A descriminalização do aborto de anecefálos e o princípio da dignidade da pessoa humana

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Aborto de anencéfalo e o princípio da dignidade da pessoa humana.

Introdução. 1 Direitos Sexuais e Reprodutivos. 2 O crime de Aborto na Legislação Brasileira; 2.1 O Serviço de Aborto Legal; 2.2 Aspectos éticos profissionais e jurídicos do abortamento. 3 A antecipação terapêutica do parto em caso de Anencefalia; 3.1 Direito a vida versus Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; Conclusão.

RESUMO

A polêmica questão sobre o aborto de feto anencéfalo apesar de já decidida favorecidamente pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja, de forma que é possível a retirada de tais fetos, sendo uma questão opinativa pela mãe ainda requer bastantes olhares e estudos, no que concerne a dignidade da mulher assim como a vida do feto. O primeiro questionamento ora aqui feito é sobre os direitos advindos da sexualidade e reprodução feminina, como um direito universalmente garantido na contemporaneidade pelo fato das diversas manifestações históricas feitas antes pelas mulheres que buscavam desde sempre garantir seus direitos. É importante ressaltar também que a palavra aborto no caso de feto anencéfalo é uma denominação errônea, sendo correto dizer que há a interrupção terapêutica do parto.  Concomitantemente a esse fator, o presente trabalho irá dissertar sobre o processo de descriminalização do “aborto” de anencéfalo, relacionando com as decisões que o Tribunal Superior tomou a respeito de tal caso, além de levar em consideração o princípio norteador de tal discussão que e o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo este o fator preponderante para o em estar da mãe, além de sua saúde, entre outros princípios fundamentais que acabam se alocando dentro do princípio da dignidade humana, no presente caso.

INTRODUÇÃO

Partindo da concepção defendida por Greco, tem-se o início da vida a partir da concepção ou fecundação, ou seja, desde o momento em que o óvulo feminino é fecundado pelo espermatozóide masculino. Para fins de proteção por intermédio da lei penal, a vida só terá relevância após a nidação, que diz respeito à implantação do óvulo já fecundado no útero materno, o que ocorre 14 dias após a fecundação. Assim, enquanto não houver nidação não haverá possibilidade de proteção a ser realizada por meio da lei penal. Uma vez implantado o ovo no útero materno, qualquer comportamento dirigido finalisticamente no sentido de interromper a gravidez, pelo menos à primeira vista, será considerado aborto (consumado ou tentado). (Greco, 2007, p. 240)

O tema abordado pelo presente trabalho mostra sua relevância ao tratar de um assunto no qual o Código Penal e a Constituição Federal defendem ser um dos bens mais importantes a ser preservado: a tutela sobre a vida. A permissão da prática do aborto em casos específicos se mostra atual por trazer discussões dentro do Princípio da Dignidade da Pessoa humana, no que tange religião, ética, justiça, e implica diretamente nos Direitos Sexuais e Reprodutivos da mulher.

O segundo item do trabalho aborda a espécie de aborto em casos necessário, como demonstra o artigo 128, I não se pune: “Se não há outro meio de salvar a vida da gestante”. O Supremo Tribunal Federal se pronunciou sobre o assunto, permitindo que mulheres gestantes de feto anencéfalo interrompam gravidez com assistência médica.  A prática em questão não será considerada crime de aborto tipificado quando as mulheres “anteciparem o parto” de feto portador dessa anomalia.

Ainda relacionado ao tema cabe ressaltar a importância do atendimento voltado à mulher com a implementação do programa Aborto legal, O Ministério da Saúde em sua norma técnica - Atenção Humanizada ao Abortamento, afirma que o tema do aborto suscita dentre muitos, alguns questionamento morais, e poucos são os profissionais de saúde que se dispõem a atuar nessa prática. O Governo Brasileiro trata o aborto como um problema grave no que diz respeito à saúde pública e isto resulta do fato de ser o Brasil, um país ainda em desenvolvimento. (BRASIL, 2005, p. 11)

O Ministério da Saúde preza pela discussão do tema, enseja um maior apoio às mulheres pretendendo evitar possíveis complicações advindas de um aborto inseguro. Não menos importante que esses aspectos, faz-se necessário superar a discriminação e a desumanização do atendimento às mulheres em situação de abortamento, ainda uma realidade de muitos serviços públicos no País, o serviço de Aborto Legal veio para solucionar esses dilemas e dar maior amparo nos casos em que o aborto é permitido por lei. (BRASIL, 2010, p.10)

A atenção humanizada às mulheres em abortamento merece abordagem ética e reflexão sobre os aspectos jurídicos, tendo como princípios norteadores a igualdade, a liberdade e a dignidade da pessoa humana, não se admitindo qualquer discriminação ou restrição do acesso a assistência à saúde. Esses princípios incorporam o direito à assistência ao abortamento no marco ético e jurídico dos direitos sexuais e reprodutivos afirmados nos planos internacional e nacional de direitos humanos. (BRASIL, 2005, p.10)

Por fim, a questão central do trabalho é analisar o pronunciamento expedido pelo Supremo Tribunal Federal quanto à descriminalização do aborto nos casos de anencefalia. O feto anencéfalo é aquele que possui uma má formação no cérebro, caracterizada pela ausência total ou parcial deste, o que potencialmente inviabiliza sua vida fora do útero materno. Visa-se retratar a anencefalia sob a ótica dos Direitos Fundamentais, que significa analisar a crise enfrentada pelo Sistema Judiciário brasileiro no que se refere às mães, com relação à efetividade do direito de decisão de continuidade (ou não) da gestação.

1 DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS

“As primeiras reivindicações explícitas de prerrogativas relativas às mulheres no campo da sexualidade podem ser datadas, no Ocidente, a partir do século XVIII”. (LIMA, p. 17). Não obstante, Lima (2013) vai afirmar também que na maior parte desses países essa questão estava somente relacionada ao sentido da saúde da mulher. Além do mais, Corrêa e Ávila (2003) afirmaram que essa noção de direitos sexuais e reprodutivos da mulher foram se atrelar aos direitos humanos apenas a partir da contemporaneidade.

Os movimentos feministas começaram a surgir através da revolução francesa, com os ideais de liberdade, fraternidade e igualdade, em que as mulheres começaram então a ascender na burguesia e a verem seus direitos serem efetivados de forma mais válida e constante.

Segundo Lima (2013) com a chegada do fim da Segunda Guerra Mundial, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, e nela constava os princípios norteadores de tal declaração: indivisibilidade e universalidade. O artigo 2º de tal declaração assevera que:

Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Segundo Lima (2013, p. 20) ainda:

A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) também configura um documento internacional que versa de forma ainda mais enfática sobre os direitos humanos das mulheres. Ela foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1979 e aponta a tradição e a cultura como forças de influência sobre a configuração das relações familiares e de gênero.

A palavra sexo antigamente era vista de forma errada, sendo esta uma palavra obscena e que era vedada pela sociedade, principalmente no que dizia respeito às mulheres. Mas graças aos esforços de tais mulheres que já se encontravam cansadas desse tabu, começaram a aparecer os primeiros movimentos feministas a respeito dos direitos sexuais femininos. Dessa forma em 1993 foi criada a Declaração e o Plano de Ação de Viena, tratando sobre o tema de forma explícita, no sentido de recorrer ao Poder Público para sua intervenção sobre determinados assuntos no que concerne a sexualidade. (LIMA, 2013).

No âmbito da história do Direito, parece mais fácil tratar da liberdade sexual de forma negativa do que em um sentido positivo e emancipatório. Chega-se a um consenso sobre o direito que a mulher tem de não ser objeto de abuso sexual, exploração, estupro, mutilação genital ou tráfico, mas não sobre seu direito de usufruir livremente de seu próprio corpo. Nesse sentido, o que foi deixado na obscuridade da esfera privada não foi o sexo de uma forma genérica, mas o sexo enquanto prazer. (LIMA, p. 23).

Historicamente, no que tange ao campo jurídico, os direitos sexuais e reprodutivos têm recebido tratamento um tanto esparso no âmbito nacional, sendo inseridos no contexto mais amplo da saúde pública. (LIMA, p. 27).

O crime de aborto, por exemplo, segundo ainda a mesma autora (2013) que está divido pelos artigos 124, 125, 126, 127 e 128 é considerada como sendo uma prática ilegal, mas além de estar tipificado como crime, é também umas das maiores causas do problema da saúde pública.

A legislação em nada fala sobre direitos sexuais e reprodutivos de forma exclusiva e efetiva, portanto, tem-se que fazer interpretações daqueles dispositivos presentes no ordenamento. O artigo 226, § 7º, por exemplo, fala sobre a titularidade dos direitos reprodutivos de forma igual tanto para homens como para mulheres.

7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

O Brasil assumiu, nas Conferências da ONU ocorridas durante a década de 1990, os compromissos de assegurar o pleno exercício dos direitos reprodutivos e de fazer a revisão da atual legislação que criminaliza o aborto no País. (LIMA, p. 31).

2 O Crime de Aborto na Legislação Brasileira.

Inicialmente, a prática do aborto passou a ser criminalizada com a entrada em vigor do Código Criminal de 1830, que punia apenas o terceiro que praticasse a conduta.  Com o advento do Código Penal de 1890 a pratica do auto aborto também passou a ser tipificada como crime, esse dispositivo inovou quanto algumas exceções trazidas a respeito de gravidez decorrente de estupro ou que ofereça risco de vida à mulher. (ANIS, 2012, p.15)

A tipificação do Crime de Aborto tem por finalidade proteger “a vida humana em desenvolvimento” (GRECO, 2007, p.244). A possibilidade de proteção a ser realizada por meio da lei penal se inicia com a nidação, a vida ganha relevância após a implantação do óvulo já fecundado no útero materno e qualquer comportamento dirigido no sentido de interromper a gravidez, pelo menos à primeira vista, será considerado aborto (consumado ou tentado). (GRECO, 2007, p. 240). O Código Civil de 2002 determina que a personalidade civil inicia-se apartir do nascimento com vida e que a lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção. (Código Civil, art. 2).

“O início do parto faz com que seja encerrada a possibilidade de consumação do aborto, passando a morte do nascente a ser considerada homicídio ou infanticídio, dependendo do caso concreto”. (GRECO, 2007, p. 242). É válido ressaltar, que o feto deve estar com vida no momento da ação ou omissão dirigida no intuito de causar o aborto, caso o feto já se encontre sem vida no momento da pratica da conduta ou supõe-se erroneamente que mulher esteja grávida, caracterizará um crime impossível devido à impropriedade quanto ao objeto. (CAPEZ, 2010, p. 114 -115.)

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A legislação penal brasileira define duas espécie de aborto: o natural ou espontâneo e o provocado. Para a aplicação da lei penal o Código se volta exclusivamente para o aborto provocado que se subdivide em culposo ou doloso (GRECO, 2007 p.243).  O tipo doloso prevê no artigo 124 o auto-aborto ou aborto provocado com o consentimento da gestante, o artigo 125 trata do aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante e por fim, o 126 menciona o aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante.

No primeiro artigo a tipificação do aborto é feita em duas modalidades: com a própria gestante interrompendo a gravidez, dando causa a morte do feto ou quando a gestante consente que um terceiro o provoque. Segundo Bitencourt (2012, p.398), em ambas as modalidades caracterizam-se um crime próprio pelo qual somente a gestante ocupará o pólo ativo do crime. Este é passível de participação como atividade acessória quando o participe instiga, auxilia ou induz. Porém, se o terceiro ultrapassar o liame de atividade exclusivamente acessória, e passar a realizar os atos executórios, não responderá como co-autor, já que a natureza do crime não permite (contrariando a teoria monista adotada pelo Brasil), e sim como autor do crime do art. 126.

O delito previsto no artigo 125 é descrito em sua forma mais gravosa, a pena de reclusão varia de 3 a 10 anos, e é dividido em dois tipos conforme ressalta o parágrafo único do Artigo 126, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. Bitencourt (2012, p.403) usa como conceito o “aborto sem o consentimento real ou ausência de consentimento presumido”. Aqui no entendimento de Greco (2007, p.244) qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo, o que configura um crime impróprio já que para ser terceiro não exige nenhuma qualidade especial.

A última modalidade trata de aborto consensual, é uma exceção a teoria monista adotada pelo código penal já que aquele que provoca o aborto com o consentimento da gestante não será co-autor, este responderá pelo delito previsto no art. 126. Capez (2010, p.129) afirma que o fato incide em duas figuras típicas, uma para quem consente (Código Penal, art. 124 segunda parte) e outra para quem provoca (Código Penal, art. 126), admite-se ainda o concurso de pessoas se constatada a presença de auxílio na conduta do terceiro que pratica o aborto. Aqui, no entendimento de Greco (2007, p.244) qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo do crime, quanto ao sujeito passivo ele entende que só o fruto da concepção poderá ocupar essa posição, já que a gestante consente com as manobras abortivas que lhe será aplicada. Contudo, se estas resultarem em lesão grave ou morte a gestante também figurará no pólo passivo. A pena no caso de morte ou lesão grave na gestante em decorrência do aborto ou de meios empregados para a realização deste é agravada, respectivamente em o dobro ou acrescida em um terço (Código Penal, 127).

Quanto ao aborto na modalidade culposa, é inviável essa definição, visto que, não há previsão legal, o que se pode presumir é que se uma gestante com uma atitude culposa vier dar causa a expulsão do feto, este culminará num indiferente penal. (GRECO,2007, p.243)

2.1 O aborto legal

O Código Penal de 1940 tipifica excepcionalmente os casos em que o aborto é permitido, o artigo 128 exemplifica essa autorização legal em: aborto terapêutico e aborto sentimental. O Inciso I trata do aborto terapêutico, aquele pelo qual não há outro meio de salvar a vida da gestante. É importante lembrar o caput desse artigo, que afirma que deve ser praticado por médico. A natureza jurídica desse tipo de permissão visa proteger a vida da gestante e se trata de um estado de Necessidade. Nesse sentido, Greco afirma (2007, p.252): à TEM QUE COLOCAR O ANO TAMBÉM

Não há como deixar de lado o raciocínio relativo ao estado de necessidade no chamado aborto necessário. Isso por que, segundo se dessume da redação do inciso I do art. 128 do Código Penal, entre a vida da gestante e a vida do feto, a lei optou por aquela. No caso, ambos os bens (vida da gestante e vida do feto) são juridicamente protegidos. Um deve perecer para que outro subsista. A lei Penal, portanto, escolheu a vida da gestante ao invés da vida do feto. Quando estamos diante do confronto de bens protegidos pela lei penal, estamos também, como regra, diante da situação de estado de necessidade, desde que presentes todos os seus requisitos, elencados no artigo, 24 do Código Penal.

O aborto necessário se justifica em duas modalidades: quando há presença de perigo à vida da gestante caso não se interrompa a gravidez e a inexistência de outro método eficaz para salvá-la. A presença de iminente perigo à vida da mulher grávida é fundamental, não sendo o perigo a saúde um motivo justificável para a adoção da prática, o aborto só é justificável se for à única alternativa de salvar a vida da gestante. Portanto a necessidade não se justifica nas situações em que o aborto for feito para preservar a saúde ou salvaguardar a honra da família ou da mulher gestante (Bitencourt, 2012, p.415, grifo nosso).

Baseado no estado de necessidade e na iminência de perigo a vida da gestante, Flávio Augusto BarrosàCOLOCAR O ANO afirma que na falta de um médico outra pessoa poderá realizar a intervenção. Ainda nessa hipótese o consentimento da gestante não é obrigatório já que a intervenção médico cirúrgica está autorizada pelos arts. 128, I (aborto necessário), 24 (estado de necessidade) e 146, § 3º (intervenção médico-cirúrgica justificada por iminente perigo de vida). Ademais, tomando as cautelas devidas, agirá no estrito cumprimento de dever legal (art. 23, III, 1ª parte), pois, na condição de garantidor, não pode deixar perecer a vida da gestante. (BARROS,[??] apud. BITENCOURT, 2012, p. 415).

“O Médico deve intervir após receber o parecer de outros dois colegas devendo ser lavrada ata em três vias, para que uma seja enviada ao Conselho Regional de Medicina, outra endereçada ao diretor clínico do nasocômio onde o aborto será realizado”. (Capez, 2010 p.123)

O Aborto humanitário, ético ou sentimental é permitido quando a gravidez é fruto de um crime de estupro ou de um atentado violento ao pudor fazendo-se uma analogia, é importante ressaltar aqui a presença do consentimento da mesma para a prática abortiva. Para autorização desse tipo de intervenção, é necessário como já foi dito o consentimento da gestante ou de seu responsável, se esta no caso em questão for incapaz. A prova tanto do consentimento da gestante, quanto da ocorrência do estupro deve ser cabal para fazer à subsunção a norma. (BITENCOURT, 2012, p.416).

O dispositivo legal não requisita uma autorização judicial, processo judicial ou sentença condenatória contra o autor do crime de estupro para a prática do aborto sentimental, portanto a intervenção fica a critério do médico. Faz-se necessário apenas a apresentação de algum documento que sirva de comprovação quanto à execução do crime (boletim de ocorrência, testemunhas colhidas perante autoridade policial, atestado médico referente às lesões sofridas pela mulher e as lesões própria da submissão forçada à conjunção carnal) (CAPEZ, 2010, p. 125).

Visando garantir o que é previsto pelo Código Penal e garantir o direito da mulher ao aborto nos casos permitidos por lei, a rede pública de saúde brasileira criou o serviço de Aborto Legal, essas unidades visam o atendimento às mulheres que engravidaram em decorrência de estupro ou cuja gravidez represente risco a sua vida e em casos de diagnóstico de anencefalia fetal (ANIS, 2012, p.17). àNÃO TEM O NOME DO AUTOR DO ARTIGO?

Quanto à anencefalia, o tema será abordado com mais detalhes no capítulo subsequente. A priori é importante ressaltar que a decisão expedida pelo Supremo Tribunal Federal de que a antecipação do parto em caso de anencefalia é um direito constitucional da mulher e “gera efeitos erga omnes, ou seja, vale em todo o território nacional como lei.” (Anis, 2012, p.16).

3 A antecipação terapêutica do parto em caso de Anencefalia

A anencefalia consiste em uma má-formação fetal grave, resultante de falha no fechamento do tubo neural, acarretando a ausência dos hemisférios cerebrais, da calota craniana e do cerebelo. A conjunção desses fatores impede a possibilidade de vida extrauterina., essa anomalia não possui tratamento ou cura, e é fatal em sua totalidade de casos.  A partir desses e outros fatores, o Supremo Tribunal Federal se reuniu para julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54 “considerando que o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, de 17 de junho de 2004 (ADPF-54), e declarou a constitucionalidade da antecipação terapêutica do parto nos casos de gestação de feto anencéfalo, o que não caracteriza o aborto tipificado nos artigos 124, 126 e 128 (incisos I e II) do Código Penal, nem se confunde com ele;” haja vista que nesta situação a expectativa do feto é morte independente da antecipação. (Conselho Federal de Medicina, 2012).

Concomitantemente à decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal quanto à permissão da antecipação terapêutica do parto nos casos de anencefalia, o Conselho Federal de Medicina estabelece parâmetros para essa prática. É de competência do Conselho Federal de Medicina o diagnóstico de anencefalia, e este é dado a partir da 12ª semana de gestação, por meio de exame de ultrassom (art. 2, caput). A Resolução estabelece ainda que o diagnóstico deva conter duas fotografias, identificadas e datadas, uma com a face do feto em posição sagital; a outra, com a visualização do pólo cefálico no corte transversal, demonstrando a ausência da calota craniana e de parênquima cerebral identificável (art. 2, I); laudo assinado por dois médicos, capacitados para tal diagnóstico (art. 2, II). Após identificada a anencefalia, é dever do médico orientar a mulher para que ela decida pela interrupção ou não da gravidez (Conselho Federal de Medicina, 2012).

Um feto portador de anencefalia não possui expectativa de vida, nas situações em que dá-se continuidade a gravidez, fora do útero materno os relatos de sobrevida nessas hipóteses é no máximo de algumas horas. A impossibilidade de reversão ou tratamento do quadro resulta em morte certa e inevitável. Outro dado interessante a ser relatado é que em torno de 65% dos fetos anencefálicos morrem ainda no período intra-uterino (BARROSO, p.5)

Uma solução que favoreça a potencial vida extra uterina do feto, é em suma inviável, já que este não tem expectativa de vida. Porém quanto ao quadro clínico da gestante a continuidade dessa gravidez oferece riscos. Em parecer sobre o assunto a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia se posiciona: àQUAL O ANO E A PÁGINA?

As complicações maternas são claras e evidentes. Deste modo, a prática obstetrícia nos tem mostrado que: A) A manutenção da gestação de feto anencefálico tende a se prolongar além de 40 semanas. B) Sua associação com polihidrâminio (aumento do volume no líquido amniótico) é muito freqüente. C) Associação com doença hipertensiva especifica da gestação (DHEG). D) Associação com vasculopatia periférica de estase. E) Alterações do comportamento e psicológicas de grande monta para a gestante. F) Dificuldades obstétricas e complicações no desfecho do parto de anencéfalos de termo. G) Necessidade de apoio psicoterápico no pós-parto e no puerpério. H) Necessidade de registro de nascimento e sepultamento desses recém-nascidos, tendo o cônjuge que se dirigir a uma delegacia de polícia para registrar o óbito. I) Necessidade de bloqueio de lactação (suspender a amamentação). J) Puerpério com maior incidência de hemorragias maternas por falta de contratilidade uterina. K) Maior incidência de infecções pós-cirúrgicas devido às manobras obstetrícias do parto de termo. (APUD BARROSO, 2004, p. 7-8)

Para o conselho Federal de Medicina o feto portador de anencefalia, é considerado um natimorto cerebral, pelo fato de inexistência dos hemisférios e córtex cerebrais, dispondo apenas do tronco. O falecimento regido pela legislação de Transplantes 9.434/1997 atualmente é decretado com a morte encefálica, portanto, “com a morte cerebral, não há razão para que a mãe, não querendo esperar que a gestação chegue a termo, seja obrigada a mantê-la até o fim, pois ela está gerando um morto cerebral. Portanto, a antecipação terapêutica do parto é uma consequência lógica.” (ANIS, 2004, p.32)

A análise do que foi exposto neste capítulo traz a tona uma conclusão, a antecipação do parto em casos de gravidez de fetos anencéfalos não caracteriza aborto quanto às definições trazidas pelo Código Penal de 1980. Na tipificação penal do crime de aborto o bem jurídico tutelado é a vida do ser humano em sua gênese e quando provocado por terceiro protege também a integridade daquela que o gera. Portanto, no caso concreto analisado a antecipação terapêutica do parto realizada com o consentimento da gestante não há de ser enquadrada como aborto. Em consonância ao pensamento defendido por Barroso (2004, p.6), utiliza-se suas palavras:

O aborto é descrito pela doutrina especializada como a “interrupção da gravidez com a conseqüente morte do feto (produto da concepção)”. Vale dizer: a morte deve ser resultado direto dos meios abortivos, sendo imprescindível tanto a comprovação da relação causal como a potencialidade de vida extra-uterina do feto. Não é o que ocorre na antecipação do parto de um feto anencefálico. Com efeito, a morte do feto nesses casos decorre dá formação congênita, sendo certa e inevitável ainda que decorrido os 9 meses normais da gestação. Falta à hipótese o suporte fático exigido pelo tipo penal.

3.1 Direito a vida versus Princípio da Dignidade da Pessoa Humana;

O Código Penal vigente permite a prática do aborto em duas situações como já foi tratado anteriormente, no caso do aborto eugênico foi necessário uma análise clínica do tema para que o Supremo Tribunal Federal definisse como Direito Constitucional da Mulher a faculdade de escolher se deve ou não prosseguir com a gestação.

O Código Penal de 1940 não permitia o Aborto Anecefálico, Nelson Hungria concorda com o entendimento do legislador em afastar a legitimidade do aborto eugenésico, “justifica que nenhuma prova irrefutável pode ela fornecer no sentido da previsão de que um feto será, fatalmente, um produto degenerado” (HUNGRIA, 1958, p. 297). Fica em evidência a deficiência da medicina da época em diagnosticar as consequências geradas por uma anencefalia cerebral, os dados existentes eram falhos e a expectativa de vida desses fetos ainda não eram amplamente conhecidas (BITTENCURT, 2012, p. 429).

“O procedimento de antecipação do parto visa resguardar a dignidade e a integridade física e mental das mulheres que não desejam prosseguir com a gravidez” (Brasil, 2012, p.32). Não há aqui no que se falar de direito a vida do feto, no Brasil “a morte cerebral põe termo a vida” (BITTENCURT, 2012, p.436), portanto, a Anencefalia implica na não atividade cerebral sendo uma anomalia incompatível com a vida extra-uterina.

Quanto à dignidade e integridade física da mãe há o que se discutir, Marco Antonio Becker defende que “certamente, a manutenção da gravidez indesejada de um anencéfalo acarretará graves distúrbios psicológicos na gestante, em decorrência da tortura sofrida e de um tratamento degradante, vedado pelo art. 5º, inciso III, da Constituição Federal”. (apud BITENCOURT, 2012, p. 434)

Ingo Wolgang Sarlet, conceitua dignidade da pessoa humana como sendo uma:

Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2001, p.60)

Levando em consideração a Resolução expedida pelo do Conselho Federal de Medicina nº 1.752/04, que identifica os fetos anencéfalos como um natimorto, a priori não há que se falar entre conflitos de direito a vida e dignidade da pessoa humana “uma vez que o feto não tem uma vida, nem expectativa de vida, não há que se falar sobre a tutela do Estado sobre um direito que não existe.” (ESGALHA, 2009, p.10)

Thati Esgalha (2009, p.11) ainda assegura que proibir a antecipação terapêutica do parto infringe os direitos fundamentais da gestante, agindo assim, haveria um desrespeito ao direito de liberdade, de autonomia e afetaria negativamente a saúde colocando em risco a vida mãe. “Além de que, obrigar a gestante a esperar por nove meses uma criança que não terá vida é submetê-la a tratamento desumano, e isso fere o princípio de todos os princípios: da dignidade da pessoa humana, sendo equiparado à tortura” (ESGALHA, 2009, p.11).

Concordo com a afirmação de que obrigar uma mulher a manter a gestação de um feto com anencefalia é uma tortura. Quando a mulher é obrigada a levar adiante uma gravidez que não resultará em um filho vivo, mas em um filho morto, nós consideramos isso algo torturante para a mulher. Se ela tiver que levar adiante essa gravidez, terá de viver constantemente com a realidade de que está carregando um feto morto. Quando o feto nascer ele morrerá, tendo no máximo alguns minutos de vida. Desta maneira, ao invés de ter um filho para preparar sua chegada, ela terá de preparar o enterro do filho. É uma pressão psicológica muito grande, porque o fruto de sua gravidez não será um filho, mas uma anomalia inviável. (ANIS, 2004, p.60)

Quanto à dignidade e integridade física da mãe há o que se preservar, Marco Antonio Becker defende que “certamente, a manutenção da gravidez indesejada de um anencéfalo acarretará graves distúrbios psicológicos na gestante, em decorrência da tortura sofrida e de um tratamento degradante, vedado pelo art. 5º, inciso III, da Constituição Federal”. (apud BITENCOURT, 2012, p. 434)

Muitas verbalizam o desespero da situação, vendo a barriga crescer, sentindo os movimentos fetais, traduzindo este processo como tortura. Já ouvi de uma gestante sentir-se como “um caixão ambulante”. O diagnóstico em si já é muito duro; passar meses vivenciando esta perda pode ser encarado como tortura por muitas mulheres em tal situação (ANIS, 2004, p.29).

Obrigar à mulher levar em seu ventre por nove meses um feto que não possui expectativas de vida, “implica numa potencial ameaça à integridade física e os danos à integridade moral e psicológica na hipótese são evidentes” (BARROSO, 2004, p.16). Nesse caso a vida em questão à ser preservada é a da mãe, haja vista o risco que esta corre em prosseguir com essa gestação “não vale a pena”, já que ao fim gerará um ser sem vida (ANIS, 2004, p.32).

O artigo 196 da Constituição Federal prevê que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, e, conforme preconiza a Organização Mundial de Saúde:

A saúde preza pelo completo bem estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença. Ao Estado cabe proporcionar todos os meios ao seu alcance para a garantia do direito humano à saúde de forma a evitar danos psicológicos, dor, sofrimento e riscos desnecessários, garantindo o acesso ao procedimento médico de antecipação terapêutica do parto se assim for à vontade da gestante. (APUD IPAS, [??}, p. 2)

Conclusão

A definição usada aqui sobre o início da vida, é aquela trazida por Greco. Ele afirma que só há relevância a partir da concepção ou fecundação, ou seja, desde o momento em que é realizada a fecundação do óvulo pelo espermatozóide (após a nidação). O Código Civil, já afirma que a personalidade civil, a viabilidade para atos no mundo jurídico começa a partir do nascimento com vida, ainda há uma ressalva quanto ao estatuto do nascituro que põe a salvo os direitos dele.

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

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SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.


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Sobre os autores
Rafaela Coelho Rodrigues Lima

Graduanda em Direito<br><br>

Juliana Araújo Abreu

Aluna do 10º período do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco- UNDB

Gabriel Ahid Costa

Professor Mestre.

Informações sobre o texto

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Mais informações

Paper, apresentado à disciplina de Direito Penal Especial 1, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco- UNDB

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