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O princípio da boa-fé como ponto de equilíbrio nas relações de consumo

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01/02/2004 às 00:00
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CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho, procurou-se discorrer acerca do princípio da boa-fé como forma de equilibrar as relações de consumo, uma vez que o equilíbrio é fator indispensável à correta execução das obrigações contraídas entre consumidores e fornecedores.

Restou verificado que já na Roma Antiga percebeu-se que a sociedade sofre constantes transformações, as quais a lei codificada nem sempre traz a tutela adequada para dirimir conflitos ocasionados pelas transformações sociais, o que levou os romanos a elaborarem princípios universais, dentre eles o da boa-fé, capaz de orientar o pensamento jurídico através dos tempos, sendo notados seus traços em legislações antiqüíssimas, como o Código de Hamurabi, denotando-se, já naquela época, a necessidade de tutela dos interesses daqueles vulneráveis às práticas comerciais.

E não foi diferente, uma vez que o estudo mostrou que o princípio da boa-fé foi adotado como cláusula geral pelas mais importantes legislações ocidentais, algumas, inclusive, serviram de modelo à legislação consumerista brasileira, com destaque para o BGB e a AGBG da Alemanha. Todavia, foi visto que se necessitou dar à boa-fé um caráter objetivo, alheio ao elemento psicológico humano, de forma que as partes, numa relação jurídica, adotassem um comportamento afinado com padrões socialmente aceitos.

O Código de Defesa do Consumidor brasileiro foi o primeiro diploma legal, em nosso país, a adotar a boa-fé como cláusula geral, até mesmo antes do Código Civil, o que, para a maioria dos juristas foi uma falha imperdoável. Mesmo assim, a chegada desse princípio ao nosso ordenamento jurídico foi tardia em termos jurídicos, somente em 1990, vez que há muito já constava de outras legislações. Traz, ainda, o código, o elenco das cláusulas contratuais contrárias à boa-fé, sendo ali elencadas de forma taxativa, e conferindo às mesmas nulidade absoluta.

Como forma de controle das abusividades, foi visto que o princípio da boa-fé objetiva afigura-se como regra de julgamento a ser utilizada pelo magistrado na defesa do consumidor em juízo, permitindo ao mesmo a formação de um juízo de valor no que se refere às cláusulas contratuais abusivas, inclusive declarando-lhes a nulidade, conforme previsto na lei consumerista, cabendo, aqui, frisar que, mesmo antes do advento do Código de Defesa do Consumidor, esse princípio já vinha sendo utilizado pela jurisprudência pátria como forma de equalizar as relações de consumo, certamente devido à flexibilização que os contratos vêm recebendo, oriunda da recente consagração da teoria da lesão. Ainda nesse passo, chega-se a um consenso de que o controle judicial é ainda o mais eficaz, porquanto na solução de conflitos colocados a seu apreço opera-se a coisa julgada.

Observou-se, também, as várias formas de controle administrativo das abusividades, com destaque para a atuação do Ministério Público que, mesmo com o veto presidencial atinente aos §§ 3º e 5º dos artigos 51 e 54, respectivamente, do diploma consumerista, continuou atuando em favor do consumidor, para tanto valendo-se da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), permitindo que o órgão ministerial continue cumprindo sua função precípua como fiscal da lei. Das demais formas de controle administrativo, ficou a certeza acerca de sua importância como meio de composição extrajudicial entre os partícipes da relação de consumo, o que, via de conseqüência, evita a sobrecarga do Judiciário, sem se esquecer das sanções penais e do controle legislativo, este último demonstrador da importância da criação de microssistemas legislativos, a exemplo da Alemanha, que visem atender a setores específicos do mercado de consumo.

Por derradeiro, a educação para o consumo mostra-se extremamente necessária, uma vez que, através dos programas implementados pelos órgãos públicos, empresas, imprensa e demais entidades afins do mercado de consumo permite-se ao consumidor a formação de um juízo crítico em relação aos bens colocados à sua disposição, ou seja, tomando um caráter eminentemente preventivo, o que, conseqüentemente, evita possíveis conflitos em torno da relação jurídica ali estabelecida.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANCO, Gerson Luiz Carlos. COSTA, Judith Martins. Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2003.

COSTA, Geraldo de Faria Martins. Superendividamento. São Paulo: RT, 2002.

COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999.

GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

LUCCA, Newton de. Direito do Consumidor: aspectos práticos: perguntas e respostas. São Paulo: RT, 1995.

MANDELBAUM, Renata. Contratos de adesão e contratos de consumo. São Paulo: RT, 1996.

MARTINS, Flávio Alves. A boa-fé objetiva e sua formalização no Direito das Obrigações Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2000.

MARTINS, Plínio Lacerda. O abuso nas relações de consumo e o princípio da boa-fé. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma interpretação constitucional do Princípio da Boa-fé. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: vol. III: Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

ZITSCHER, Harriet Christiane. Introdução ao Direito Civil Alemão e Inglês. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

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Notas

01. MARTINS, Plínio Lacerda. O abuso nas relações de consumo e o princípio da boa-fé. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

02. MARTINS, Plínio Lacerda. O abuso nas relações de consumo e o princípio da boa-fé. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

03. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol III, Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 20.

04. GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

05. Cabe aqui destacar que uma das inovações trazidas pelo Novo Código Civil diz respeito à função social do contrato.

06. STJ, Resp. 45.666-5-SP, 1994.

07. Infelizmente não tivemos acesso a esta importante obra acerca do tema aqui tratado.

08. TJRGS, Ap. Civ. 598225720, 17 a. C. Civ., j. 6-4-1999, Rel. Demétrio Xavier Lopes Neto.

09. A otimização a que se refere a autora diz respeito ao aumento de deveres de cooperação intersubjetiva e de consideração aos interesses do parceiro contratual.

10. TJRGS, Ap. Civ.194045472, 9 a. C. Civ., j. 26-4-1994, Rel. Des. Antônio Guilherme Tanger Jardim.

11. STJ, 4ª. AGA 47901-3/SP, j. 12-9-1994, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior.

12. MARTINS, Flávio Alves. A boa-fé objetiva e sua formalização no Direito das Obrigações Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 104-105.

13. § 3º - O Ministério Público, mediante inquérito civil, pode efetuar o controle administrativo abstrato e preventivo das cláusulas contratuais gerais, cuja decisão terá caráter geral.

14. § 5º - Cópia do formulário será remetida ao Ministério Público que, mediante inquérito civil, poderá efetuar o controle preventivo das cláusulas gerais dos contratos de adesão.

15. Notícia veiculada pelo Jornal Nacional, exibido pela TV Globo.

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Sobre o autor
Vitor Guglinski

Advogado. Professor de Direito do Consumidor do curso de pós-graduação em Direito da Universidade Cândido Mendes (RJ). Professor do curso de pós-graduação em Direito do Consumidor na Era Digital do Meu Curso (SP). Professor do Curso de pós-graduação em Direito do Consumidor da Escola Superior da Advocacia da OAB. Especialista em Direito do Consumidor. Membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon). Ex-assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Autor colaborador da obra Código de Defesa do Consumidor - Doutrina e Jurisprudência para Utilização Profissional (Juspodivn). Coautor da obra Temas Actuales de Derecho del Consumidor (Normas Jurídicas - Peru). Coautor da obra Dano Temporal: O Tempo como Valor Jurídico (Empório do Direito). Coautor da obra Direito do Consumidor Contemporâneo (D'Plácido). Coautor de obras voltadas à preparação para concursos públicos (Juspodivn). Colaborador de diversos periódicos jurídicos. Colunista da Rádio Justiça do Supremo Tribunal Federal. Palestrante. Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4246450P6

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUGLINSKI, Vitor. O princípio da boa-fé como ponto de equilíbrio nas relações de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 210, 1 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4706. Acesso em: 19 mar. 2024.

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