Origens e evolução das relações de consumo

20/02/2016 às 10:03
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Este artigo reserva-se a analise das origens e evolução das relações de consumo.

Para entendermos um pouco mais sobre esse tema recente e de bastante relevância precisaremos analisar a sua evolução histórica. Uma das primeiras tentativas para regular as relações de consumo foi código de Hamurabi (2.300 a.C.) este regulava e protegia as relações de comércio da época, já que o controle e a supervisão ficariam a cargo do palácio.

O código de Hamurabi já trazia em suas leis uma certa preocupação com as relações de consumo como por exemplo uma obrigação para o construtor de barcos que era obrigado a refazê-lo caso houvesse algum defeito em sua estrutura, outro exemplo a “lei” 233 que dizia que se um arquiteto viesse a construir uma casa e suas paredes ficassem com defeitos, este teria por obrigação reconstruí-las ou reforma-las às suas próprias custas. E no caso de desabamento com vítimas fatais: o arquiteto da obra, além de ser obrigado a reparar os danos sofridos ao dono da casa, sofria as punições no código mencionadas que poderia ser morte, se o desabamento tivesse vitimado o chefe de família; se caso viesse a falecer o filho do dono da obra, pena de morte para o respectivo parente do empreiteiro, e assim sucessivamente.

Na Índia, no século XII a.C., existia o sagrado Código de Massú que assim como o código de Hamurabi já previa algumas sanções que seriam multa e punição, além de ressarcir os danos, àqueles que adulterassem gêneros – “lei” 697 – ou entregassem coisa de espécie inferior àquela acertada, ou vendessem bens de igual natureza por preços diferentes – “lei” 698.

O Brasil, por meio do CPC (Código de Processo Civil) de 1973, estruturou a tutela jurisdicional baseada em uma divisão tríplice: tutela de conhecimento, tutela de execução e tutela cautelar como o intuito de disciplinar as relações, zelando pela pessoa e seus bens e prevendo punições aos “casos de lesões a direitos subjetivos individuais, mediante demandas promovidas pelo próprio lesado; [...] ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”, conforme o CPC em seu artigo 6º. (ZAVASCKI, 2005)

Ao se abordar a disciplina legal dada às relações de consumo no Brasil, antes da edição do código de defesa do consumidor, é importante destacar que a influência evolutiva desta tutela jurídica criou espaços e ganhou amplitude na matéria, na qual se desenvolveu um complexo entendimento de fatores econômicos.

No controle desta distribuição de produtos, o legislador veio sacramentar e consagrar o equilíbrio entre vendedor e consumidor. Dando a sociedade maior comodidade de conhecimento e suporte para o cumprimento das obrigações assim acordadas entre as partes.

Com a demanda em crescimento os contratos em massa precisavam de instrumentalização eficaz para curar as imperfeições da distribuição de produtos.

Como ensina Luiz Olavo Baptista (1991, p. 21), o percurso evolutivo da proteção do consumidor faz parte de todo um contexto de mudanças tecnológicas e econômicas, em especial daquelas mudanças advindas com o impulso dado aos mecanismos de distribuição de produtos e serviços a partir da evolução industrial.

A proteção desta tutela trouxe a qualidade dos serviços e produtos protegendo o consumidor contra as abusividades comerciais. (BRASIL, 1990)

No que diz respeito à superioridade da proteção do consumidor, desbravou-se a promulgação da Carta Magna de 1988 que garantiu a constitucionalidade do princípio norteador da atividade econômica. E então, com o Código de Defesa do Consumidor de 1990, com o vigor de suas normas, em 1991, deu o complemento que faltava para a segurança do consumidor e a comodidade em seus laços comerciais.

Além de regular a proteção constitucional do consumidor, o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu novos parâmetros entre os que seriam os bons e maus fornecedores na relação de consumo, trazendo a todos os incluídos no sistema de relações sociais, o consumo consciente.

Na atual sociedade de consumo, elementos de grande valia resumem-se em fornecedores, consumidores, coletividade para atuarem nessa nova relação. Podemos como consumidores nos deparar com situações adversas por entendermos que a lei 8.078/1990 estabelece a segurança absoluta e podemos aproveitar do regime do código para reclamarmos infundadamente pretensos direitos a eles conferidos. (REÚL, 2008)

Segundo leciona o Nelson Nery Júnior (2004) entende-se por relação de consumo a relação jurídica entre fornecedor e consumidor tendo como objeto o produto e o serviço.

Assim, desta forma, configura-se uma verdadeira relação de consumo entre fornecedor e consumidor, bem como o seu objeto produto e serviço se equilibrem ao código de defesa do consumidor. Assim entendemos essa relação jurídica edificada. (NERY JÚNIOR, 2004)

Devemos prestar muita atenção para decifrarmos as relações que estão previstas no código de defesa do consumidor (prestação de produto ou serviço), segundo as conceituações trazidas pelos artigos 2°, 3° 17 e 29 do CDC, somente com a presença desses elementos que serão identificados esta relação de consumo e normas de direito do consumidor. (NERY JÚNIOR, 2004)


1. Publicidade

Fialho afirma que o lazer, no ambiente capitalista, está intrinsecamente relacionado às atividades consumistas. Há uma longa história no campo das artes para chegar ao formato de cinema contemporâneo. (PARAIRE apud FIALHO, 2003, p. 12).

Durante séculos, civilizações buscaram meios para reproduzir a realidade. Os teatros de sombra foram os primeiros espetáculos públicos com projeção de imagens. Em pleno século XVI, a "câmara escura" permitia a projeção de imagens externas dentro de um quarto escuro. Um século mais tarde, surgia a "lanterna mágica", que seria a precursora das sessões de cinema, usando uma vela como lâmpada, um lençol como tela e uma lanterna adaptada com uma pequena lente como projetor de imagens pintadas.

A fotografia, tecnologia inventada no século XIX, revolucionou de forma radical a história do cinema, pois finalmente foi possível registrar e guardar uma imagem. A partir daí, foram realizados ensaios distintos com objetos em movimento: Muybridge registrou sequências de cavalos correndo, provando “que em determinado momento um cavalo a galope não toca o solo com nenhuma de suas patas”; Etienne-Jules Marey inventou o fuzil fotográfico com capacidade de capturar a sequência de doze instantâneos. (FIALHO, 2003 p. 13)

Durante todo o século XIX, outros inventores tentaram construir aparelhos que buscassem produzir a ilusão do movimento, como o taumatrópio, fenacistoscópio, zootrópio e o praxinoscópio. Uma variação do último, o teatro óptico, elaborado por Emile Reynaud, é o que mais se aproxima do que conhecemos como cinema. Com o objetivo de produzir uma ação contínua, projetavam-se mais de 500 transparências de desenhos utilizando um aparelho cilíndrico. Juntamente com a projeção de uma imagem de fundo, a partir de uma lanterna, o aparelho proporcionava projeção dos primeiros desenhos animados.

O cinema foi concebido pelos irmãos Lumière, em 1895, quando em 28 de dezembro realizaram a primeira exibição no Grand Café situado no bulevar dos Capuchinhos, em Paris: a estreia deu-se com o destaque de um curta metragem denominado: A chegada do trem na estação de La Ciotat.

Neste pequeno filme, a plateia ficou maravilhada com um trem que parecia sair da tela. Mas o grande passo da indústria cinematográfica deu-se com George Méliès que criou as primeiras ficções cinematográficas como Viagem à Lua em 1902 e Viagem Através do Impossível em 1904. Um grande destaque às técnicas de utilizadas nos filmes de Méliès era o desaparecimento e aparecimento de objetos. (FIALHO, 2003)

O merchandising teve início na década de 30 com o cinema americano explorando este filão através de inserções nos filmes, o que os produtores de cinema perceberam ser ótimo recurso para auxiliar na cobertura de parte, ou às vezes a totalidade das despesas de produção. No Brasil, esta prática também não é muito recente. Já no tempo da Cinemédia ou Atlântida, os produtores de cinema incluíam produtos nas cenas das chanchadas em troca de alguns cruzeiros que ajudavam nas despesas das filmagens (CALAZANS apud VIGANICO, 2007, p. 34).

Apesar de ter sua origem na França, que junto à Itália eram os mais poderosos polos da indústria cinematográfica até a década de 10, com a 1º Guerra Mundial e a destruição de suas indústrias, França e Itália deixaram de dominar o mercado cinematográfico e o país em que o cinema obteve a sua real grandeza e se tornou uma forma de expressão específica da cultura do seu povo foram os Estados Unidos da América (EUA). (FIALHO, 2003)

Antes da Primeira Guerra Mundial, o cinema mais popular e poderoso do mundo estava na Itália e França. Porém, após a Guerra a economia européia ficou arrasada e passou a produzir cada vez menos filmes, fazendo com que Hollywood se destacasse. Desta forma os Estados Unidos se tornam o grande domínio no mundo do cinema.

E m 1931, surgiu o sistema Movietone da Fox, que passou a ser adotado como padrão. Com o uso do som, o cinema começou a diversificar mais, principalmente em musicas e comédias. Foi nesse momento que se iniciou uma grande produção de filmes históricos e bíblicos, com destaque para os filmes “Reis dos Reis” (1932) e “Cleópatra” (1934). O cinema de ficção científica já era popular durante a era do cinema mudo, porém ganhou força na produção de “Drácula” e “Frankstein”, 1931.

A nos depois, com o advento da Segunda Guerra Mundial, Inglaterra e EUAA começaram a produzir vários filmes com apelos ao patriotismo. Dentre os filmes que trataram a época de guerra se destacou o conhecido “Casablanca” de 1943.

O domínio do mercado cinematográfico se deve principalmente ao surgimento de Hollywood, uma aldeia do estado da Califórnia, que possuía dias ensolarados e paisagens que poderiam servir para os mais diferentes tipos de cenários. A distância de Nova York era um grande alívio para a indústria do cinema, pois lá se encontravam Thomas Edson e sua empresa Motion Pictures Patents.


2. Propaganda

A definição de propaganda tem que ser apresentada em dois ambientes distintos: no âmbito da política onde significa a divulgação de doutrinas, posturas e informações com base em fatos verdadeiro ou falso, com o intuito de influenciar o comportamento de pessoas pertencentes a determinados grupos ou de toda a sociedade. E, em sentido comercial onde corresponde à divulgação de mensagens encartadas em anúncios para estimular a compra. Sob esta significação, nos países latinos, propaganda está intrinsecamente ligado à publicidade e podem ser adotados como sinônimos. Como podemos ver abaixo em (BRANDÃO, 2009, p. 51).

[...] propaganda significa a divulgação de mensagens com o fim de influenciar pessoas ou o público em determinado sentido. Esta definição tem a vantagem de compreender toda e qualquer espécie de propaganda, desde a política e a religiosa à propaganda comercial por meio de anúncio, incluindo também as técnicas de divulgação que se desenvolveram com os nomes de publicity, relações públicas, ou outras formas quaisquer de disseminação de mensagens, seja através do espaço pago ou gratuitamente.

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A obesidade infantil preocupa muito as autoridades ligadas à Saúde Pública, pois as projeções apontam para uma população adulta com alta prevalência de doenças não transmissíveis seguidas de alta taxa de mortandade, inclusive por obesidade mórbida.

A publicidade televisiva aos produtos alimentares focada em crianças também merece críticas por parte desta investigadora do Laboratório de Exercício e Saúde da Faculdade de Motricidade Humana. Defende mesmo a interdição de anúncios a alimentos hipercalóricos, nomeadamente, durante os intervalos da programação infantil, como já acontece na Suécia e está a ser discutido em França e Inglaterra. Quanto mais jovens as crianças menos capacidade têm de conseguir distinguir as mensagens a que são expostas (CARVALHO, 2006).

Pesquisadores do Departamento de Pediatria analisaram durante um mês o conteúdo das campanhas publicitárias de produtos alimentícios voltados para as crianças. Os resultados revelam que, a cada 10 minutos de exibição 1 minuto têm como objetivo estimular o consumo de produtos alimentícios com alto teor de gordura saturada e açúcar refinado. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 30 segundos de propaganda são suficientes para exercer forte influência sobre os jovens. “Isso mostra o inquestionável poder de persuasão das propagandas, espaço que deveria ser explorado de modo a prevenir a obesidade (SICHIERI, 2005)”.

Os meios de comunicação têm uma pesada parcela de culpa no incentivo à má alimentação, pois apresentam às crianças alimentos ruins durante programas infantis.


3. Publicidade infantil

As crianças são um público extremamente sugestionável, persuadido com facilidade, sendo vistas pelas empresas como parte relevante do mercado. Tendo como base o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, toda a publicidade direcionada ao público infantil é abusiva pois se aproveita da deficiência de julgamento da criança. O Conselho Federal de Psicologia afirma que “além da menor experiência de vida e de menor acúmulo de conhecimentos, a criança ainda não possui a sofisticação intelectual para abstrair as leis (físicas e sociais) que regem esse mundo, para avaliar criticamente os discursos que outros fazem a seu respeito”.

No caso do setor alimentício, muitas empresas lançam mão de práticas desleais, como a associação da alimentação a brinquedos, ou utilização de linguagem lúdica própria ao universo infantil em suas peças publicitárias. A OMS (Organização Mundial da Saúde) já se pronunciou pela necessidade da regulação da publicidade de alimentos e, em 2012, a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) publicou recomendações para a regulação da publicidade de alimentos não-saudáveis direcionada às crianças. Resta que os governos adotem essas recomendações e implementem políticas para regrar a publicidade direcionada às crianças.

Desde 2005 a OMS reconhece a comercialização de alimentos não saudáveis para a população infantil como um fator que contribui para o aumento dos níveis de obesidade e sobrepeso. Embora alguns acordos diretos com empresas do setor alimentício tenham sido fechados, o órgão tem ressaltado que cabe aos governos a responsabilidade de garantir a tomada de medidas efetivas, bem como o monitoramento dos acordos de restrição da publicidade de alimentos não saudáveis voltados às crianças.

As famílias são bastante afetadas pela indústria do consumo, principalmente em datas específicas, a exemplo do dia das crianças e Natal quando as lojas estão preparadas para “fisgar” as crianças e adolescentes por meio de lançamentos em brinquedos, equipamentos eletroeletrônicos, jogos eletrônicas e etc. Assim, são interessantes algumas dicas para auxiliar os pais a não se deixarem levar pelos apelos dos anúncios ou pela “pressão” dos filhos alavancada por colegas de escola, vizinhos, parentes.

A criança, até a puberdade (cerca de 12 ou 13 anos), é despida de senso crítico para julgar o significado de uma publicidade e, “em casos extremos, o consumismo pode levar a problemas como obesidade infantil e erotização precoce”. (CONANDA, 2014, p. 1)

Pezzoni (2014) argumenta que o consumismo exacerbado e sem controle possibilitado pela publicidade direcionada à criança afeta o desenvolvimento infantil. O Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana criou a campanha “#AnunciaPraMim” que congrega pais e responsáveis e convoca as famílias e os educadores a debaterem sobre o consumismo infantil por meio de cartas, e-mails e comentários na plataforma da instituição. O Instituto Alana é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que reúne os projetos que escolhemos apostar na busca pela garantia de condições para a vivência plena da infância. Criado em 1994, o Instituto conta hoje com projetos próprios e com parceiros – todos podem ser conhecidos abaixo – e é mantido pelos rendimentos de um fundo patrimonial desde 2013 e tem como missão “honrar a criança”. (ALANA, 2015).

Entendem que se os pais são os provedores que bancam o consumo dos filhos, são a eles que deve ser direcionada a publicidade. A criança não possui discernimento para ponderar sobre a compra de um produto ou aquisição de um serviço.

O mês de outubro é o período mais concentrado de apelos ao consumo infantil devido à comemoração do dia das crianças. As lojas, shoppings, as publicidades televisivas, online, impressas atingem as crianças com tal voracidade que geram instabilidade nas famílias.

As comemorações, motivadas pelo dia das Crianças, costumam ser acompanhadas por um fenômeno que praticamente pulveriza o que seria um propósito relevante para a efeméride como defender os direitos da criança. Uma avalanche de publicidade dirigida ao público infantil, detonada pela exploração de lançamentos de brinquedos e outros produtos.

O período do dia das crianças se torna uma oportunidade para a sociedade se apropriar do debate sobre a exposição das crianças ao marketing e ao consumismo. (PEZZONI, 2014, p. 1)


4. O Consumo de Medicamentos Devido a Publicidade

Segundo Silva (2007), o Biotônico Fontoura surgiu em 1910 e ganhou evidência por meio do personagem Jeca Tatu de Monteiro Lobato[1] em meio a uma campanha da Secretaria da Saúde de prevenção à esquistossomose no Rio de Janeiro.

A propaganda do Biotônico Fontoura, por exemplo, até hoje no mercado, utilizava-se da imagem do Jeca Tatu para ilustrar o “caboclo de família magra, pálida e triste, que se transformava em saudável ao experimentar o biotônico”. “O mais completo fortificante” consagrado pelo “bê, á – bá, bê, é – bé, bê, i – bi, Biotônico Fontoura!”. (VISAÉ, 2007, p. 15)

Em 1941, os Laboratórios Fontoura produziram 10 milhões de exemplares do almanaque do Jeca Tatuzinho, mantendo o prestígio do Biotônico Fontoura.

O problema da automedicação com relação a biotônicos provoca diversos efeitos colaterais. A ingestão de suplemento de ferro sem necessidade causa depósitos de ferro no fígado, no baço e na medula óssea, causando problemas a esses órgãos.

Alvarez et al. (1999) alertam para o perigo de intoxicação por ciproheptadina, que é o principal componente dos estimulantes de apetite. Esta intoxicação tornou-se na Espanha um relevante motivo de consulta nos servicios de urgência em todo o país. Estes medicamentos são, muitas vezes, utilizados sem prescrição médica, devido ao seu sabor agradável que resultam em um atrativo aos pré-escolares que os ingeren en doses que ultrapassam o nível terapêutico, desencadeando quadros muito variados, que vão desde a excitação psicomotora até a morte.

Segundo Feitosa (2013), os efeitos colaterais comuns aos estimulantes de apetite são sonolência, distúrbios do humor e perda da capacidade de concentração e, consequentemente, possível mau desempenho escolar ou no trabalho. A automedicação sem controle médico pode mascarar sintomas de doenças graves a exemplo de tumores.

Durante a década de 1990 já era flagrante o uso indiscriminado de medicamentos para crianças, mesmo sem necessidade. O estudo de Beria et al. (1993) realizado no município de Pelotas-RS traçou o perfil de consumo de medicamentos com 4.746 crianças como explicam os autores:

O delineamento foi transversal aninhado em estudo longitudinal e o período investigado foi 15 dias. O consumo global alcançou 56% das crianças, sendo mais de 50% em todas as classes sociais. Os medicamentos mais utilizados foram ácido acetil salicílico, vitaminas com sais minerais, associações antigripais, mebendazol e estimulantes do apetite. Mais de 60,0% dos medicamentos eram indicados por médicos (inclusive dipirona e estimulantes do apetite). (BERIA et al., 1993, p. 95)

Neste universo estudado, mais da metade das crianças utilizavam medicamentos, sendo que cerca de 60% haviam sido indicados por médicos para combater gripe, febre e ausência de apetite. Os primogênitos estavam dentro do grupo com maior consumo. Beria et al. (1993, p. 95) apresentaram as seguintes preocupações:

As crianças com pouco apetite na semana anterior consumiam duas vezes mais do que aquelas com bom apetite. É preocupante o alto consumo de aspirina, principalmente devido à associação desse produto com a Síndrome de Reye em crianças. Outro ponto a ser questionado a respeito é a mensagem que talvez inadvertida ou inconscientemente possa estar sendo passada a essas crianças: o consumo de medicamentos é uma rotina e a resposta para qualquer problema. Nesse sentido, parece que se estará preparando o terreno para a dependência de medicamentos e drogas ilícitas.

Na pesquisa realizada por Beria et al. (1993) surpreendeu a colocação dos estimulantes do apetite, que foram o quarto mais consumido pelas crianças, ficando com 12,1%, logo atrás dos medicamentos para combater a febre (14,9%). (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Principais causas de consumo de medicamentos em crianças.

Fonte: Beria et al. (1993)

Quando observamos o percentual dos produtos de acordo com a indicação, notamos que os médicos se destacam com 62,50%, seguidos pelas mães com 32,5%, demonstrando a grande influência da automedicação pelas mães. (Gráfico 2)

Gráfico 2 – Principais características de consumo de medicamentos em crianças.

Fonte: Beria et al. (1993)

É preciso notar que os Estimulantes de apetite estão em quinto lugar entre os mais consumidos, ficando atrás do Ácido acetil salicílico; das vitaminas e sais minerais; dos antigripais e do vermífugo Mebendazol.

O produto ficou muito conhecido e ganhou grande aceitação do público como medicamento para abrir o apetite. No entanto, esse medicamento tem gerado muita polêmica devido à presença de etanol em sua composição. Devido a isso, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou o projeto de lei apresentado pela deputada Edir Sales do PL para classificar produtos semelhantes ao Biotônico Foutoura como ilegal e proibir sua venda, justificando tal decisão com os seguintes argumentos:

Os fortificantes fazem com que os menores se tornem alcoólatras caso tenham predisposição à doença. O Biotônico Fontoura®, por exemplo, tem o mesmo teor alcoólico do vinho branco, isto é, 9,5% de etanol em sua composição, concentração maior que a de uma lata de cerveja, que apresenta 5% de álcool, em média. Segundo o Conselho Regional de Farmácia do Distrito Federal (CRF-DF), o excesso de álcool no produto pode levar crianças à dependência. (SILVA, 2007, p. 19)

Em 2001, apesar da proibição da adição de álcool aos biotônicos para estimular o apetite, o Biotônico Fontoura® (sem constar em sua fórmula) passou a ser produzido com um baixo nível alcoólico. A ANVISA acatou a proposta do projeto de Lei e proibiu a comercialização de tônicos que contivessem álcool em sua fórmula.

Há diversos autores que se referem à iniciação precoce ao alcoolismo induzida pelo Biotônico Fontoura® devido ao seu alto teor alcoólico e consumo sem controle médico, apenas movido pela força da publicidade desse produto que se valia de figuras midiáticas como Pelé, Didi dos Trapalhões.

No entanto, a iniciação à bebida ocorria num período anterior à adolescência, o consumo se dava de modo ignorado e indireto. O Biotônico Fontoura® utilizado por gerações como estimulante de apetite, apresentava um teor alcoólico de 9,5%, enquanto o teor alcoólico da cerveja Bavária é de 4,3%; da cerveja Skol 4,7%; da Sidra Cereser 6%, do vinho 10.7%. deste modo, um fortificante do apetite, prescrito para crianças, apresentava um teor alcoólico duas vezes maior que a bebida rotineiramente consumida pelos adultos. Os pais realizavam a iniciação alcoólica dos filhos de forma ignorada e indireta. (ARAUJO, 2007, p. 7)

Os estimulantes de apetite, em linguagem popular, são medicamentos para engordar e são encontrados em diferentes fórmulas e marcas no mercado com características particulares. Podem ser fortificantes (Biotônico Fontoura) ou como medicamentos, tais como o Profol, Cobavital, Buclina, que não são hormônios ou esteróides.

Segundo Ruy do Amaral Pupo Filho (2003), é bastante comum os pais reclamarem que o bebê não tem apetite e pedirem ao pediatra para receitar algum estimulante. Normalmente, os pais veem a criança mais frágil do que ela é; pois acreditam que o filho esteja abaixo do peso, mesmo estando com saúde.

Pupo Filho (2003) argumenta que o biotônico só tem eficácia quando a inapetência é devida a uma deficiência de nutrientes. A criança quando tem sua anemia combatida recupera o apetite.

O Biotônico Fontoura é um medicamento à base dе sulfato ferroso, dе uso adulto е pediátrico, indicado para casos dе inapetência. Suas principais indicações são estimular о apetite, combater a anemia ferropriva. Tem como principais indicações: alergia а algum dоѕ componentes dа fórmula, hipertensão, tuberculose, intolerância gástrica ао ferro; os efeitos adversos são a diarreia оu prisão dе ventre. A recomendação é ingerir um оu duas colheres antes dаѕ principais refeições.


Notas

[1] “Neste universo, o Almanaque Biotônico Fontoura é, sem dúvida, o mais importante deles. Impulsionado pelo sucesso do folheto Jeca tatuzinho, distribuído anteriormente pelas farmácias, o primeiro número saiu em 1920 elaborado e ilustrado por Monteiro Lobato, com uma tiragem de 50 mil exemplares. Durante muitíssimos anos, das décadas de 30 a 70, o número de exemplares impressos e difundidos do livro do autor de América oscilou entre dois e três milhões e meio. Desde a primeira edição até os anos 70, o Laboratório Fontoura recebeu diariamente uma média de 30 cartas de leitores interessados em seu almanaque”. (SILVA, 2007, p. 18)


Referências bibliográficas

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ANDRADE, Luiza Freire de; BITTENCOURT, Gustavo Henrique Ferreira. A Publicidade no Cinema Norte-Americano desde os Anos 1970: um olhar sobre as estratégias mercadológicas. Intercom. Caxias do Sul/RS, 2010. 15p.

ARAUJO, Ivanira de Souza. Alcoolismo como processo: da identidade construída à (des) construção da pessoa. 2007. 136 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Sociologia, Universidade de São Paulo, 2007.

BERIA, Jorge U. et al. Epidemiologia do consumo de medicamentos em crianças de centro urbano da região sul do Brasil. Rev. Saúde Pública [online]. 1993, vol.27, n.2 [citado 2015-04-07], pp. 95-104.

BRANDÃO, Eduardo Rangel. Publicidade on-line, ergonomia e usabilidade: o efeito de seis tipos de banner no processo humano de visualização do formato do anúncio na tela do computador e de lembrança da sua mensagem. 2006. 400 f. Dissertação (Mestrado em Design) – Programa de Pós-Graduação em Design, Departamento de Artes & Design da PUC-Rio, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.

CARVALHO, David. Obesidade infantil: Criança obesa… adolescente e adulto doente. 2006. Disponível em: <https://www.medicosdeportugal.pt/action/2/cnt_id/574/>. Acesso em: 3 nov 2015.

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PUPO FILHO, Ruy do Amaral. Como Educar Seus Filhos: uma nova postura para a nova família. Barueri/SP: Alegro, 2003. 216p.

REÚL, Rodrigo Araújo. A defesa do consumidor e a falta de legislação específica para a regulação do comércio eletrônico no Brasil. Revista Direito e Liberdade – Mossoró – v. 9, n. 2, p. 223-256 – jul/dez 2008.

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ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. Tese (Doutorado em Direito). Porto Alegre/RS: UFRS, 2005. 289p.

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