietário de determinado prédio que realize reparos necessários a sua adequação as normas sobre construções. Nestas situações, entretanto, assim como na exigência da aprovação em exame de habilitação para se poder dirigir, defendem alguns que a idéia de açào positiva seria aparente, no sentido de que a verdadeira finalidade permaneceria negativa, no sentido de evitar que "as situações pretendidas sejam efetuadas de maneira perigos a ou nociva. (10)" Não concordamos com este entendimento. Sua conseqüência lógica é a de negar a existência de toda e qualquer atuação positiva, à medida que o agir em verdade estaria sendo realizado a partir de um comportamento negativo em relação à conseqüência de não agir. Trata-se de raciocínio que pode justificar qualquer posição, conforme o enfoque que se procure dar. Assim, poder-se-ia dizer inclusive que a Administração presta determinado serviço público para evitar as conseqüências danosas advindas da não-prestação, o que inviabilizaria a comparação que o próprio autor realiza entre ambas manifestações da atuação administrativa.

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Na verdade, a predominância do aspecto da ação negativa – ou obtenção de uma inação – deriva basicamente da evolução histórica do poder de polícia e do próprio Estado, primeiro numa realidade política de predominância liberal em que a liberdade individual era a regra, e a intervenção exceção (11).

Assim, é melhor observar-se o poder de polícia como a imposição de condicionamentos aos administrados, que ora serão negativos – um non facere – ora positivos – um facere. De todo modo, uma manifestação da Administração no sentido de alterar situação de fato ou de direito que pertine ao particular, ou que seja pressuposto a que se dê uma determinada situação. Esta interfer6encia, de sua vez, se dá através de atos normativos genéricos – visando o estabelecimento de uma padrão geral de conduta dos administrados, ou de atos concretos e específicos - destinados a interferência pontual em dada situação de fato que reclame a interferência da Administração.

A manifestação material deste poder de interferência da Administração pode se dar, a partir do que BANDEIRA DE MELLO chama atos preventivos, fiscalizadores e repressivos. Dos primeiros (preventivos) seriam exemplo as autorizações e licenças as quais a Administração tem a competência de conceder ou não. Os atos fiscalizadores, de sua vez, seriam aqueles tais quais inspeções, vistorias e exames realizados pela Administração. E repressivos, os atos que importem, por exemplo, a produção de multa, embargo, intervenção de atividade e apreensões (12).

A distinção dos modos de atuação concreta do poder de polícia administrativa realizada pelo autor paulista pareceu-nos bastante interessante, sobretudo para o enfrentamento da questào da delegação que examinaremos adiante.

C. Poder de polícia e discricionariedade administrativa

Não é objeto deste estudo desenvolver o tema da discricionariedade administrativa, descendo ao detalhamento dos elementos integrantes do seu conceito, ou aos diferentes enfoques que doutrina e jurisprudência emprestam à matéria. Assim, consideremos duas premissas fundamentais. A primeira é a aceitação uniforme de que a Administração goza de determinadas prerrogativas especiais e exclusivas, e que portanto não fazem parte do patrimônio jurídico de outros quaisquer. Aliás, acerca disto RIVERO demonstra – a partir da análise de diferentes sistemas jurídicos – a existência de um valor universal da noção de potestade pública (13). Em segundo lugar, de que estas prerrogativas tem seu fundamento na lei e na Constituição, submetidas que estão ao princípio da legalidade, bem como se vinculam à realização do interesse público.

Assim , deve-se ressalvar que o poder de polícia administrativo não pode ser confundido com a discricionariedade. Um é a atividade do estado que visa conformar e restringir direitos e liberdades tendo em vista o interesse público. O segundo, podemos indicar como a abertura da norma legal à Administração, de maior liberdade de atuação, permitindo-lhe que, em grande número de hipóteses, escolha seus próprios caminhos de atuar, na oportunidade que lhe convenha, pelos motivos que entender relevantes e, mesmo, autorizando-a a abster-se de agir (14). Ou seja, é um espaço de liberdade conferido pela lei para que a Administração, no exame do caso concreto, decida qual atuação deve promover. Sinalamos que esta liberdade é relativa, uma vez que tem sua exata proporção definida por lei, e seu exercício vinculado à satisfação do interesse público.

Observe-se que tanto a discricionariedade quanto as prerrogativas inerentes ao poder de polícia obedecem – como a Administração em geral – ao interesse público. Isto, contudo, não lhe diminui os problemas. E o principal deles consiste em apurar se até que ponto o exercício do poder de polícia pode submeter-se a critérios discricionários. A preocupação neste sentido tem ocupado extensa doutrina, basicamente para identificar a necessidade de se observarem instrumentos de controle do exercício discricionário do poder de polícia administrativo (15).

A idéia de exercício discricionário do poder de polícia, contudo, comporta algumas ressalvas. BANDEIRA DE MELLO indica que a discricionariedade não é atributo do poder de polícia em si, mas de uma qualidade de atos administrativos que podem ou não se traduzirem na manifestação exterior deste poder. Assinala daí, que existem são atos, que podem ser discricionários ou vinculados, e que o poder de polícia pode se traduzir ora por um ato discricionário, ora por um ato vinculado, conforma a situação de fato que pretende interferir (16).

Embora saudemos o entendimento do ilustre professor, não podemos, mais uma vez, concordar com sua forma de pensar. isto porque, se é certo que a manifestação do poder de polícia administrativa pode se dar, ora através de atos vinculados, ora por meio de atos discricionários, ambos atos administrativos (e portanto, manifestação material de uma ação administrativa), também pode a Administração, quando a lei permite que assim o seja, não expedir ato nenhum, sem que com isso desapareça o poder de polícia, mas pelo contrário, que fundada neste poder, de maneira discricionária, a Administração opte por aguardar a implementação de determinadas condições que não estão previstas na lei, nem tampouco estão sendo objeto de ato discricionário, mas meramente de um não-agir consciente, que nem por isso deixa de ser igualmente uma manifestação da discricionariedade administrativa. Assim, observamos que embora correta a distinção entre atos discricionários e vinculados, a discricionariedade da Administração é atributo preexistente àquele, embora na maioria dos casos por ele seja manifestada.

E mesmo assim, não podemos afirmar que seja atributo permanente do poder de polícia. Em dadas situações o poder de polícia será discricionário. Como menciona DI PIETRO, naquelas em que haja a possibilidade de optar pelo melhor momento de agir em determinado caso, , qual o meio de ação mais adequado, ou qual a sanção cabível daquelas previstas pela norma legal (17). Assim, temos que embora a discricionariedade não seja um poder específico da Administração, mas uma atributo conferido através uma norma jurídica para que ela se manifeste com razoável grau de liberdade de opção por qual comportamento observar, em relação a um caso concreto, o que ocorre em relação a determinadas manifestações do poder de polícia administrativo.

D. Crítica da concepção tradicional do poder de polícia administrativo

A indicação do termo "poder de polícia" para designar a atividade de interferência do Estado, por meio da Administração, na determinação do conteúdo de direitos, e na limitação da liberdade dos particulares tem sido há muito, objeto de críticas variadas da doutrina. MEDAUAR, por exemplo demonstra que a noção do termo "polícia" se tem modificado ao longo do tempo, até que, quando ao tempo da sistematização teórica das prerrogativas do Estado que ora analisamos, a idéia de polícia vinculava-se a concepção de faculdade estatal de regular tudo o que se encontrava sob sua égide, excetuando-se as atividades vinculadas à justiça e às finanças (18).

A evolução doutrinária, contudo, foi tornando a expressão incomoda à alguns administrativistas (19), que passarama buscar outras denominações técincas a um fenômeno que entretanto fora essencialmente o mesmo até meados do século XX.

A evolução das responsabilidades estatais a partir das Constituições nacionais do início deste século, todavia, reclamou dos diferentes ramos do direito público uma rediscussão acerca de seus postulados mais elementares a vista de conformá-los com evolução de seus objetos de estudo. A partir destas mudanças, o Estado passa a assumir uma série de tarefas antes exercidas pelos particulares, ou mesmo novas responsabilidades originárias que, sem precedentes até então, passaram a ser exigidas pelo estágio de evolução da sociedade àquela época. A conseqüência, pois, foi uma expansão física e política do Estado (20) e o avanço de sua interferência sobre áreas até então tradicionalmente exclusivas à ação do particular (21). É o que EROS GRAU chamará, sob a perspectiva econômica, de estatização da economia, cuja finalidade – segundo entende – é a de incorporação do sistema capitalista na Constituição, visando a preservação do sistema (22).

A questão doutrinária evoluiu a partir daí, então, para apurar até que ponto a idéia de poder de polícia como limitação e restrição também não estaria a acompanhar esta desatualização do estudo técnico-jurídico da concepção de poder de polícia.

Um dos primeiros a manifestar esta crítica foi GORDILLO, para quem basicamente criara-se uma concepção autônoma no direito administrativo, o poder de polícia, para indicar algo que em verdade resume-se à aplicação da lei – conduta exigível de qualquer órgão do Estado, vinculados ou não à Administração (23). Entre nós, SUNDFELD critica a atual noção de poder de polícia e a predominância da doutrina em considerá-la a partir da perspectiva de ato de natureza negativa, exigindo predominantemente uma abstenção do particular, bem como a solução que identifica ter sido encontrada pela doutrina: a mera troca do termo que designa as prerrogativas da Administração neste campo, notando a preferência da doutrina moderna pela utilização do signo limitações administrativas (24).

Sugere este autor, então o abandono da concepção tradicional de poder de polícia e de sua noção conceitual, pelo que indica conceito de administração ordenadora. Este conceito procurará então observar basicamente, em que medida e sob que regime pode o Estado interferir na aquisição, exercício e extinção de direitos da vida privada (25), não apenas em relação à ação administrativa, mas também a atividade legislativa, todas sob os contornos definidos e consagrados na Constituição. Os modos de interferência que classifica são os condicionamentos e sacrifícios. Os primeiros, como manifestação da Administração conformando, em maior ou menor grau, os direitos dos particulares. Os segundos, como a perda integral de um determinado direito pelo particular por força da interferência da Administração.

Neste sentido, SUNDFELD conceitua administração ordenadora como a parcela da função administrativa desenvolvida com o uso do poder de autoridade, para disciplinar, nos termos e nos fins da lei, os comportamentos dos particulares no campo de atividades que lhes é próprio. Do que, indica quatro elementos fundamentais, quais sejam, o de que trata-se do exercício de função administrativa, voltada à organização da vida privada, dentro de uma relação genérica e com a utilização do poder de autoridade (26).

Em relação aos elementos do que propõe administração ordenadora, em relação à concepção do poder de polícia administrativa, embora observem um eixo finalístico comum – o interesse público – identifica-se na idéia da utilização do poder de autoridade como fundamento da interferência da Administração na vida privada, um sensível fortalecimento da vinculação ao princípio da legalidade. Esta que, embora já fosse de ser respeitada pelos modernos conceitos de poder de polícia, o eram, em grande parte, mais pela projeção do princípio constitucional específico sobre a Administração e, por via reflexa, ao poder de polícia administrativa, do que como elemento de conceito deste. Na definição cunhada peor este autor, a lei não apenas indica a finalidade, como lhe forma o exato conteúdo.

Assim estabelece os dois fundamentos elementares da relação jurídica de direito público do Estado com os particulares, quais sejam, a posição de autoridade daquele em relação a estes, e a limitação desta autoridade observada pelos critérios da competência para atuação e o respeito aos interesses dos particulares (27).

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Sobre o autor
Bruno Nubens Barbosa Miragem

acadêmico de Direito da UFRGS, em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. O poder de polícia da administração e sua delegação.: Da impossibilidade do exercício do poder de polícia pelo ente privado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/455. Acesso em: 20 nov. 2024.

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