A devida integração das gorjetas na remuneração

18/01/2016 às 21:08
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REFLEXO DAS GORJETAS EM OUTRAS VERBAS TRABALHISTAS. ANÁLISE DA SÚMULA 354 DO TST.

I - INTRODUÇÃO

O pagamento de gorjeta como retribuição por um bom serviço prestado, embora seja uma prática secular e amplamente realizada pela sociedade, provoca efeitos na esfera jurídico-trabalhista que, até hoje, doutrinadores e especialistas não estabeleceram entendimento pacificado.

No Direito brasileiro, tendo em vista que o art. 457 da CLT determina a integração da gorjeta á remuneração do trabalhador que a recebe, diversos reflexos surgem a partir do simples ato gracioso de pagar a gorjeta. Entre tais reflexos, verifica-se o aumento da base de calculo de outras verbas trabalhistas que beneficiam o trabalhador.

Não existem grandes dificuldades em saber o que é a gorjeta. Toda pessoa, em algum momento, foi ou será consumidora de algum serviço em que costumeiramente se paga esse agrado, como em restaurantes e hotéis. Nestes ramos de atividade, a prática de pagar gorjeta como forma de agradecer ao trabalhador pelo bom serviço recebido é generalizada.

Por outro lado, esses ramos representam parcela significativa da economia e dos postos de trabalho. Assim, milhões de pessoas diariamente pagam gorjetas, enquanto milhões de trabalhadores a recebem, compondo a remuneração com essa verba.

Assim, não pairam dúvidas no que se refere à identificação de um valor entregue como gorjeta, mostrando-se evidente que se trata do valor dado pelo cliente de determinado estabelecimento ao trabalhador, como forma de demonstrar sua satisfação com o atendimento recebido e com o serviço prestado.

O conceito legal de gorjeta está previsto no § 3º do art. 457 da CLT que dispõe que “Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada a distribuição aos empregados.”

José Cairo Junior (2009) leciona que a gorjeta representa a quantia paga por terceiros ao empregado, como forma de agradecimento pela qualidade do serviço por ele prestado. Por sua vez, Vólia Bomfim Cassar (2014) inclui também a finalidade de estimular o trabalhador a manter a qualidade do serviço.

Por fim, interessante colacionar a definição sugerida por Luiz de Pinho Pedreira da Silva (1994), para quem a gorjeta é um proveito que certos empregados obtêm, por ocasião dos atos de seu emprego, dos clientes do seu patrão com os quais se acham em contato direto, sem que com eles tenham contratado.

II - CLASSIFICAÇÕES DAS GORJETAS

A doutrina justrabalhista costuma apresentar a classificação das gorjetas em compulsórias ou espontâneas.

As gorjetas espontâneas, também chamadas de facultativas ou próprias, seriam aquelas em que o cliente a concede por livre e espontânea vontade, sem que tenha havido qualquer tipo de cobrança.

Por outro lado, as gorjetas compulsórias, também chamadas de obrigatórias ou impróprias, seriam aquelas em que, embora concedida pelo cliente conforme sua vontade, há a cobrança pelo estabelecimento na nota de serviço.

Em verdade, há uma impropriedade na classificação como compulsória ou obrigatória. Isto porque, em nenhuma hipótese no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente se analisarmos sob a ótica do Direito do Consumidor, há a obrigatoriedade de pagar gorjeta. Pagamento de gorjeta é sempre ato de liberalidade do cliente que conforme sua vontade decide se paga ou não.

O termo compulsório, extraído do próprio texto do § 3º do art. 457 da CLT, se refere apenas a condição de ser cobrada na nota de serviço. Isso não afasta a possibilidade de o cliente se recusar a pagar tal valor.

É necessário ter claro a acepção de tais termos para o ordenamento brasileiro, uma vez que, em outros países, o termo gorjeta compulsória refere-se a situações em que há obrigação legal de pagar gorjeta.

Essa classificação já possuiu grande relevância para o direito do trabalho. Isto porque, parte da doutrina entendia como de efeitos distintos cada uma destas modalidades de pagamento, entendendo como efetivamente gorjeta somente o valor concedido espontaneamente, sem qualquer cobrança na nota de serviço. Ao contrário, o valor concedido mediante cobrança e repassado pelo empregador seria equivalente aos valores pagos diretamente por este, não configurando efetivamente gorjeta. Este era o entendimento de Luiz Pinho Pedreira da Silva (1994).

Este mesmo doutrinador, todavia, revela em sua obra “A gorjeta” que tal distinção perdeu relevância com o advento da súmula 290 do TST, já cancelada, que expressamente igualava os efeitos das duas modalidades de pagamento de gorjeta. Hoje, o § 3º do art. 457 da CLT acabou com qualquer discussão, haja vista que não estabeleceu qualquer distinção entre elas.

É possível identificar ainda uma terceira classificação, pouco considerada pela doutrina. Seria a chamada gorjeta “repique”, que é a repetição feita pelo cliente que já pagou a gorjeta cobrada em nota de despesa e concede algo mais em dinheiro, diretamente ao empregado (LARCERDA, 2013).

Por fim, cabe mencionar o que alguns doutrinadores classificam como gorjeta ilícita e gorjeta imoral.

Assim, a gorjeta ilícita é a propina, ou seja, a verba concedida em função de um ato de corrupção. Ocorre no caso em que um terceiro paga a verba simulando se tratar de gorjeta, mas com o objetivo de que o empregado pratique um ato ilegal contra o seu próprio empregador. Seria o caso, por exemplo, do empregado que recebe um valor do cliente para que, ao medir o peso de determinada mercadoria, considere valor abaixo do real, ou para que preste informações confidenciais acerca dos negócios do patrão.

A gorjeta imoral, por sua vez, seria aquela que, não obstante sua concessão não viole nenhum dever legal, viola os bons costumes, a moral, a boa fé e demonstra a falta de caráter e lealdade do trabalhador que a recebe. Seria o caso, por exemplo, do empregado que, em virtude do beneficio econômico recebido de terceiro, vende ao cliente de uma farmácia remédio muito mais caro sem informar a existência de similar mais barato.

III - NATUREZA JURÍDICA DAS GORJETAS

O art. 457 da CLT dispõe que “Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.”.

Assim, no que se refere à natureza jurídica da gorjeta, a doutrina justrabalhista apresenta diversas corretes de entendimento. Há doutrinadores que entendem ser uma verba salarial, outros que defendem se tratar de verba não salarial componente da remuneração.

Estabelecer a natureza da gorjeta é de fundamental importância para a análise dos diversos reflexos que esta verba produz, bem como para compreender as bases da proteção conferida pelo ordenamento a esta parcela.

Para Luciano Martinez (2012, p. 412) “as gorjetas são suplementos salariais outorgados pelos clientes de uma empresa em favor dos empregados desta como estímulo pecuniário para a manutenção de um bom atendimento.” Representam, na verdade, oportunidade de ganho oferecido pelos empregadores aos empregados, uma vez que aqueles concedem a estes uma chance para que o trabalhador ganhe algo mais do que o próprio salário. Nesse sentido, o empregado poderá, se o empregador permitir, receber tais estímulos financeiros prestados pelos clientes pelo bom atendimento.

Noutro giro, Sérgio Pinto Martins (2014) entende se tratar de doação, levando em conta o fato de não ser obrigatória.

Já Vólia Bomfim (2014, p. 762) afirma que a natureza jurídica da gorjeta é de gratificação, sendo paga por terceiro ao empregador, em decorrência do serviço prestado pelo trabalhador.

Luiz de Pinho Pedreira da Silva (1994, p. 10) diverge desse entendimento. Ensina ele que a gorjeta e a gratificação tem em comum o aspecto de serem vantagens, originalmente facultativas, que o trabalhador recebe em decorrência da prática de atos relacionados com seu emprego. Todavia, distinguem-se e se tornam inconfundíveis, uma vez que as gratificações são pagas pelo empregador diretamente, enquanto as gorjetas são pagas pelos clientes, quer diretamente ou por meio de repasse realizado pelo patrão.

José Augusto Rodrigues Pinho, analisando o posicionamento de Pinho Pedreira, diverge deste autor. Para Rodrigues Pinho (2007, p. 395):

,“não são os sujeitos, senão a essência ou substância de seus atos, que indicam a natureza das figuras jurídicas que os revestem, sendo certo que, essencialmente, os pagamentos pelo empregador e pelo seu cliente ao empregado têm, no caso, o mesmo conteúdo de doação em agradecimento.”

 Nesse ponto, se mostram adequadas a concepções apresentadas por Vólia Bomfim e Luciano Martinez, haja vista que a essência da gorjeta é de gratificação, conforme ensinamentos de Rodrigues Pinho e, na prática, realmente se mostram como oportunidade que o trabalhador tem de aumentar seus ganhos.

Quanto à caracterização das gorjetas como parcela de natureza salarial ou remuneratória, novamente encontramos divergências doutrinárias.

Conforme já exposto, há uma corrente que entende que as gorjetas são parcelas salariais (suplementos). De outro modo, a corrente que hoje é majoritária atribui à gorjeta natureza meramente remuneratória.

José Augusto Rodrigues Pinto (2007) e Arnaldo Sussenkind (2010) defendem que as gorjetas, quando cobradas na nota de serviço têm natureza salarial. Isto porque nesse caso, o empregador estaria constituindo uma espécie de fundo especial de participação dos empregados nas entradas do estabelecimento, cujo lastro seria para distribuição entre os empregados segundo as regras estabelecidas pelo uso, pela lei, por contrato, por convenção, por sentença coletiva ou regulamento. Assim, o empregador teria apenas a custódia e administração desse fundo, tendo a função de pagar a cada empregado sua participação, conforme o que houver sido fixado.

É de grande importância definir corretamente a natureza jurídica da gorjeta, uma vez que diversos institutos jurídicos são calculados com base no salário e tantos outros com base na remuneração. Assim, classificar a gorjeta como salário ou não pode acarretar em um aumento significativo da base de cálculo de outros direitos.

Essa questão é tormentosa desde as primeiras normas que surgiram no ordenamento brasileiro tratando da gorjeta. Assim, conforme evolução histórica revelada por Luiz de Pinho Pedreira da Silva (1994, p. 95):

 Através dos tempos, tem sido solucionado de maneira vária, pelo direito positivo brasileiro, o problema da natureza jurídica da gorjeta. No resolvê-lo, passou o mesmo direito por uma evolução que, em suas fases principais, pode ser sintetizada nestes termos: a partir de 14 de Dezembro de 1937, por força do art. 8º do decreto-lei 65[1], as gorjetas eram computadas nos salários não só para os efeitos de previdência social como ainda para os da legislação de proteção aos trabalhadores; com a instituição, em 1940, do salário mínimo, pelo decreto-lei nº 2.162, de 1º de Maio desse ano, a jurisprudência vacilou entre considerar a gorjeta ou não como salário para o efeito de completa-lo, decidindo alguns tribunais de trabalho pela afirmativa, com fundamento no decreto-lei 65 e outros pela negativa, sob a consideração de que esse decreto-lei era anterior ao 2.162, e, na fórmula aprovada pela Comissão do Salário Mínimo, nomeada de acordo com a Lei nº 185, de 14 de Dezembro de 1936, não fora incluída a gorjeta como parte integrante do salário; finalmente, com o advento da Consolidação das Leis do Trabalho, que entrou a vigorar em 10 de Novembro de 1943, a gorjeta veio a ser considerada simples forma de remuneração, que compreende não só o salário pago diretamente pelo empregador como os proventos recebidos de terceiros (art. 457), em nenhuma hipótese integrando o salário (§ 1º) ou concorrendo para a formação do salário mínimo, que é contraprestação devida e paga diretamente pelo empregador (art. 76).

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O Tribunal Superior do Trabalho, em 28 de março de 1988, por meio da já cancelada Súmula 290, dissipou de certo modo a celeuma em apreço ao dispor que as gorjetas, sejam elas cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes integram a remuneração do empregado.

Referida súmula, que fora cancelada pelo TST, trazia disposição semelhante a do atual § 3º do art. 457 da CLT, evidenciando a natureza remuneratória desta parcela.

Por fim, cabe trazer à baila o que dispõe o art. 29, § 1º da CLT:

As anotações concernentes a remuneração devem especificar o salário, qualquer que seja sua forma de pagamento, seja ele em dinheiro ou em utilidades bem como a estimativa de gorjeta.

Verifica-se, então, que o valor recebido a título de gorjeta deve ser anotado na Carteira de Trabalho e Previdência Social do Trabalhador, autorizando o legislador a utilização de estimativa para a fixação deste valor.

IV - REPERCUSSÃO DAS GORJETAS EM OUTRAS VERBAS TRABALHISTAS. ANÁLISE DA SÚMULA 354 DO TST.

Novamente aqui ganha relevância o caput do art. 457 da CLT, visto que dispõe que as gorjetas compõem a remuneração, integrando, então, a base de cálculo de outras verbas trabalhistas. Observa-se, assim, a existência dessa importância, entregue por terceiros, capaz de gerar efeitos patrimoniais no contrato individual de trabalho.

Seguindo a linha interpretativa que compreende que o ordenamento jurídico brasileiro distinguiu salário de remuneração, caracterizando aquele como conjunto de parcelas pagas diretamente pelo empregador em contraprestação ao trabalho realizado, e este como conjunto de parcelas recebidas pelo trabalhador em decorrência do trabalho, englobando o salário e demais parcelas estritamente remuneratórias pagas por terceiros, Maurício Godinho Delgado (2012) apresenta duas variantes dessa linha interpretativa.

Assim, a primeira vertente, que já foi muito importante na prática jurídica considerava que a CLT utilizou a palavra remuneração como formula para incluir no salário contratual do trabalhador as gorjetas habitualmente recebidas.  Deste modo, o legislador teria se utilizado da expressão remuneração somente com o objetivo de integrar as gorjetas ao salário contratual, embora não fossem pagas diretamente pelo empregador.

Essa concepção revela um direcionamento pró-trabalhador, visto que os efeitos práticos de sua aplicação trariam muito mais benefícios ao trabalhador que recebe gorjeta, uma vez que a média das gorjetas habituais recebidas repercutiria em todas as demais parcelas contratuais.

Os defensores dessa vertente entendem que a utilização do termo remuneração foi um mero artifício legal que visava permitir, sem perda da consistência da definição de salário, que as gorjetas incorporassem a base de cálculo salarial mensal do trabalhador. Do mesmo modo, afirmam que o legislador apenas pretendeu impossibilitar interpretações que pudessem fazer incluir as gorjetas no salário mínimo. Este continua sendo a contraprestação mínima paga diretamente pelo empregador. É nesse sentido o entendimento de Maurício Godinho Delgado (2012) e Luiz de Pinho Pedreira da Silva (1994).

De outro modo, a segunda vertente a ser citada entende que, conforme a CLT, salário e remuneração são dois tipos-legais completamente distintos e inconfundíveis. O salário, que seria a parcela contraprestativa paga diretamente pelo empregador, e a remuneração, que seria o salário somado com as parcelas contraprestativas pagas diretamente por terceiros.

Nessa vertente interpretativa, as parcelas estritamente remuneratórias, como as gorjetas, não produziriam efeitos próprios de outras parcelas estritamente salariais. Assim, tais parcelas não integrariam o salário mínimo legal, tampouco o salário contratual, deixando de produzir repercussões em diversas outras parcelas trabalhistas.

A súmula 354 do TST consagra esse último entendimento, uma vez que se baseou na literalidade das palavras utilizadas pelo legislador no texto da CLT. Deste modo, conforme raciocínio utilizado pelo TST, as parcelas estritamente remuneratória somente são consideradas na base de cálculo de outras verbas quando a lei se referir expressamente à remuneração. De outro modo, quando a lei determina que a base de cálculo é o salário, ou “dia normal  de trabalho” ou “hora normal”, as parcelas estritamente remuneratórias, como as gorjetas, não integram a base de cálculo.

Nesse sentido, a súmula 354 dispõe que as gorjetas não integram a base de cálculo do adicional noturno, horas extras, repouso semanal remunerado e aviso prévio.

De fato, os dispositivos legais que regulam tais institutos jurídicos referem-se ao salário ou “dia normal de trabalho” ou “hora normal” para delimitar a base de cálculo. É o que se verifica nos artigos 59, § 1º, 73 e 487, § 1º da CLT, e no art. 7º da Lei 605/49. Vejamos, in verbis:

Art. 59 - A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho.

§ 1º - Do acordo ou do contrato coletivo de trabalho deverá constar, obrigatoriamente, a importância da remuneração da hora suplementar, que será, pelo menos, 20% (vinte por cento) superior à da hora normal.  (destacamos).

(...)

Art. 73. Salvo nos casos de revezamento semanal ou quinzenal, o trabalho noturno terá remuneração superior a do diurno e, para esse efeito, sua remuneração terá um acréscimo de 20 % (vinte por cento), pelo menos, sobre a hora diurna. (destacamos).

(...)

Art. 487 - Não havendo prazo estipulado, a parte que, sem justo motivo, quiser rescindir o contrato deverá avisar a outra da sua resolução com a antecedência mínima de:

(...)

§ 1º - A falta do aviso prévio por parte do empregador dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço. (destacamos).

(...)

Lei 605/49. Art. 7º A remuneração do repouso semanal corresponderá:

a) para os que trabalham por dia, semana, quinzena ou mês, à de um dia de serviço, computadas as horas extraordinárias habitualmente prestadas;

De outro modo, indene de dúvidas que as gorjetas compõem a base de cálculo de outros institutos jurídicos que a lei utilizou a remuneração expressamente como base de cálculo. Assim, a título de exemplo, é indiscutível a consideração dos valores das gorjetas recebidas pelos trabalhadores no cálculo do FGTS, do pagamento das férias e do 13º salário, na inteligência do que dispõe a Lei 8.036/90 no art. 15, a CLT no art. 142 e a Lei 4.090/62, art. 1º:

Lei. 8036. Art. 15. Para os fins previstos nesta lei, todos os empregadores ficam obrigados a depositar, até o dia 7 (sete) de cada mês, em conta bancária vinculada, a importância correspondente a 8 (oito) por cento da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas na remuneração as parcelas de que tratam os arts. 457 e 458 da CLT e a gratificação de Natal a que se refere a Lei nº 4.090, de 13 de julho de 1962, com as modificações da Lei nº 4.749, de 12 de agosto de 1965. (destacamos).

(...)

CLT. Art. 142 - O empregado perceberá, durante as férias, a remuneração que lhe for devida na data da sua concessão. (destacamos).

(...)

Lei 4090. Art. 1º - No mês de dezembro de cada ano, a todo empregado será paga, pelo empregador, uma gratificação salarial, independentemente da remuneração a que fizer jus.

§ 1º - A gratificação corresponderá a 1/12 avos da remuneração devida em dezembro, por mês de serviço, do ano correspondente. (destacamos).

Seguindo essa corrente interpretativa, com a qual concordamos, é que as gorjetas devem incidir na base de cálculo das verbas cujos cálculos são feitos com base na remuneração, conforme expressamente dispuser a lei. De outro modo, as gorjetas não devem incidir na base de cálculo das verbas cujos cálculos são feito com base no salário por expressa previsão legal. Esse entendimento acompanha a máxima de que o legislador não utiliza palavras inúteis.

De qualquer modo, mesmo seguindo essa linha interpretativa, não se pode negar que o cumprimento do art.457 implica em aumento de benefícios para o trabalhador, assim como aumento do ônus que deve ser suportado pelo empregador.

A título de exemplo, vejamos o caso de um empregado que recebe um salário fixo de R$ 966,00. Caso esse empregado receba de gorjeta, em média, R$ 1.500,00, sua remuneração será de R$ 2.466,00. Neste caso, ao invés das obrigações trabalhistas pertinentes – tais como FGTS, 13º, INSS, etc. –, serem recolhidas com base no salário de R$ 966,00, elas terão como base o montante de R$ 2.466,00. Há casos em que isso se agrava ainda mais, como nas casas tradicionais, onde a gorjeta espontânea costuma ser quatro ou cinco vezes maior do que o salário fixo.

Assim, a gorjeta deve ser integrada à remuneração, compondo a base de cálculo das verbas incidentes sobre a remuneração.

Sobre a necessidade de conhecimento do empregador, cabe ressaltar os efeitos da gorjeta desconhecida. Sendo cobrada em nota de despesa, o valor será sempre conhecido pelo patrão; quando não é adicionada ao valor do consumo em nota de despesa, a empresa pode desconhecer o seu valor.

Gorjeta desconhecida é aquela que o empregador não sabe que o empregado a recebe. Nesse caso, como cabe ao empregador o dever de fiscalizar o trabalho do empregado, as gorjetas recebidas, mesmo que desconhecidas pelo empregador, devem integrar normalmente a remuneração do trabalhado, sobretudo quando obtidas em atividades que se pode presumir o recebimento de gorjetas (garçons, arrumadeiras etc.). De qualquer forma, mesmo em outras atividades, a integração da gorjeta à remuneração é devida, cabendo apenas ao trabalhador provar o recebimento desta. É nesse sentido o entendimento de Vólia Bomfim (2014, p. 763), com o qual nos filiamos.

Conclusão semelhante ocorre quando se trata das chamadas gorjetas proibidas. Neste caso, o empregador expressamente proíbe o empregado de receber gorjetas e, em muitos casos, também comunica tal vedação aos clientes. Assim, caso o empregado receba as gorjetas o valor deve ser integrado à sua remuneração, também sob o fundamento de que cabe ao empregador fiscalizar a execução do contrato de trabalho. Todavia, nesta hipótese, cabe ao patrão analisar o cabimento de despedida por justa causa em virtude da desobediência da ordem dada.

Sobre a possibilidade de o empregador proibir o recebimento das gorjetas, Ricardo Rielo (2013) defende que:

 “no exercício do poder diretivo, capitulado no art. 2º, da CLT, à empresa seria lícito extinguir a prática da gorjeta em seus serviços, até porque não se poderia pretender compelir o empregador, eternamente, a arcar com reflexos das gorjetas em verbas contratuais, como se direito inalienável do trabalhador fosse

        

Esse também é o entendimento de Martinez (2012), que reconhece que o “empregador pode proibir que o empregado aufira qualquer vantagem junto a seus fornecedores ou clientes”, bem como o entendimento de José Luiz Ferreira Prunes (1982), que afirma tanto a gorjeta direta quanto a indireta podem deixar de se registrar, seja porque o empregador não a admite entre seus empregados (gorjeta direta), seja porque não a instituiu (gorjeta indireta).

Essa questão das gorjetas desconhecidas e proibidas é uma das mais problemáticas na prática das relações de trabalho e, geralmente, estão relacionadas. Empregadores costumam proibir o recebimento de gorjeta justamente para evitar eventual onerosidade excessiva decorrente da repercussão das gorjetas desconhecidas.

V - CONCLUSÃO

Com base no texto legal, há que se reconhecer a dicotomia entre salário e remuneração, bem como de que a gorjeta não compõe o salário, mas apenas a remuneração.

Essa opção do legislador implica perdas para os trabalhadores. A começar pelo regime de proteção da verba, as gorjetas, como parcelas estritamente remuneratórias não são tuteladas da mesma forma que as parcelas salarias.

Do mesmo modo, essa atribuição de natureza jurídica de remuneração retirou das gorjetas a proteção da impenhorabilidade e da irredutibilidade, conforme lições de Vólia Bomfim (2014). Assim, por exemplo, o empregador pode alterar o tipo de atividade que exerce, ainda que tal alteração acarrete na supressão do pagamento das gorjetas, uma vez que o art. 7º, VI, da Constituição Federal proíbe a redução do salário e não da gorjeta.

Seguindo essa linha de que a legislação retirou dos trabalhadores direitos, de fato, conforme o ordenamento atual, as gorjetas somente compõem a base de cálculo dos direitos a que a lei defina a remuneração como base. Caso contrário, se a lei se referir ao salário, se estará afastando a incidência das gorjetas. Assim, em que pese evidente retrocesso para os direitos do trabalhador, a Súmula 354 do TST consagra a intepretação mais adequada conforme a legislação vigente.

De outro modo, por sua natureza de verba estritamente remuneratória, as gorjetas continuam produzindo diversos reflexos que devem ser observados. Assim, os depósitos fundiários dos obreiros devem ser calculados considerando as gorjetas, da mesma forma que o 13º salário, a remuneração das férias e outras verbas que compõem o patrimônio jurídico do trabalho.

REFERÊNCIAS

BOMFIM, Vólia. Direito do Trabalho. 9ª ed. São Paulo. Editora Método, 2014.

CAIRO JÚNIOR, José. Curso de direito do trabalho: direito individual e coletivo do trabalho. 2. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2009.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2012.

FERREIRA, Ricardo Rielo. Aspectos jurídicos atuais da gorjeta. Em Revista LTr - Legislação do Trabalho. - Ano 77, n. 8 (ago. 2013), p. 961-968.    

LACERDA, Francisco Calasans. Gorjeta na CLT. Disponível em: http://www.sinthoresp.com.br/pdf/Natureza_Social_da_Gorjeta.pdf. Acesso em: 24/11/2014.

MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MARTINS, Sergio Pinto. Curso de Direito do Trabalho - 6ª Ed. Editora ATLAS, 2014.

PINTO, José Augusto Rodrigues. Tratado De Direito Material Do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007

PRUNES, José Luiz Ferreira. As gorjetas no direito brasileiro do trabalho. São Paulo: LTr, 1982.

SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. A gorjeta. Ed. fac-similar. São Paulo: LTr, 1994. 

SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2010


[1] Em que pese o autor se tenha se referido ao art. 8º, na verdade trata-se de disposição constante no art. 7º.

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Sobre o autor
Agenor Calazans

Advogado no Brandão, Fontes, Cabus e Advogados Associados. Graduado em Direito pela UFBA. Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade Baiana de Direito e Gestão.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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