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O controle difuso da constitucionalidade sob a ótica do direito luso-brasileiro

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3. ASPECTOS DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

3.1. Origem histórica

O controle difuso encontra suas origens no famoso caso Marbury vs. Madison, julgado pelo juiz americano John Marshall em 1803. Este controle, diferentemente do modelo austríaco, é fruto de uma construção jurisprudencial, também sendo denominado sistema americano.

O então Presidente norte-americano, John Adams, foi derrotado nas eleições presidenciais por Thomas Jefferson. Antes de este último assumir o poder, Adams fez uma série de nomeações de pessoas ligadas ao seu governo para o cargo de juiz federal, entre elas William Marbury. A comissão para o cargo de juiz do condado de Washington foi assinado pelo Presidente Adams sem, contudo, ser entregue a Marbury.

Jefferson, ao assumir o cargo, nomeou para o posto de Secretário de Estado James Madison, determinando-lhe que não mais efetivasse a nomeação de Marbury. Este, como era de se esperar, se insurgiu contra a decisão e impetrou um writ of mandamus buscando a efetivação da sua nomeação.

Após anos de espera, a Suprema corte dos Estados Unidos enfrentou a matéria, tendo como relator para o caso o Chief Justice John Marshall. Uma das questões controversas que pendiam de solução neste caso era se a Suprema corte possuía competência ou não para apreciar o writ of mandamus, isto porque a Constituição dos EUA estabelece que a mais alta corte daquele país possui competência originária em todas as causas relativas a embaixadores, cônsules e outros ministros públicos, além dos casos nos quais um Estado fosse parte. Nos demais casos, a Suprema Corte teria jurisdição em grau de recurso.

Em termos práticos, o que a Suprema Corte precisou decidir pela primeira vez era se deveria prevalecer a lei - o Judiciary Act de 1789, que determinava uma competência para a Suprema Corte que não estava listada na Constituição - ou a Constituição de 1787, que não previa tal competência para a Corte.

O voto do Justice Marshall seguiu no sentido de que é nula toda lei incompatível com a Constituição e que os tribunais, bem como os demais departamentos, são vinculados por esse instrumento. Desta forma, pode-se afirmar que a noção de controle difuso de constitucionalidade das leis deve-se ao caso Marbury versus Madison julgado pela Suprema Corte dos EUA, a qual entendeu que, havendo conflito entre norma da Constituição e lei infraconstitucional, deveria prevalecer a primeira por ser hierarquicamente superior.

3.2. Conceito

Após uma breve exposição sobre os aspectos históricos do controle difuso de constitucionalidade, é importe trazer alguns pontos importantes para entendermos o seu conceito.

O controle difuso ou sistema americano, conceitualmente, não pode ser confundido com o controle por via incidental (ou incidenter tantum). O primeiro é realizado por qualquer juízo ou tribunal do Poder Judiciário – desta forma, órgãos jurisdicionais inferiores ou superiores, federais ou estaduais não apenas podem, como devem, deixar de aplicar ao caso submetido à sua apreciação lei ou outro ato normativo incompatível formal ou materialmente com a Constituição Federal. Esta, sendo a lei dotada de mais alta hierarquia no ordenamento jurídico, impõe aos magistrados e cortes de justiça uma necessidade de interpretá-la, evitando a aplicação de leis ou atos normativos com ela incompatíveis.

O controle por via incidental, por seu turno, é aquele realizado na apreciação de um caso concreto, tendo como característica marcante que a declaração de inconstitucionalidade não é o objetivo da demanda. O que deseja a parte é que seja reconhecida seu direito, sendo este, porém, atingido ou violado pela norma supostamente inconstitucional. Em outras palavras, para que o magistrado ou tribunal chegue à solução do litígio, é necessário que haja deliberação, de forma incidental, sobre a constitucionalidade ou não de um dispositivo legal ou outro ato normativo; a matéria constitucional arguida, portanto, mostra-se como questão prejudicial.

No Brasil, todavia, regra geral, eles se sobrepõem, de forma que diversos doutrinadores utilizam as expressões controle difuso e incidental como sinônimas em suas obras jurídicas, uma vez que, desde os primórdios da República, o controle incidental é exercido de forma difusa.

Nota-se que o Brasil adotou o sistema judicial de controle de constitucionalidade, ou seja, são órgãos pertencentes ao Poder Judiciário que fazem a análise da compatibilidade material e formal das leis e atos normativos com a CF; não se pode afirmar, porém, que não existam exemplos de controle que podem ser exercidos por órgãos fora da estrutura do Judiciário, por exemplo, o veto jurídico imposto pelo Presidente da República a projeto de lei que considere inconstitucional, ou, ainda, quando a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados determina o arquivamento de projeto de lei tido inconstitucional.

Em Portugal, também prevalece o sistema judicial e misto de controle de constitucionalidade. A competência para fiscalizar a constitucionalidade das normas é de todos os tribunais (artigos 204.º e 280.º) - judiciais, administrativos, fiscais, militares - que, quer por impugnação das partes, quer ex officio pelo Juiz ou Ministério Público, julgam e decidem a questão da inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao caso concreto submetido a decisão judicial.[21]

O modelo português, por seu turno, além do controle concreto (difuso), possui como outras espécies de controle de constitucionalidade a fiscalização preventiva da constitucionalidade, a fiscalização abstrata da constitucionalidade e a inconstitucionalidade por omissão.

O controle de constitucionalidade difuso está expresso no artigo 204.º da Constituição da República, in verbis:

Artigo 204.º - Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.

Observe-se que o Poder Judiciário português possui competência para apreciar questões constitucionais, mas a declaração definitiva é de responsabilidade do Tribunal Constitucional. Nesse aspecto, Ricardo Fiúza resume bem a questão:

Em resumo, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões de 1º grau e de 2º grau que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em sua inconstitucionalidade; que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo; ou que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional.[22]

Não se pode deixar de salientar, ainda, interessante previsão constitucional portuguesa disposta no artigo 281.º, n.º 3, o qual dispõe que “o Tribunal Constitucional aprecia e declara ainda, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos”.

No controle difuso, a ação judicial é interposta com o objetivo de resolver um caso concreto submetido à apreciação do Judiciário, mas, para a resolução deste conflito, o juiz ou tribunal analisa incidenter tantum, como matéria prejudicial, se a norma é ou não compatível com a CF. De acordo com Barroso:

Diz-se controle incidental ou incidenter tantum a fiscalização constitucional desempenhada por juízes e tribunais na apreciação de casos concretos submetidos a sua jurisdição. É o controle exercido quando o pronunciamento acerca da constitucionalidade ou não de uma norma faz parte do itinerário lógico do raciocínio jurídico a ser desenvolvido. Tecnicamente, a questão constitucional figura como questão prejudicial, que precisa ser decidida como premissa necessária para a resolução do litígio.[23]

Fica claro, portanto, que a análise da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei ou ato normativo no controle difuso ocorre no processo judicial, possuindo a questão da constitucionalidade natureza de questão prejudicial à análise do mérito. No controle incidental, o pedido da ação interposta consiste em solucionar o conflito de interesses e não na análise da compatibilidade da norma com a CF, como ocorre no controle direto. Rui Barbosa, citado por Gilmar Mendes, lecionava que:

A inconstitucionalidade não se aduz como alvo da ação, mas apenas como subsídio à justificação do direito, cuja reivindicação se discute. (...) A ação não tem por objetivo diretamente o ato inconstitucional do poder legislativo, ou executivo, mas se refira a inconstitucionalidade dele apenas como fundamento, e não alvo, do libelo.[24]

Pode-se afirmar que uma característica marcante do controle difuso é que seu desenvolvimento se observa, inicialmente, no curso de uma ação judicial, e nesta, o debate acerca da matéria constitucional não é objetivo primordial, mas demonstra-se tão somente como um antecedente lógico e necessário à resolução do conflito submetido à apreciação do Poder Judiciário. O controle difuso, portanto, tem origem no âmbito de uma demanda judicial, sendo exercido por qualquer juiz ou tribunal competente para conhecer da ação e julgá-la, em qualquer grau de jurisdição e a declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade de lei ou ato normativo não é objeto principal da ação, mas um antecedente lógico e necessário para o julgamento do mérito.

3.3. Aplicação no ordenamento jurídico português e no brasileiro

No direito português, como dito acima, o controle concreto (difuso) de constitucionalidade é exercido por todos os tribunais, que podem apreciar, por impugnação das partes ou por iniciativa do juiz, a existência de inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao caso concreto submetido a julgamento. Tal controle poderá ser exercido sobre todas as normas do ordenamento suscetíveis de controle sob o ponto de vista da constitucionalidade. Contudo, contra as decisões em sede de controle difuso, sempre existe a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional – obrigatório ao MP em alguns casos – o qual irá decidir em última instância a lide, sendo que a decisão proferida somente tem valor para o caso que originou o recurso.[25]

Segundo os ensinamento de J. J. Gomes Canotilho:

O regime da fiscalização concreta revela claramente a sua natureza mista, entre o sistema difuso, tradicional entre nós, e o sistema concentrado, de tipo austríaco. O sistema de controlo é um sistema original: diferentemente do que acontece com outros sistemas dotados de tribunal constitucional onde se consagrou o chamado “incidente de inconstitucionalidade”, os tribunais comuns também têm acesso directo à Constituição, dispondo de competência plena para julgarem e decidirem as questões suscitadas; mas, diversamente dos sistemas de judicial review, as decisões dos tribunais da causa são recorríveis para um tribunal constitucional específico, exterior à jurisdição ordinária.

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O artigo 281.º, n.º 3, da Constituição da República, dispõe que o Tribunal Constituição apreciará e declarará, “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos”, ou seja, desencadeará processo de fiscalização abstrata a partir da análise prévia anterior em controle difuso. Observa-se, contudo, que essa passagem da fiscalização concreta à fiscalização abstrata não ocorre automaticamente, nem está o Tribunal Constitucional obrigado a fazer, ficando dependente de iniciativa. Note-se, também, que não é necessário que a norma constitucional considerada como parâmetro nos três casos em que se posicionou pela inconstitucionalidade seja a mesma. É a norma tida como inconstitucional que deve se repetir. Da mesma sorte, nada impede que o Tribunal Constitucional declare apenas um segmento da norma inconstitucional, dando, portanto, uma amplitude menor à declaração da inconstitucionalidade em abstrato.[26]

Segundo o artigo 280 da Constituição da República, três são os tipos de decisões recorríveis ao Tribunal Constitucional: 1) decisões que recusem a aplicação de certa norma com fundamento em inconstitucionalidade ou em ilegalidade (artigo 280.º, n.º 1, “a”); 2) decisões que apliquem norma cuja constitucionalidade ou ilegalidade haja sido suscitada durante o processo (artigo 280, nº 1, “b”); e 3) decisões que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo Tribunal Constitucional (artigo 280.º, n.º 2).

O que fundamenta a recorribilidade de tais decisões é o postulado da supremacia do Tribunal Constitucional, que é o órgão especificamente legitimado para exercer o papel de “guardião” da Constituição em última instância. Se a primeira palavra acerca da inconstitucionalidade de determinada norma cabe a qualquer julgador, a última, como já referido, pertence exclusivamente ao Tribunal Constitucional.[27]

A decisão proferida no recurso, todavia, tem caráter substitutivo em relação à decisão recorrida. Nesse sentido, julgado provido o recurso submetido ao Tribunal Constitucional, ainda que parcialmente, os autos retornam ao julgador a quo, a fim de que este reforme a decisão.

Ainda, é importante salientar que o recurso ao Tribunal Constitucional pode ser direto e, obrigatoriamente o será, quando se tratar de recurso interposto pelo Ministério Público em virtude da norma cuja aplicação tenha sido recusada constar de convenção internacional, de ato legislativo ou de decreto regulamentar (hipótese de recurso obrigatório). Vejamos o que diz o n.º 3 do artigo 280.º:

3. Quando a norma cuja aplicação tiver sido recusada constar de convenção internacional, de acto legislativo ou de decreto regulamentar, os recursos previstos na alínea a) do n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 são obrigatórios para o Ministério Público.

O n.º 5 do mesmo artigo 280.º traz, por fim, uma outra hipótese de recurso obrigatório para o MP, que ocorre quando um tribunal de primeira instância aplique norma que já fora anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional:

5. Cabe ainda recurso para o Tribunal Constitucional, obrigatório para o Ministério Público, das decisões dos tribunais que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional.

No sistema brasileiro, as partes do processo podem alegar a inconstitucionalidade de um dispositivo legal ou ato normativo em seu favor, seja como matéria presente na petição inicial, seja como matéria da resposta do réu em sua defesa. A parte ré na ação invoca a inconstitucionalidade geralmente com o objetivo de não se ver obrigada a cumprir uma norma que considera formal ou materialmente incompatível com a Constituição Federal brasileira. A parte autora também pode suscitá-la como fundamento de sua pretensão já na petição inicial ou em momento posterior, por exemplo, em mandado de segurança no qual o contribuinte busca desonerar-se do pagamento de determinado tributo por inconstitucionalidade da lei instituidora da exação, ou, ainda, no caso de habeas corpus cujo fundamento remonta à inconstitucionalidade do dispositivo legal no qual se baseia a persecução penal.

Igualmente, ao Ministério Público se atribui faculdade de arguir a inconstitucionalidade de determinada norma, seja como parte ou como fiscal da lei. Terceiros que ingressaram legitimamente na demanda, mas em momento posterior ao da formação inicial do processo, como é o caso do assistente ou do opoente, também podem arguir a inconstitucionalidade de uma norma. O juízo ou tribunal competente para o processo pode vir a reconhecer de ofício a inconstitucionalidade. Se o órgão jurisdicional de primeiro grau, porém, deixar de suscitar a inconstitucionalidade, não há que se falar em preclusão, desta forma o tribunal – segundo grau de jurisdição – também pode manifestar-se sobre ela de ofício.

Em processos de qualquer natureza, de conhecimento, execução ou cautelar pode-se suscitar a inconstitucionalidade de dispositivo legal. É também lícita a arguição de inconstitucionalidade em ações de rito ordinário, sumário, ação especial ou ação constitucional. Faz-se necessário, no entanto, que no bojo do processo haja um conflito de interesses, uma lide a ser resolvida pelo órgão jurisdicional, visto que o objetivo da ação não é atacar a lei em abstrato e obter sua declaração de inconstitucionalidade, o que se objetiva é a proteção de um direito que seria violado pela lei ou ato normativo, além da resolução do conflito de interesses.

Em sede de controle difuso, é defesa a propositura de ação com o objetivo único de obter a declaração de inconstitucionalidade de lei, pelo fato de tal objetivo precisar ser perseguido em sede de controle concentrado, por via de ação direta, cuja legitimação é muito restrita. A súmula 266 do STF corrobora tal entendimento ao estabelecer: “Não cabe mandado de segurança contra lei em tese”, ou seja, entende a Suprema Corte brasileira que não pode o mandado de segurança funcionar como substituto da ação direta de inconstitucionalidade, instrumento processual apto a atacar, em tese, lei ou ato normativo. Há, na ação civil pública, possibilidade reconhecida, tanto pela doutrina dominante, como pelo STF, de exercício do controle difuso de constitucionalidade de leis ou atos normativos, desde que a matéria constitucional não configure objeto único da ação, mas mera questão prejudicial ao deslinde da demanda.

3.4. A tramitação do incidente de inconstitucionalidade

No controle de constitucionalidade concreto, a conformidade da norma perante a Constituição é analisada durante o exercício normal da jurisdição:

O que a parte pede no processo é o reconhecimento do seu direito, que, todavia, é afetado pela norma cuja validade se questiona. Para decidir acerca do direito em discussão, o órgão judicial precisará formar um juízo acerca da constitucionalidade ou não da norma. Por isso se diz que a questão constitucional é uma questão prejudicial: porque ela precisa ser decidida previamente, como pressuposto lógico e necessário da solução do problema principal.[28]

O controle concreto, pois, está vinculado a uma situação subjetiva, podendo ser realizado por qualquer juiz ou tribunal, ao conhecerem processos de sua competência, razão por que, no Brasil, é sinônimo de controle difuso.

Ressalte-se não ser necessário que as partes aleguem a inconstitucionalidade da norma. Pode o magistrado de ofício negar-lhe aplicação, caso a julgue inconstitucional.

Mas quando se tratar de tribunal, é necessário observar a norma da reserva de plenário, prevista no art. 97 da Constituição brasileira, segundo a qual “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”. Essa norma revela a presunção de constitucionalidade das leis, exigindo um quórum qualificado para que elas deixem de ser aplicadas.[29]

Não poderá um órgão fracionário de um tribunal, como uma turma ou uma câmara, portanto, afastar a aplicação de uma norma, salvo se o plenário ou órgão especial do tribunal já tiver reconhecido a inconstitucionalidade dessa norma. O órgão fracionário pode, contudo, suscitada a inconstitucionalidade por qualquer das partes, pelo Ministério Público ou por algum desembargador ou ministro, declarar que a norma é constitucional.

O procedimento da declaração de inconstitucionalidade pelo tribunal está previsto nos arts. 480 a 482 do CPC. Suscitada a inconstitucionalidade, o relator ouvirá o Ministério Público e, em seguida, submeterá a questão à respectiva turma ou câmara. Se o órgão fracionário rejeitar a inconstitucionalidade, o julgamento da causa prosseguirá normalmente.     

Acolhida a arguição, será lavrado acórdão, e a questão será submetida ao pleno, salvo se este, o órgão especial ou o Supremo Tribunal Federal já houverem se pronunciado sobre a aplicabilidade da norma.

Antes da sessão de julgamento no pleno, todos os desembargadores ou ministros receberão cópia do acórdão lavrado pela turma ou câmara. Poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade o Ministério Público, as pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela elaboração do ato normativo, as pessoas legitimadas para propor a ADIn (por escrito), bem como outros órgãos ou entidades, caso o relator entenda relevante a matéria. Julgada a arguição de inconstitucionalidade pelo pleno ou órgão especial, o caso concreto será julgado pelo órgão fracionário, com base no julgamento da questão prejudicial.

A decisão do pleno ou órgão especial acerca da constitucionalidade da norma é irrecorrível, apenas poderá ser atacada juntamente com o recurso interposto contra a decisão que julgar o caso concreto.

Em se tratando de questão que tramite nos tribunais inferiores, ela poderá chegar ao Supremo Tribunal Federal por meio do recurso extraordinário, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ou julgar a validade de lei ou ato de governo local em relação a lei federal. (art. 102, III, CF/88).

Recebida a peça recursal no tribunal de origem, a parte recorrida será intimada para apresentar contrarrazões. Findo o prazo, o presidente ou vice-presidente do tribunal, a quem deve ser dirigido o recurso, realizará um juízo provisório de admissibilidade, verificando se está configurada alguma das hipóteses previstas no art. 102, III, da Constituição, e se estão atendidos requisitos formais.

Admitido o recurso no tribunal de origem, os autos são remetidos ao Supremo Tribunal Federal, ou primeiramente ao Superior Tribunal de Justiça, se houver sido interposto recurso especial e este também houver sido admitido na origem. Apenas quando “concluído o julgamento do recurso especial, serão os autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal, para apreciação do recurso extraordinário, se este não estiver prejudicado” (art. 543, § 1°). No Supremo Tribunal Federal, haverá um juízo definitivo de admissibilidade.

Para que seja admitido o recurso, um dos requisitos é a existência de prequestionamento, segundo o qual a questão constitucional deve ter sido analisada na instância inferior. Há diferentes concepções acerca do prequestionamento: ora é entendido como o pronunciamento do tribunal a quo sobre a questão constitucional; ora como um ônus atribuído à parte recorrente, que deve debater a questão, independentemente de pronunciamento do tribunal. A par dessas duas, posição eclética entende o prequestionamento como o ato da parte, ao debater a questão, juntamente como a manifestação do tribunal recorrido. Se a parte suscitar a questão, mas o tribunal não se manifestar, poderão ser opostos embargos de declaração para suprir a omissão. Segundo o STF, ainda que persista a omissão, estará atendido o requisito de admissibilidade. Trata-se do prequestionamento ficto. Ademais, o prequestionamento pode ser implícito: existirá se o tema for debatido no tribunal de origem, mesmo sem menção expressa aos dispositivos constitucionais.

Mas o recurso extraordinário não é o único meio pelo qual o STF poderá declarar incidentalmente a inconstitucionalidade de uma norma. Poderá fazê-lo também em causas de sua competência originária, a exemplo do mandado de segurança contra o Presidente da República, previsto no art. 102, I, d, da Constituição, ou nas causas julgadas em recurso ordinário, previstas no art. 102, II. O que importa para caracterizar esse controle incidental é que se trate de um processo cujo objeto seja outro que não a constitucionalidade da norma, uma situação concreta, um litígio entre duas partes. A constitucionalidade deve aparecer apenas como questão prejudicial. De qualquer sorte, em todas essas formas de controle incidental deve-se observar a regra da reserva de Plenário.

Ressalte-se que o recurso extraordinário poderá ser interposto não apenas pelas partes no processo, mas também por terceiro prejudicado, consoante o art. 499 do CPC.

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Sobre o autor
André Augusto Duarte Monção

Mestre em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa - UAL. Especialista em Gestão do Esporte e Direito Desportivo pelo Centro Universitário Católica de Santa Catarina - Católica SC e pela Faculdade Brasileira de Tributação - FBT/INEJE. MBA em Compliance e Gestão de Riscos (com ênfase em Governança e Inovação) pela Faculdade Pólis Civitas. Especialista em Arbitragem, Conciliação e Mediação pela Faculdade de Minas - FACUMINAS. Especialista em Direito Empresarial pela Faculdade Legale - FALEG. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Maurício de Nassau - UNINASSAU. Graduado pela Faculdade de Direito do Recife - FDR da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Auditor do Tribunal Pleno do STJD de Skateboarding. Auditor da Comissão Disciplinar do STJD da CBVD. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo - IBDD. Membro do Grupo de Estudos em Direito Desportivo da UFMG (GEDD UFMG). Autor do livro "Mediação e Arbitragem aplicadas ao desporto e o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS/CAS), publicado pela Editora Dialética no ano de 2022.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONÇÃO, André Augusto Duarte. O controle difuso da constitucionalidade sob a ótica do direito luso-brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4565, 31 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45562. Acesso em: 3 mai. 2024.

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