Apontamentos sobre a "apelación" , o "recurso extraordinario por infración procesal" e o recurso de "casación" no Direito Processual Civil Espanhol

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11/01/2016 às 18:47
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o breve artigo se destina a fazer breves considerações sobre o sistema recursal espanhol, especialmente sob a ótica do recurso de apelación, o recurso extraordinário por infracción procesal e o recurso de casación.

          Resumo: o breve relatório se destina a fazer breves considerações sobre o sistema recursal espanhol, especialmente sob a ótica do recurso de apelación, o recurso extraordinário por infracción procesal e o recurso de casación, realizando comparação com modelo adotado pelo Brasil, analisando as congruências e as divergências entre os sistemas jurídicos, especialmente sob a ótica das alterações legislativas que o Brasil operou com o novo Código de Processo Civil.

            Palavras-chave: recursos; Espanha; sistema recursal; apelación; recurso extraordinário por infracción procesal; recurso de casación; Direito Processual Civil; Processo Civil comparado.

            Sumário: I – Breve exposição sobre o sistema processual espanhol; II – O modelo recursal espanhol: características gerais; III – Recursos em espécie: apelación, recurso extraordinário por infracción procesal e recurso de casación; IV – Conclusão; V - Bibliografia.

I – BREVE EXPOSIÇÃO SOBRE O SISTEMA PROCESSUAL ESPANHOL

A Espanha integra a família da Civil Law, baseando-se, portando, no predomínio da legislação codificada sobre os precedentes judiciais[1]. Surge para o Estado local, a partir disto, a obrigação de elaborar extensas legislações, como forma de garantir a maior amplitude possível do ordenamento, com vistas à garantia da pacificação social.

A Ley de Enjuiciamiento Civil, datada de 1881, regeu por longo tempo o campo processual civil espanhol. Uma vez que era oriunda, na verdade, da Ley de Enjuiciamiento Civil de 1855, a legislação espanhola se mostrou defasada. Pautou-se na ampla liberdade atribuída às partes para deduzir os meios de ataque e defesa e para produzir provas[2].

Ao longo das décadas, a LEC sofreu muitas reformas, as quais introduziram grandes modificações sem, contudo, retirar-lhe as características principais, especialmente o anacronismo. A mudança se fazia necessária, inclusive por pressões internacionais (por exemplo, devido à entrada da Espanha na União Europeia no ano de 1994)[3], o que culminou na promulgação da Ley de Enjuiciamiento Civil de 2000.

Na Exposição de Motivos, o legislador expôs seu principal objetivo com a nova codificação: a plenitude das garantias processuais. Em termos concretos, é a exigência de uma resposta legal mais rápida, com maior capacidade de transformação real das coisas. Significa, portanto, um conjunto de instrumentos encaminhado a atingir um encurtamento do tempo necessário para a solução definitiva do conflito[4].

Para atingir tão nobre objetivo, o sistema recursal teria de sofrer profundas mudanças, eis que é um dos maiores gargalos do processo. Em diversos ordenamentos (dentro dos quais o Brasil se inclui), o número de recursos, bem como as hipóteses de cabimento, é apontado como a principal razão de atrasos para a chegada à uma solução final da demanda. A LEC de 1881, em matéria recursal, era dotada de diversas especificidades, o que exigiu grande trabalho do legislador, conforme analisaremos em seguida.

II O MODELO RECURSAL ESPANHOL: CARACTERÍSTICAS GERAIS

A LEC regula a matéria recursal nos artigos 448 e seguintes. As disposições gerais são, em muito, próximas ao modelo brasileiro. O direito de recorrer compete às partes (art. 448.1), sendo o prazo recursal computado do dia seguinte ao da data da notificação da decisão recorrida, ou da intimação do esclarecimento da decisão, ou de sua negativa (art. 448.2). Trata-se de parente próximo ao do art. 499 do CPC/73, bem como das disposições especiais relativas a cada recurso e seu respectivo prazo. É permitido ainda ao Ministério Público (Ministerio Fiscal) recorrer em algumas hipóteses, pelo interesse da lei.

O art. 449, por sua vez, trata do “direito de recorrer em casos especiais”, o que nada mais é do regramento específico em relação a determinadas demandas e seus respectivos recursos. Por exemplo, em caso de ação indenizatória por danos causados por veículo automotor, o conhecimento dos recursos de apelação, extraordinário por infração processual ou de cassação fica condicionado ao depósito prévio do valor da condenação, bem como de juros e honorários, permitida a execução provisória (art. 449.3).

Aponta Fernanda Pantoja que o Tribunal Constitucional Espanhol já se pronunciou reiteradas vezes no sentido que a exigência do depósito recursal não ofende o direito fundamental à tutela judicial efetiva, pois sua finalidade, além de garantir o crédito, é também a de evitar recursos meramente dilatórios, que não obedeçam a uma vontade real e fundada de recorrer[5].

Ressalte-se que, no Processo Civil brasileiro, as hipóteses de exigência de depósito prévio são rechaçadas. O CPC então projetado previa o cabimento de depósito prévio para interposição da apelação, o que não vingou na versão promulgada[6]. Assim, somente no Processo do Trabalho é que esta exigência se sustenta.

É lícita, ainda, a desistência do recurso até o momento em que sobrevenha a sua decisão (art. 450.1). Sendo vários os recorrentes, apenas a parte que seja de interesse exclusivo do desistente que não será objeto de recurso é considerada desistida (art. 450.2), em disposições parecidas com os arts. 501 e 509 do CPC/73.

Tal como no Direito brasileiro, a LEC divide os recursos em ordinários e extraordinários. Neste sentido, vale transcrever a lição de Marinoni, Arenhart e Mitidiero:

A classificação (dos recursos) mais importante é aquela que diz respeito à finalidade do recurso - visto na perspectiva do nosso sistema recursal. E nesse critério que aparece a distinção entre recursos ordinários e recursos extraordinários: os recursos ordinários visam à justiça da decisão e estão direcionados à interpretação e à aplicação do direito no caso concreto, ao passo que os recursos extraordinários visam à unidade do direito e estão vocacionados à interpretação do direito a partir do caso concreto. Essas diferentes funções determinam abrangências distintas do ponto de vista da matéria que pode ser tratada nos recursos ordinários e nos recursos extraordinários: enquanto nos primeiros a causa pode ser conhecida em todos os seus aspectos, nos segundos é vedada a reapreciação da prova[7].

Quanto às espécies recursais espanholas, como aponta Fernanda Medina Pantoja[8], a par da apelação (apelación), há outras quatro figuras recursais no sistema espanhol, quais sejam, a reposição (reposición), a queixa (queija), o recurso de cassação (casación) e o recurso extraordinário por infração processual (recurso extraordinário por infraccíon procesal), cujas regras e características encontram-se devidamente expostas no Código.

Em seguida, analisaremos a apelação, o recurso extraordinário por infração processual e o recurso de cassação, como aponta o título do presente trabalho.

III – RECURSOS EM ESPÉCIE

  1. Apelación

A Apelación é o recurso cabível em face das sentenças de toda classe de juízo, dos autos definitivos e nas demais hipóteses previstas em lei (art. 455.1). Tal como o Direito brasileiro, é a espécie recursal por excelência. Recurso ordinário que é, este meio de impugnação é dotado de fundamentação livre, de fato e de direito que já tenham sido ventiladas em primeira instância, com o de revisão da decisão proferida (revisio prioris instantae) (art. 456.1).

A competência para julgamento da apelação irá variar conforme a origem do provimento jurisdicional atacado: se oriundos dos juízes de paz, serão julgados pelos juízes de primeira instância; se proferidos por estes, serão julgados pelas Audiências Provinciais, que funcionam como órgãos recursais ordinários, por força do art. 82 da Ley Orgánica del Poder Judicial (Ley Orgánica nº 6/1985).

Antes de prosseguir, é relevante classificar os atos decisórios dos juízes espanhóis, como maneira de definir quais modalidades poderão ser atacadas pela apelación. O art. 206.1 da LEC traz as denominadas resoluciones judiciales: são as providencias, autos e sentencias.

As providências se destinam à resolução de questões processuais em que a lei não exigiu a forma de um auto (art. 206.1). Os autos, por sua vez, tratam das questões elencadas no art. 206.2: admissão ou inadmissão da demanda, reconvenção, cumulação de ações, admissão ou inadmissão de meio de prova, homologação de transação, medidas cautelares, validade de atos processuais e outras questões previstas em lei.

Os autos atacáveis por meio de apelación são os aptos a pôr termo à atuação do órgão jurisdicional no processo, como prevê a segunda parte do art. 206.2. Constituem alguns exemplos as decisões que extinguiem o processo (i) por perda superveniente de objeto; (ii) por incompetência jurisdicional; (iii) por inércia processual das partes, quando se prolongue pelo prazo de dois anos; e (iv) por haver litispendência ou coisa julgada[9].

Quanto ao procedimento, a LEC atual promoveu relevante alteração. No regime anterior, havia diversos regramentos específicos para as diversas espécies de apelação. O objetivo do legislador espanhol foi simplificar, especialmente em decorrência da eliminação do cabimento de apelação em face de resolución interlocutoria[10].

Apelação, em seu procedimento único, possui muitas diferenças em relação ao sistema adotado pelo Código de Processo Civil brasileiro: a apelación é interposta perante o juízo prolator da decisão. Primeiro, é necessária a manifestação da vontade de recorrer (preparación).

A decisão que admite a apelación é irrecorrível. Entretanto, pode o recorrido alegar a inadmissão em sede de oposição à apelação (art. 458.3, 3ª parte). A inadmissão da apelação é atacável mediante o recurso de queja (art. 470).

 Sendo considerada admissível a impugnação, deve ser apresentada, no prazo de cinco dias, a petição recursal (interposición), com indicação da decisão impugnada e dos fundamentos do apelo, bem como do pedido de reforma (art. 457). O recorrido será intimado para apresentar oposição à decisão e, caso deseje, também impugnar a decisão (art. 461), figura muito semelhante ao nosso recurso adesivo. Neste caso, o recorrente será intimado para também apresentar sua oposição ao recurso adesivado.

A LEC atual, promovendo mais uma alteração de caráter relevante, suprimiu a expressão da LEC anterior que fazia referência à apelación adesiva, a qual era, tal como aqui, objeto de críticas doutrinárias severas quanto à sua tecnicidade.

O legislador espanhol entendeu que o recurso adesivo não adere ao recurso anteriormente interposto, como se fosse um recurso acessório[11]. Se assim fosse, não conhecido o recurso “principal”, o “adesivo” igualmente não o seria. A sua “adesividade” decorre tão somente quanto à interposição (a interposição é adesiva à interposição do recurso anteriormente interposto).

A apelación possui duas características fundamentais que o legislador de 2015 trouxe (ou perdeu a oportunidade de trazer): de início, é dotada somente de efeito devolutivo, ressalvadas as hipóteses previstas esparsamente na Lei. Trata-se de regra reinante, em consonância com a maior parte dos ordenamentos jurídicos estrangeiros[12], mas que o legislador brasileiro não adotou[13]. Pelo art. 1.012 do CPC/2015, a apelação é dotada de efeito suspensivo, sendo o efeito devolutivo a exceção.

Quanto à extensão do efeito devolutivo da apelación, sua interposição transfere ao Tribunal o poder de julgamento da matéria atacada, de sorte que a sentença que julgar o recurso deverá se pronunciar exclusivamente sobre os pontos levantados na petição recursal. A disposição consagra o princípio latino quantum devolutum quantum apellatum.

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A ressalva fica, contudo, em relação a determinadas nulidades processuais, que poderão ser declaradas de ofício, bem como quanto às apelações que ataquem vícios processuais (apelación por vicio procesal) que poderão avançar sobre o mérito da demanda em caso de vício sanável, por força do art. 465.4, segunda parte. Trata-se de regra próxima à presente em nosso CPC no art. 515, o qual exige ainda que a causa esteja “madura” para julgamento, requisito este não presente no modelo espanhol.

Sobre a apelación por infracción de normas o garantias procesales, prevista no art. 459, é relevante destacar que a LEC exige que o recorrente indique expressamente quais dispositivos entende que foram violados pelo órgão jurisdicional singular, bem como indicar que oportunamente apontou a infração, se teve oportunidade para isto.

O juízo de admissibilidade da apelación é realizado diretamente pelo órgão ad quem, com exceção do preparo, que é de atribuição do juízo a quo. Este tem competência, também, para os atos de execução provisória da sentença impugnada (art. 462). No Brasil, o legislador de 2015 eliminou o juízo de admissibilidade feito pelo juízo de 1º grau, deixando-o apenas para o Tribunal (art. 1.010, § 3º, CPC/15).

Julgada a apelación, por força do art. 466, o recorrente insatisfeito poderá interpor duas modalidades recursais: o recurso extaordinario por infracción procesal ou o recurso de casación, a depender de sua pretensão recursal.

  1. Recurso Extraordinario por Infracción Procesal e Recurso De Casación
  1. Considerações gerais

Tal como no Direito brasileiro, a Espanha adota o modelo de bipartição nos recursos extraordinário, adotando como critério a matéria invocada pelo recorrente no meio de impugnação. Há substanciais diferenças, entretanto, em relação ao que pode ser alegado em cada recurso excepcional previsto no respectivo sistema jurídico, as quais igualmente resultam em mudanças na competência para julgamento do recurso.

Enquanto no Brasil a repartição fica por conta da suposta violação à lei federal ou à Constituição, de âmbito, respectivamente, do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário, a Espanha divide seus recursos excepcionais em:

  1. recurso extraordinário por infracción procesal: trata de errores in procedendo e, por força do art. 73, a, da LOPJ c/c art. 468 da LEC, será julgado pelo Tribunal Superior de Justiça da Comunidade Autônoma a que pertence a Audiência;
  2. recurso de casación: a matéria envolve errores in iucando, devendo ser julgado pelo Tribunal Supremo, por força do art. 56 da LOPJ. caso verse a respeito da legislação da respectiva Comunidade Autônoma, a sua competência de julgamento será do Tribunal Superior de Justiça da comunidade.
    1. Recurso Extraordinario por Infracción Procesal

O recurso extraordinário por infração processual tem suas hipóteses de cabimento taxativamente previstas no art. 469 da LEC, quais sejam:

a) infração das normas sobre jurisdição e competência objetiva ou funcional;

b) violação das normas processuais que regem a sentença;

c) infração das normas legais que regem os atos e garantias do processo, quando a infração determinar a nulidade do ato, por força de lei, ou puder produzir dano e;

d) vulnerabilidade dos direitos fundamentais previstos no art. 24[14] da Constituição, que trata dos direitos fundamentais processuais.

Nesta última hipótese, a LEC requer que, sendo possível, o possível ataque ao art. 24 tenha sido indicado tão logo quando possível, se em primeira instância, e reproduzido em segunda instância. Se tiver ocorrido dano ou vício sanável, deverá ter sido pedido a correção do erro quando tiver sido oportunizado à parte falar (art. 469.2). É um parente próximo ao prequestionamento, mas com outros contornos.

O REIP deve ser interposto perante o Tribunal prolator da decisão, no prazo de vinte dias, contados do dia seguinte ao da intimação da decisão recorrida. A petição recursal deve expor a infração OUA vulneração cometida, expressando de que maneira isto influenciou no processo. É lícito requerer a produção de prova imprescindível para demonstrar a infração (art. 471).

O Secretario judicial, no prazo de três dias, terá o recurso como interposto caso a decisão seja recorrível, o recorrente alegue algumas das hipóteses do art. 469 e tenha feito a indicação prevista no art. 469.2.

Caso o secretário entenda que os requisitos não tenham sido preenchidos, submeterá o recurso ao Tribunal, para que este decida. Mantido o entendimento, o recurso será inadmitido e desafiará o recurso de queixa (art. 470). Tal como na apelação, a decisão de admissão é irrecorrível, mas pode ser alegada em sede de oposição (oposición).

O Tribunal Superior de Justiça poderá inadmitir o recurso nas hipóteses do art. 473: quando lhe faltarem os requisitos dos arts. 467, 468 e 469 e caso careça manifestamente de fundamento. Neste caso, deverá intimar o(s) recorrente(s) para que, no prazo de dez dias, se manifestem a respeito. Admitido o recurso, o recorrido será intimado para apresentar oposição, no prazo de vinte dias (art. 474), podendo igualmente requerer provas e pedir a celebração de vista.

O art. 476 traz as regras de julgamento do REIP: em comum, o provimento do recurso levará à nulidade da decisão atacada, determinando à Audiência Provincial que corrija o vício e prossiga no julgamento.

A sentença de julgamento do REIP é irrecorrível, por força do art. 476.4. A exceção fica por conta do chamado recurso em interesse da lei, previsto no art. 490.1, cuja finalidade é obter a uniformização de jurisprudência. A legitimidade ativa pertence ao Ministério Público (Ministerio Fiscal) e das pessoas jurídicas de direito público que demonstrarem potencial prejuízo pelo entendimento jurisprudencial em matéria processual consagrado pela decisão proferida pelo Tribunal Superior de Justiça[15].

  1. Recurso de casación

Conforme anteriormente mencionado, o recurso de cassação coexiste com o recurso extraordinário por infração processual, sendo espécie de recurso extraordinário. Destina-se fundamentalmente à correção de erros de julgamento, podendo ser manejado em face das sentenças proferidas em segunda instância pelas Audiências Provinciais (art. 477.2).

Por meio deste recurso, o Tribunal Supremo exerce destacada função nomofilácica, isto é, de zelar pela interpretação e aplicação do direito de forma tanto quanto possível uniforme. A jurisprudência consolidada garante a certeza e a previsibilidade do direito, e, portanto, evita posteriores oscilações e discussões no que se refere à interpretação da lei[16].

Suas hipóteses de cabimento são previstas no art. 477 da LEC:

  1. Tratarem da tutela de direitos fundamentais, à exceção dos previstos no art. 24 da Constituição Espanhola, eis que tal espécie é tutelada pela via do recurso extraordinário por infração processual;
  2. Sempre que o valor da causa exceder 600 mil euros;
  3. Quando a demanda tiver valor inferior a 600 mil euros, mas houver interesse cassacional, sendo este presente, nos termos do art. 477.3, quando a sentença contrariar a doutrina do Tribunal Supremo ou resolver pontos e questões sobre a qual exista jurisprudência contraditória das Audiências Provinciais, ou apliquem normas que não tenham mais do que cinco anos de vigência e não tiver manifestação do Tribunal Supremo a este respeito. Excepcionalmente, o julgamento do recurso de cassação pode competir a um Tribunal Superior de Justiça, hipótese em que haverá interesse cassacional se a sentença recorrida se oponha à jurisprudência da Corte ou não houver manifestação anterior do Tribunal Superior sobre normas de direito especial da respectiva Comunidade Autônoma.

Quanto à competência, a Sala Primeira do Tribunal Supremo é quem deve julgar o recurso de cassação (art. 478, LEC c/c art. 56.1 da LOPJ). Em relação às sentenças dos tribunais civis com sede na respectiva Comunidade Autônoma, o recurso será de competência do Tribunal Superior de Justiça local na hipótese de violação das normas de Direito Civil, foral ou especial da própria Comunidade, ou quando o Estatuto de Autonomia correspondente traga previsão neste sentido (art. 478.2).

O recurso de cassação é interposto perante o Tribunal prolator da sentença e, tal como no REIP, no prazo de vinte dias, contados do dia seguinte à intimação da decisão. Se a decisão for recorrível e formulado o recurso no prazo, o Secretario Judicial terá o recurso por interposto. Caso contrário, deve o submeter ao Tribunal, para que este se pronuncie a respeito da admissão do recurso (art. 479.1 e 479.2).

Admitido o recurso pelo Tribunal, por meio de providência, não caberá recurso, podendo o recorrido atacar a admissão em sede de oposição (art. 479.2, in fine). Inadmitido, caberá tão somente queixa (art. 479.2, segunda parte).

A petição recursal deve preencher os requisitos do art. 481: expor algum dos requisitos do art. 477, os fundamentos do recurso, certidão de publicação da decisão impugnada e o conteúdo desta decisão. Na hipótese do art. 477.3, deverá ser demonstrado o tempo de vigência da norma, bem como a inexistência de manifestação da Corte Suprema sobre aquela.

A decisão de admissão do recurso é regida pelo art. 483: ele poderá ser inadmitido quando a) a decisão não for recorrível ou a petição recursal estiver inquinada de vício insanável; b) os requisitos do recurso não estiverem preenchidos; c) se a causa estiver abaixo da taxa legal, não houver interesse cassacional (em decorrência de não haver contrariedade com a jurisprudência da Corte Suprema), se a norma estiver vigente há mais de cinco anos ou, a critério da Corte, houver manifestação sua a respeito desta norma ou de outra com ela similar.

A o auto que decida a respeito da admissão do recurso, por força do art. 483.7, é irrecorrível.

Quanto ao julgamento, nas hipóteses dos itens 1 e 2 do art. 477, a decisão de provimento do recurso de cassação anulará a decisão recorrida ou a confirmará (art. 487.2). Se fundado no número 2 do item 3 do art. 477, o Tribunal julgará igualmente o mérito da causa (e não somente do recurso) em caso de provimento da impugnação (art. 487.3).

  1. Disposições comuns

Sendo interpostos ambos os recursos (extraordinário por infração processual e cassação), pelos distintos litigantes, o recurso de cassação tramitará até a sua admissão, momento em que será suspenso. O recurso extraordinário por infração processual tramitará normalmente até seu julgamento (art. 488.1). Julgado o REIP improcedente, a cassação retomará seu curso (art. 488.2). Julgado procedente, o recurso de cassação será considerado prejudicado (art. 488.3).

Quando os litigantes escolherem o recurso extraordinário, um com fundamento na infração de normas processuais e outro com fulcro na violação do Direito Civil local ou especial da Comunidade Autônoma, os recursos serão julgados em uma única sentença, devendo a Corte tomar em conta que somente poderá julgar eventual recurso de cassação se não prover o recurso extraordinário por infração processual (art. 489).

IV – CONCLUSÃO

Brasil e Espanha são países com características jurídicas relevantes em comum: países de civil law, possuem grandes codificações, as quais foram profundamente modificadas. O anacronismo da legislação anterior, desconectada com a realidade, bem como as hipóteses de cabimento de recursos, e a complexidade de procedimentos foram apenas alguns dos motivos apontados pelo legislador para realizarem estas mudanças.

Em matéria recursal, as soluções adotadas foram similares: eliminação de recursos, redução do cabimento em alguns casos (por exemplo, a LEC atual suprimiu as denominadas apelaciones interlocutórias, cabíveis em face de resoluciones interlocutórias), maior flexibilidade do órgão a quo para realizar o juízo de admissibilidade, permitindo a correção de vícios sanáveis, dentre outras, buscaram dinamizar o processo civil espanhol, tornando-o mais próximo da Constituição.

A Ley de Enjuiciamiento Civil foi apenas um dos sistemas processuais visitados pelo legislador brasileiro quando da confecção do novo Código de Processo Civil. Como exemplo desta afirmação, podemos citar a eliminação do recurso imediato em face de decisões interlocutórias (ressalvadas as hipóteses previstas no art. 1.015 do NCPC), que foi inovação trazida do Direito espanhol.

Outras inovações, contudo, não foram importadas. Por aqui, houve manutenção do efeito suspensivo ope legis no recurso de apelação (art. 1.012, NCPC), o que já foi rechaçado pelo legislador espanhol na LEC, na esteira dos ordenamentos mais modernos.

De mesma forma, manteve-se em sua forma mais ortodoxa, no Brasil, o princípio da preclusão em matéria recursal: apresentada a petição de recurso, esgota-se a possibilidade de complementar razões. Na Espanha, o regime da interposição é bifurcado, consistindo inicialmente na apresentação do pedido de reforma da decisão (preparación) e, posteriormente, com a entrega das razões (interposición). Tal sistemática, no Brasil, apenas subsiste no Processo Penal, não sendo admitida pelo Processo Civil.

Merece destaque a solução adotada pela LEC em matéria de prequestionamento: o recorrente deve atacar a suposta violação passível de recurso extraordinário tão logo possa se manifestar nos autos, bem como renovar esta indicação quando da interposição do recurso. Se ocorrida a violação em primeira instância, deve o recorrente indica-la quando recorrer para a segunda instância

É uma forma, de um lado, de reduzir as possibilidades de inovação em sede recursal e, de outro lado, ao não exigir a manifestação expressa do órgão jurisdicional sobre a matéria, não entrega a sorte do recurso ao Tribunal a quo, como o regime brasileiro das Súmulas 211 do STJ e 356 do STF atualmente fazem.

Por sua vez, é salutar a manutenção da sistemática brasileira em matéria de recursos extraordinários. Bifurcar o acesso às instâncias supremas com base no tipo de vício alegado na sentença (erro no procedimento ou erro de julgamento) não parece ser a melhor solução, eis que a decisão pode (e não raramente possui) ter ambos os vícios. Neste caso, a economia processual estaria ameaçada.

V – BIBLIOGRAFIA

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JUNIOR, Tercio Sampaio Ferraz. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 2003.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. Vol. II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

PANTOJA, Fernanda Medina. Apelação Cível: novas perspectivas para um antigo recurso: um estudo crítico de direito nacional e comparado. Curitiba: Juruá, 2010.

STJ - REsp: 472790 MA 2002/0135879-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 26/10/2004, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 14.03.2005 p. 320 <BR>LEXSTJ vol. 189 p. 96

TUCCI, José Rogério Cruz e (coord.). Direito Processual Civil europeu contemporâneo. São Paulo: Lex Editora, 2010.

TUCCI, José Rogério Cruz e. “STJ interpretou mal nova regra sobre cumprimento de sentença“. Acessível em http://www.conjur.com.br/2007-set-06/stj_interpretou_mal_regra_cumprimento_sentenca, acesso em 08.12.2015

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Sobre o autor
Rodrigo Farias

Monitor de Teoria Geral do Processo na UERJ. Estagiário do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Acadêmico.

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