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O poder normativo do preâmbulo da Constituição

(ensaio acerca da natureza jurídica dos preâmbulos constitucionais)

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02/04/2004 às 00:00
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9. Considerações Conclusivas

A Constituição do Estado somente pode ser entendida como sendo a Lei Fundamental, representa o núcleo de todas as células, é ela que fornece o arsenal político e jurídico para a organização do Estado. Portanto, atribuindo validade a toda a ordem jurídica infraconstitucional. A Constituição Federal de 1988 fixou em seu Preâmbulo diversos valores fundamentais, entretanto a de se notar que tais valores não vêm esgotar toda a disciplina, pois, além destes, existe um leque de outros valores espalhados no corpo articulado do diploma constitucional.

Encontra-se, expressa e taxativamente, no Preâmbulo da Magna Carta valores fundamentais tais como: direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores... . Os valores ali presentes, preceituados no preâmbulo somente podem ser interpretados como critérios materiais, objetivando acerca de uma orientação do ordenamento jurídico e de sua participação no contexto global da Constituição do Estado como força vinculativa, exercendo um poder normativo, uma determinação de sua natureza jurídica de exigibilidade imediata.

Não há como negar mais, não há como retardar mais – apesar da forma lacônica como a doutrina, especialmente a pátria, trata o tema em comento – que, efetivamente, os preâmbulos constitucionais, e, principalmente, o da Constituição Federal de 1988, têm força normativa na medida em que, e quando, expressam normas, princípios e valores. São normas jurídico-constitucionais exeqüíveis em si mesmas, são normas jurídico-constitucionais de aplicabilidade e exigibilidade imediatas.

Para concluir, finalmente, cabe ressaltar que o Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi escolhido, dentre outros, e votado em Assembléia Constituinte, e não é a sua posição dentro do Texto Constitucional – antes dos artigos propriamente ditos – que poderia(rá) justificar ou mesmo eliminar a sua legitimidade democrática e a sua força normativa, de caráter vinculativo, hauridas do respaldo da elaboração e aprovação pelos representantes do povo para tanto reunidos.


          Notas

  1. Richterrecht – Il problema della libertà e autorità giudiziale nella dottrina tedesca contemporanea. Milão : Giuffrè, 1988, p. 102. Apud REALE JÚNIOR, Miguel. "Mens Legis Insana, corpo estranho". In: ARIEL DOTTI, René. ASSIS DE TOLEDO, Francisco de. SALOMÃO SCHECAIRA, Sérgio. TEIXEIRA DE AZEVEDO, David. RIBEIRO LOPES, Maurício Antonio. Penas Restritivas de Direitos – Críticas e Comentários às Penas Alternativas – Lei 9.714, de 25.11.1998. São Paulo : RT, 1999, p. 30.
  2. "A Constituição espanhola e os valores jurídicos. Disponível na internet: http://www.faroljuridico.com.br, (20.05.2000).
  3. "Rígida é a Constituição somente alterável mediante processos, solenidades e exigências formais especiais, diferentes e mais difíceis que os de formação das leis ordinárias ou complementares" (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ª edição. São Paulo : Malheiros Editores, 1992, p. 43).
  4. Teoria geral do direito e do Estado. Tradução por LUIS CARLOS BORGES. Brasília : Editora Universidade de Brasília, 1990.
  5. Obra com tradução por LUIS CARLOS BORGES. São Paulo : Martins Fontes, 1992.
  6. Manual de Direito Constitucional. Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1957, p. 35.
  7. Idem, p. 36-7.
  8. Teoria de la Constitución. Madrid : Alianza, 1982, p. 63-4.
  9. Veja-se: BASTOS, Celso Ribeiro. SILVA MARTINS, Ives Gandra da. Comentários à Constituição do Brasil. Vol. 1, arts. 1º/4º. São Paulo : Saraiva, 1988, p. 405-10. JACQUES, Paulino. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro : Forense, 1957. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Manual de Direito Constitucional. São Paulo : Saraiva, 1994. CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira. Vol. 1, arts. 1º/5º, incisos I a LXVII. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1988.
  10. "Estrutura, Natureza e Expansividade das Normas Constitucionais". Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, nº 4, p. 40, 1993.
  11. Idem, ibidem.
  12. Ibidem.
  13. Teoria Generale del Diritto e dello Stato. Milão : Edizioni di Comunità, 1952, p. 39. Apud MACHADO HORTA, Raul. Estrutura, Natureza e Expansividade... cit., p. 40.
  14. Idem, ibidem.
  15. Op. cit., p. 40-1.
  16. Curso de Direito Constitucional. 10ª edição. Rio de Janeiro : Forense, 1957, p. 138.
  17. "A Constituição francesa, de 27.10.1946, fiel à tradição de 1789, incluiu a declaração de direitos no Preâmbulo, do que resultou dúvida quanto à validade normativa do seu conteúdo, entendendo G. BURDEAU que ‘é preciso distinguir o que é regra de direito positivo e o que é programa ou diretiva para uso dos governantes’ (Traité de science politique, vol. III, p. 128). A regra terá, evidentemente, valor normativo, mas o programa ou diretiva, mero valor informativo. Isso, entretanto, no caso especial da Constituição francesa de 1946, em que o Preâmbulo, não é uma simples introdução do estatuto, porém, uma declaração de direitos formal e solene, que, em outras Constituições, inclusive nas nossas, constitui capítulo especial do estatuto com plena força normativa" (JACQUES, Paulino. Op. cit., p. 137)
  18. Op. cit., p. 138 e ss.
  19. Curso de Direito Constitucional. Coimbra : Almedina, 1991, p. 189. veja-se edição mais atualizada, em face da dinâmica empregada pelo autor em seus estudos. Característica principal da sua doutrina.
  20. "La Constitución como norma jurídica". La Constitución española de 1978 – Estudio sistemático. Madrid : Civitas, 1984. "A Constituição como norma". Revista de Direito Público, São Paulo, ano XIX, nº 78, abr./jun., 1986. La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional. Madrid : Civitas, 1982. "Hermenêutica e supremacia constitucional – El principio de la interpretación conforme a la Constitución de todo el ordenamiento". Revista de Direito Público, São Paulo, ano XIX, nº 77, jan./mar., 1986.
  21. A força normativa da Constituição. Porto Alegre : Sérgio Antonio Fabris, 1988. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre : Sérgio Antonio Fabris, 1998. Escritos de derecho constitucional. Madrid : Centro de Estudios Constitucionales, 1983.
  22. Op. cit., p. 189.
  23. Idem, p. 189-90.
  24. Idem, p. 190-91.
  25. Idem, p. 191-92.
  26. Idem, p. 192-93.
  27. Idem, ibidem.
  28. Para significar a incompletude e o caráter "fragmentário" e "não condicionador" de um texto constitucional (GOMES CANOTILHO, J. J. Op. cit., p. 194).
  29. Para significar o caráter geral e indeterminado de muitas normas constitucionais que, por isso mesmo, "abrem-se" à mediação legislativa concretizadora (GOMES CANOTILHO, J. J. Op. cit., p. 194-95).
  30. Idem, p. 195.
  31. Idem, p. 196.
  32. Idem, p. 197.
  33. A Constituição espanhola e os valores jurídicos..., cit., p. 2-3.
  34. Idem, p. 3.
  35. Introducción al derecho constitucional comparado: las "formas de estado" y las "formas de gobierno". Las Constituciones Modernas. México : Fondo de Cultura Económica, 1982.
  36. Direito Constitucional: instituições de direito público. Tradução por MARIA HELENA DINIZ. São Paulo : RT, 1984.
  37. Constituição da República Federativa do Brasil (Publicada no Diário Oficial da União nº 191-a, de 5 de outubro de 1998) – Atualizada até a Emenda Constitucional nº 36, de 28 de maio de 2002. Organizador ROBERTO CARLOS MIZUNO. Barueri : Editora Jurídica Manole, 2002.
  38. Curso de Direito Constitucional. 17ª edição. São Paulo : Saraiva, 1996, p. 141-2
  39. Idem, p. 143.
  40. Idem, ibidem.
  41. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Vol. 1, Arts. 1º a 43. São Paulo : Saraiva, 1990, p. 15.
  42. Comentários à Constituição de 1988. Vol. I, Arts. 1º a 5º, inc. LXVII. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1988, p. 76-77.
  43. Idem, p. 77.
  44. Comentários à Constituição de 1946. 2ª edição aumentada. Vol. I. São Paulo : Max Limond, 1953, p. 256.
  45. Idem, ibidem.
  46. Comentários à Constituição de 1967. 2ª edição revista – com a Emenda nº 1, de 1969. Tomo I (arts. 1º - 7º). São Paulo : RT, 1970, p. 418-20.
  47. Aplicabilidade das normas Constitucionais. 3ª edição. São Paulo : Malheiros Editores, 1999.
  48. "Preâmbulos das Constituições do Brasil". Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, vol. 96, p. 242-69, jan.dez., 2001.
  49. Idem, p. 268.
  50. Teoria Constitucional do Direito Penal. São Paulo : RT, 2.000.
  51. Idem, p. 131-35.
  52. Idem, ibidem, p. 133-35.
  53. La interpretación del ordenamiento jurídico conforme a la norma fundamental del Estado. Madrid : Universidad Complutense de Madrid, 1994.

          Referências bibliográficas

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Sobre o autor
Luciano Nascimento Silva

professor universitário, mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), doutorando em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra (Portugal), bolsista de Graduação e Mestrado da FAPESP e de Doutorado da CAPES, pesquisador em Criminologia e Direito Criminal no Max Planck Institut für ausländisches und internationales Strafrecht – Freiburg in Breisgau (Alemanha)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luciano Nascimento. O poder normativo do preâmbulo da Constituição: (ensaio acerca da natureza jurídica dos preâmbulos constitucionais). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 269, 2 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5033. Acesso em: 26 abr. 2024.

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