Construção de edifícios: defeitos na obra.

Responsabilidade civil e prazo para reclamar o ressarcimento dos danos

30/08/2016 às 16:55
Leia nesta página:

Responsabilidade civil em decorrência de defeitos que eclodem nas empreitadas de edifícios ou em “outras construções consideráveis”.

Sumário

1. Intróito

2. Inadequação do solo

3. Qualidade e ineficiência dos materiais empregados

4. Contrato de empreitada e contrato de administração

5. Direitos e deveres do empreiteiro e do dono da obra

6. Efeitos liberatórios da responsabilidade

7. Limitação temporal e a extensão da garantia das construções

8. Sujeitos civilmente responsáveis pelos danos na construção de edifícios

1. Intróito

Adiantamos a nosso aviso, que não se há falar no instituto decadencial em ações condenatórias, porquanto o fenômeno da decadência fica reservado para as demandas cujo provimento sentencial tenha natureza constitutiva ou desconstitutiva.

Antes da violação de um direito, o que se tem é direito subjetivo inconstituído porque ausentes circunstâncias complementativas à sua constituição, mas no momento em que o direito subjetivo é violado nasce, então, para o violador, um dever que viabilizará o direito constitucional de ação, exercitável perante o Estado-juiz, agasalhando prestação em face do agente responsável pela ofensa, pelo credor dessa prestação, busca-se a tutela jurisdicional ao direito violado, objetivando provimento judicial de natureza nitidamente condenatória. Em ações desta natureza tem lugar a prescrição — não a decadência — alcançando o titular do direito lesionado pelos defeitos que a construção venha apresentar, de modo que a inércia, ou a sua não atuação em certo lapso de tempo, libertará o construtor que é o responsável “pela solidez e segurança” da obra, tanto “em razão dos materiais” utilizados como “do solo”, enquanto sujeito passivo da obrigação contraída pelo contrato para construção de edifícios “ou outras construções consideráveis”.

É nesse passo que angulamos as questões que dão título a este artigo, enfrentando-as quanto à responsabilidade civil indenizatória e o tempo em que o construtor de “edifícios ou outras construções consideráveis” deverá responder pelos defeitos que eclodirem depois da entrega da unidade habitacional, que se mostraram como causa do comprometimento da perfeição, da solidez e da segurança da obra, seja em razão dos materiais empregados, seja em face da inconveniência do solo à construção.

Comecemos pela inconveniência do solo à construção.

2. Inadequação do solo

No que toca a ausência de firmeza do solo, o Código Civil de 1916 no final do seu artigo 1.245 (correspondente ao artigo 618 do Código de 2002), ressalvava a responsabilidade daí decorrente, na hipótese de o construtor, não achando firme (o solo), avisar, prevenir enfim, o dono da obra (ou ao proprietário). A nosso aviso, entretanto, o Código vigente assim não mais dispõe; atem-se ele tão só a responsabilidade adotando o prazo prescricional de cinco anos para reclamar “do empreiteiro” (cabeça do art. 618) e o prazo decadencial de seis meses para o ajuizamento da correspondente ação (parágrafo único), tendo como marco inicial para a contagem desse tempo de cinco anos, a data da constatação “do vício ou defeito”. É certo dizer, então, que o legislador civil de 2002 pôs fim a antiga polêmica doutrinária e jurisprudencial que acompanhava o superado Código, desde sua promulgação em 1916, porquanto se o construtor não achar o solo adequado para a construção encomendada, agora não mais lhe basta advertir o dono da obra; é seu dever profissional e ético não prosseguir com a obra sobre um solo, que sabe — ou deveria saber — deficiente, portanto inapropriado àquela edificação.

Dando-se conta da enorme importância do tema aqui versado, o mestre paulista SILVIO RODRIGUES escreveu na 24ª edição do volume 3 da sua copiosa obra Direito Civil, Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade, que esta “matéria, que nas primeiras dez edições deste livro foi tratada de maneira perfunctória, passa, a partir desta, a ter um desenvolvimento um pouco mais extenso[1]. E referindo-se ao artigo 1.245 do revogado Código Civil, revelou o motivo para a mudança do seu entendimento ao assentar que “tal orientação foi imposta pelo grande número de demandas surgidas à margem do dispositivo acima transcrito e que em geral configuram litígios entre condôminos de edifícios de apartamentos que, após receberem suas unidades autônomas, vêm reclamar do construtor, que não raro foi também o incorporador do prédio, a indenização, por defeitos mais ou menos graves que, nele, após algum tempo, se apresentam[2].

3. Qualidade e ineficiência dos materiais empregados

A qualidade dos materiais empregados na construção é outra importante preocupação que o construtor não pode olvidar, e a isto desimporta se se trata de trabalho e material, ou se o contrato cuida somente da mão de obra com os materiais a cargo do dono da obra, a quem cabe, conforme estipulação contratual, o pagamento do preço pela empreitada.

Evidentemente que, ao caso aqui enfrentado, ganham especial relevância os defeitos — ocultos ou aparentes — se e quando, no desenvolvimento da construção, deixar o construtor de atentar, satisfatoriamente, para a peritia artis et peritia technica imprescindíveis na aplicação de seu mister, no desenvolvimento de sua atividade (ação) ou de sua conduta (omissão) der causa aos danos experimentados pelos adquirentes de unidade habitacional e pelo encomendante ou dono da obra.

4. Contrato de empreitada e contrato de administração

Contrato de construção segundo ELY LOPES MEIRELLES é “Todo ajuste para execução de obra certa e determinada, sob direção e responsabilidade do construtor, pessoa física ou jurídica legalmente habilitada a construir, que se incumbe dos trabalhos especificados no projeto, mediante as condições avençadas com o proprietário ou comitente[3].  

O contrato de empreita pode ter por objeto tão só à execução da obra (empreitada de lavor), ou também o fornecimento de materiais (CC, art. 610), se assim restar pactuado no vínculo, ou se a lei assim obrigar (§ 1º). No primeiro caso, a obrigação é classificada como obrigação de fazer; de outra banda, se se contratou também o fornecimento dos materiais necessários, assume o construtor ou empreiteiro, uma obrigação mista – fazer e dar. Em ambas as espécies tem-se a natureza civil, e se trata, igualmente, de contrato de empreitada.

De anotar que, nas construções podem aparecer duas modalidades de contrato: uma da construção propriamente dita (empreitada típica), outra, de administração (empreitada atípica). Nesse vértice tem-se que em se tratando de empreitada atípica (contrato de empreita sob administração) é do proprietário a incumbência de fornecer os materiais e pagar pela mão de obra, nesta modalidade o empreiteiro obriga-se apenas pela direção, fiscalização dos trabalhos, e desenvolvimento da edificação, percebendo, em contraprestação, remuneração em determinado percentual calculado sobre o valor total despendido pelo encomendante da obra edificanda. Diferente tratamento decorre da empreitada típica (contrato de construção) em que o empreiteiro contratado ajusta previamente o preço com o contratante (dono da obra), obrigando-se a tudo por tudo até a entrega da obra perfeita e acabada. Porque assume dupla obrigação — in faciendo et dare — assume o ônus tanto pela execução dos serviços como pelo fornecimento dos materiais, atraindo para si todos os riscos da elevação dos preços dos materiais ou da mão de obra, sem direito, de ordinário, a qualquer acréscimo ou reajustamento, posto não lhe socorrer o adágio rebus sic stantibus, a não ser que reste configurada a hipótese aventada na inovação trazida pelo parágrafo único do artigo 619 da vigente Lei Civil Codificada.

À compreensão do tema deste trabalho, e ao alcance da responsabilidade à sujeição passiva da demanda indenizatória (legitimatio ad causam et processum), mostra-se importante e necessário apontar as partes integrantes do contrato de construção (ou de empreitada), bem como a natureza do vínculo jurídico que as unem. Anotemos então:

Figuram no contrato de empreitada, o dono da obra e o empreiteiro, ambos vinculados por um contrato principal que pode originar um ou alguns novos contratos derivados (ou subcontratos na expressão de SALVO VENOZA[4]) com aparecimento de outros sujeitos integrando essa relação: o subempreiteiro em terceirização — subempreiteiro do empreiteiro —e ainda, em quarteirização, o subempreiteiro do subempreiteiro, comuns em construções de elevada monta, assim classificadas conforme se trate de edificação de prédio de apartamentos, hospitais, estradas, pontes etc. Cada um destes sujeitos tem, na relação contratual que os vincula, direitos, deveres, obrigações e ônus que lhes são próprios, uns para com outros, com atribuições perfeitamente delineadas em cada etapa ou fase da obra edificanda. 

Nos contratos de empreitada (e naqueles que destes derivam) ressoa nítida entre os contraentes, o estabelecimento de prestações correlatas como conseqüência do traço da bilateralidade. Outro traço evidente é a onerosidade, na medida em que, se de um lado o empreiteiro há de se desincumbir da sua tarefa, que se constitui na entrega da obra, no prazo convencionado, o dono do negócio (ou dono da obra), de outra banda, deve entregar a contraprestação prometida, representada pelo preço combinado.     

Tratando–se de subempreitada, a responsabilidade contratual se forma entre o empreiteiro principal, de um lado, e os terceirizados (subempreiteiros), de outro, sem qualquer relação daquele (empreiteiro principal) para com os quarteirizados (subempreiteiros do subempreiteiros), pondo a salvo, em princípio, o dono da obra, se não aquiesceu a essa triangulação. Todavia, tendo em conta o interesse social e a proteção laboral anunciados pelo Estatuto Consolidado Trabalhista, empreiteiro e subempreiteiro, numa espécie de subsidiariedade, unem-se e respondem, subsidiariamente (e não solidariamente como pensam alguns), pelos direitos dos trabalhadores que empregarem na construção. 

5. Direitos e deveres do empreiteiro e do dono da obra

É no pensamento voltado à economia, ao preço final, e aos riscos do empreendedor dono da obra, que se assenta a formação do contrato de empreitada por intermédio do qual se entrega ao empreiteiro a responsabilidade pela construção. Este pensamento volitivo está revelado no artigo 619 do Código Civil de 2002, que em melhor redação, bem mais elaborada, suprimiu a figura do “engenheiro” e do “construtor” adotando a do “empreiteiro”, dispondo de modo diverso ao que prescrevia o Código revogado no seu equivalente artigo 1.246, que deixava a conta exclusiva daquele que, por empreitada, assumisse a incumbência de executar a obra segundo plano por ele elaborado e aceito por quem o encomendava, e dava abrigo ao dono da obra quanto aos riscos de elevação dos preços, mesmo de salários ou dos materiais, ainda que se alterasse ou aumentasse, em relação à planta, a obra ajustada, salvo tivesse havido, para o acréscimo dos custos, expressas instruções do dono da obra, exibida pelo empreiteiro.

Ao tempo do velho Código, duas correntes se firmaram ao redor da interpretação desse dispositivo. Uma, mais heterodoxa, sustentava ser um dever do dono da obra pagar o acréscimo no preço, ainda que não tivesse havido a expressa autorização (“instrução escrita”); a outra, um tanto ortodoxa, firmava a posição textual defendia ad litteram, que sem a exibição da instrução por escrito do contratante empreendedor, haveria de se entender que, presumivelmente, o empreiteiro, no momento em que contratou o preço da empreitada, concordara com o valor acrescido nos salários e nos preços dos materiais. O novo Código Civil atendeu a ambas: a primeira, mas liberal, o fez na dicção do parágrafo único do artigo 619, e a segunda, pelo regrado na cabeça deste dispositivo. 

Esta questão agora está no seguinte pé: ainda que haja modificações no projeto da edificação, inexistindo estipulação contrária no vínculo jurídico (contrato de empreitada) e às modificações não se tenha instruções por escrito do dono da obra, o empreiteiro não pode exigir acréscimo no preço combinado se aceitou executar a obra, segundo o plano encomendado, mesmo que, quando da entrega, tenha-lhe custado mais que o valor convencionado, e ainda que a esse acréscimo tenha se dado a pedido do contratante (dono da obra). Nessa seara, sensível às críticas doutrinárias que viam uma iniquidade nesse dispositivo, acompanhando a parte da jurisprudência que desprezava a solução alvitrada no velho Código de 1916, o legislador civil de 2002 anotou no parágrafo único do artigo 619 que, mesmo ausente “autorização escrita”, o dono da obra fica obrigado a pagar ao empreiteiro, em arbitramento, os aumentos e os acréscimos, se continuadamente visitava a obra, e com as visitações, não podendo ignorar os aumentos, a respeito deles nunca reclamou, exatamente como sustentavam a corrente mais liberal à época.

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Excluindo a parte que tenha sido introduzida, unilateralmente, nas modificações no projeto, ao nosso sentir a solução alvitrada no parágrafo único do artigo 619, ao falar em arbitramento, não resolve o problema nem se nos afigura justa, sobretudo quando ocorrer elevações nos custos por conta de circunstâncias mercadológicas ou imprevisíveis. Em tais hipóteses, inclinamo-nos pelo entendimento de se admitir o reajustamento do preço contratualmente fixado, quando e se houver alteração substancial dos custos, tenha ou não havido autorização escrita, partindo-se do exame de cada caso em concreto, e o valor efetivo e comprovadamente acrescido, e não “segundo o que for arbitrado”, no que neste ponto discordamos.

Quando a empreita for unicamente de mão de obra, e do dono da obra o fornecimento dos materiais, estes haverão que ser devolvidos ao final da empreitada a parte que não se utilizou na construção. Igual solução deve ser aplicada para os casos de resolução ou resilição contratual. É do empreiteiro — não do dono da obra — o dever de reparar a perda ou deterioração de materiais que lhe foram entregues, indenizando o dono da obra, se por culpa sua houver perecimento, deterioração ou subtração dos materiais, vez que por força do contrato assumiu o dever de conservá-los com zelo e segurança, não se lhe podendo atribuir responsabilidade se foi diligente e zeloso no uso e na guarda, hipótese em que os prejuízos serão suportados unicamente pelo dono da obra (CC, art. 617). 

6. Efeitos liberatórios da responsabilidade

Especificamente no que toca a responsabilidade do empreiteiro, ela desaparece com o término e aceitação da obra pelo dono, obrigando-se este a recebê-la, se estiver em conformidade com o ajustado ou de acordo com o que costumeiramente se espera.

No momento da entrega, entretanto, a obra pode apresentar defeitos visíveis, de amplitude, constatáveis de plano, o que deverá ser resolvido pelas regras estampadas nos artigos 615 e 616 do vigente Código Civil, dispositivos estes que, tenha o empreiteiro se afastado dos planos dados e aceitos ou dos preceitos técnicos que se espera à obra contratada, conferem ao dono da obra o direito de optar entre recebê-la ou enjeitá-la; de outro tanto, é-lhe direito de, recebendo-a, exigir abatimento proporcional no preço.

Para defeitos encobertos, escondidos, que não se pode constatar de logo, no momento da entrega da obra, tem-se o chamado vício redibitório tratado nos artigos 441/446 da Lei Civil Codificada.

Em linhas gerais, nos termos do enunciado dos §§ 1º e 2º do artigo 614, a aceitação da obra pelo dono, produz, em relação ao empreiteiro, efeito liberatório da responsabilidade, mas continuará este vinculado à obra que entregou, pelo prazo de cinco anos (prescrição), se nesse tempo houver aparecimento de defeitos, aparentes ou ocultos. Exatamente porque se trata de responsabilidade de natureza continuativa excepcional, essa continuidade alcança somente empreitadas de edifícios e outras construções consideráveis que na adjetivação utilizado pelo artigo 618 tem o sentido de notável, importante, muito grande, vinculação legal justificada porque “nas empreitadas dessa espécie os vícios e defeitos da obra nem sempre se manifesta desde logo” e sim com o decurso do tempo, escreveu o magistrado mineiro ANTONIO LEVENHAGEM[5] explicando que, para essa responsabilidade do empreiteiro existir, os vícios ou defeitos da obra devem referir-se à solidez e a segurança da obra em razão dos materiais, assim também como em razão solo[6], e que “tais defeitos ameaçarem a solidez e a segurança da obra”, na advertência do citado mestre paulista SILVIO RODRIGUES[7].

7. Extensão da garantia das construções

O sempre lembrado mestre WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, lecionando sobre o superado artigo 1.245 do Código Civil (corresponde artigo 618 do Código atual), pontificou que a garantia pelo prazo de cinco anos (reeditado no vigente Código) em que o construtor fica adstrito a assegurar a solidez e estabilidade da construção, estava condicionada em ter ele (o construtor) “fornecido os materiais[8]. No que ousamos discordar, posto que referido dispositivo é bastante claro no dizer que “o empreiteiro de materiais e execução responderá...”, e esse conectivo “e” não tem o significado de cumulatividade, mas a significação de pouco importar se se trata de contrato simplesmente de lavor e/ou de materiais, porquanto o que espera o encomendante da obra é que tanto os materiais fornecidos pelo construtor, como a mão de obra que contrata para a execução da empreita, proporcione firmeza e segurança à obra edificada. Eis o nosso entendimento que se firma no fato de que, pensar diferente estar-se-ia concebendo a legalização da instabilidade da solidez das construções, numa espécie de garantia pela metade, o que não teria amparo sério em nosso sistema legal, posto passar ao largo a qualidade dos serviços.

Seria de nenhum sentido garantia apenas no que diz com os materiais, deixando ao desamparo os serviços envolvidos na obra. Por esta razão temos sustentado que a garantia da lei civil recai sobre os vícios e defeitos construtivos, seja em decorrência dos materiais empregados, seja em relação à mão de obra, sem qualquer importância a questão se trata de pequena ou grande monta a edificação empreitada.

8. Sujeitos civilmente responsáveis pelos danos na construção de edifícios

Tratando-se de construção de edifícios ou de “outras construções consideráveis” na linguagem civil codificada, a individualização da responsabilidade ganha relevo para fixação de quem deve e a quem se deve indenizar os danos que eclodirem depois de concluída a edificação e entregue a obra.

Esta questão é bem resolvida à luz do disposto no artigo 618 do vigente Código Civil de 2002 ao carrear para o empreiteiro daquelas edificações que aponta, a responsabilização pela boa execução da obra. A regra é a força do “contrato de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis” atribuir ao empreiteiro “de materiais e execução”, a responsabilidade civil pela “solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo”. Deflui-se do enredado neste dispositivo que o legislador abandonou a regra geral anunciativa de que entregue e paga a obra, esta foi verificada conforme (§ 1º do art. 614); e se por sua natureza, a obra se determina por medida, o que se mediu presumivelmente também se verificou, se nada levantou o empreendedor acerca de vícios ou defeitos, ou quem por ele tinha a incumbência de fiscalizar.

Tem-se então, que se tratando de contrato de empreitada versando sobre grandes construções ou edifícios, o construtor haverá de responder, em um prazo quinquenal, pela solidez e pela segurança da obra, porquanto a ela ficará ligado por todo esse tempo (5 anos), sendo ele, por isso, de ordinário, legitimado para reparar os danos se desconsiderou o dever de cuidado objetivo; esse dever de indenizar tem como pressuposto a existência de culpa em sentido lato, e aparece se e na hipótese de a lesão decorrer do afastamento dos deveres que assumiu.

Imaginemos que o engenheiro ou o arquiteto se responsabilizaram pela supervisão e acompanhamento da construção e que estes deveres se enfeixam também no empreiteiro, por conta disso, unidos pelos elos da solidariedade, ser-lhe-ão carreada a responsabilização pelos danos. Todavia, se o arquiteto foi contratado apenas para elaboração do projeto arquitetônico, e não para a direção, nem para a fiscalização da obra, carecerá de legitimidade se indicado no polo passivo da ação qualquer que seja o objeto mediato buscado, exceto quando se trate de empreitada de edifícios e outras construções vultosas (artigo 622 do CC), porque em casos que tais, dada à grandiosidade e importância da obra, se aceitou a contratação do projeto, apenas, assumiu o risco do resultado danoso porque confiara a terceiros as construções anunciadas no artigo 618, e por esta razão tem-se por inarredável a incumbência, do profissional da arquitetura, de supervisionar o andamento e execução da obra, não sendo prudente apenas projetá-la, embora não se possa negar, porque é do Código Civil a existência de permissivo legal à contratação de profissional habilitado tão somente para elaborar o projeto (art. 622).

No Tribunal de São Paulo colhem-se duas posições igualmente respeitáveis, imprimindo diferentes soluções à questão da responsabilidade solidária entre o arquiteto e o empreiteiro. A primeira tem entre seus defensores a douta Desembargadora CLÁUDIA RAVACCI que rejeita a idéia da solidariedade e exclui a responsabilidade do arquiteto se para este a incumbência se restringiu à elaboração do projeto e os defeitos decorrem da má execução da obra, e não de erros no projeto[9]. Posição com a qual concordamos apenas parcialmente. A ela nos filiamos somente se a obra não puder se emoldurar na dicção do artigo em comento (art. 618), ou seja, se se tratar de contrato de empreitada de obras de pequena monta, e não de contrato de empreitada de construção de edifícios ou outras construções, para as quais a lei estampa a marca consideráveis, porque se assim não for, entendemos que a melhor solução é dada pela tese majoritária ao admitir a existência de elos da solidariedade entre o empreiteiro e o arquiteto, ainda que este tenha contratado apenas a elaboração do projeto. Sustenta essa corrente que “não se concebe a realização de um projeto arquitetônico sem que o correspectivo dever, de parte do responsável, de acompanhamento da execução, levando à conclusão de que, nesse sentido, seja o responsável engenheiro, seja arquiteto, tem-se como inarredável a sua incumbência de supervisionar o andamento pela obra, seja porque se trata de relação de consumo, seja porque (admitindo que não o seja) contribuiu inequivocadamente para o desfecho da demanda, dando causa à eclosão do prejuízo cuja composição se busca”[10] (sem o itálico, o grifo é do texto original), este o caminho trilhado pelo conspícuo Desembargador MAURÍCIO SIMÕES DE ALMEIDA BOTELHO SILVA, no voto condutor do acórdão assim ementado: “Indenização – Responsabilidade Civil – Contrato de Empreitada – Obra deficientemente realizada – Extensão da Responsabilidade do Arquiteto – É solidária com o empreiteiro a responsabilidade do Arquiteto por eventuais deficiências em obra realizada, para a qual ambos foram contratados – Dever de fiscalização a reger sua atividade, de resto não demonstrado nestes autos – precedentes da jurisprudência –  Recurso de Apelação conhecido e, quanto ao mérito, provido para estender a responsabilidade ao Apelado, revertido os encargos sucumbenciais[11], direção para a qual já em 1993 apontava o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, ainda vigente o Código de 1916, como se pode constatar em diferentes julgados, dentre os quais, exemplificativamente, fiquemos com o julgamento da Apelação nº. 202.103-2 da então 11ª Câmara Civil, de 1º de julho de 1993, de relatoria do Desembargador ITAMAR GIANO, assim decidindo: “Tem o engenheiro dever de acompanhar a construção, desde os serviços preliminares, de preparação do solo, até o acabamento, uma vez que é responsável pela solidez e segurança do trabalho, nos termos do artigo 1.245 do Código Civil e da Lei Federal n. 5.194, de 1966”[12].

Nesse contexto, no que pertine a responsabilidade do dono da obra, proprietário do terreno, tendo este apenas providenciado a obra, desde que não se lhe possa ser atribuída à qualidade de construtor, o adquirente do imóvel terá contra ele ação redibitória, para enjeitar a coisa (art. 441) ou então quanti minoris objetivando abatimento do preço (art. 442) fundamentado em vícios ou defeitos ocultos, consoante a previsão codificada; se fizer uso de demanda ressarcitória de danos colherá o fruto amargo da irreversível carência da ação ajuizada, posto esbarrar na impossibilidade jurídica do pedido indenizatório para a hipótese.

Assim alinhavado o tema da responsabilidade civil em decorrência de defeitos que eclodem nas empreitadas de edifícios ou “outras construções consideráveis”, no tocante ao tempo em que esta responsabilidade e correspondente indenização permanecerá latente, merece especial atenção daqueles que se sentirem prejudicados pela edificação ou demolição de prédios, dragagem ou terraplanagem etc, porque não se desenvolveu a contento e apresenta defeitos que eclodirem depois da entrega da obra, comprometendo a perfeição, a solidez e a segurança da edificação, seja em razão dos materiais empregados, seja em face da inconveniência do solo à construção, a lei civil libera o construtor da responsabilidade ressarcitória por danos decorrentes dos defeitos nas construções de prédios e obras outras de grande monta, após o transcurso de cinco anos contados da data da entrega da obra (decadência), e transcorrido dois anos, desaparece o direito de ação (decadência), como informam, respectivamente, o artigo 618 e seu parágrafo único, do Código Civil.

[1] op. cit. p. 238

[2] ibidem

[3] in Direito de Construir, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 196

[4] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contrato em espécie e responsabilidade civil, São Paulo: Atlas, 2001,

   p. 188, nº. 8.5.

[5] LEVENHAGEN, José Antonio de Sousa. Código Civil: direitos das obrigações – comentários Didáticos, v. 5, São

  Paulo: Atlas, 1981, p. 43

[6] Ibidem

[7] RODRIGUES, Silvio. Direito civil/Dos contratos e das declarações unilaterais e vontade, v. 3, 24ª ed., São Paulo:

   Saraiva, 1997, p. 239

[8] in Curso de Direito Civil: Direito das obrigações, 2ª parte, v. 5, 20ª ed., São Paulo: Saraiva, 1985, p. 200

[9] TJSP-Ap. nº. 7132311-4, 24ª Câmara de Direito Privado “D”, j. 14/03/2008

[10] Idem

[11] ibidem

[12] in Lex Editora, nº. 147 (agosto/1993), p. 115

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Sobre o autor
Vander de Melo

Pofessor Universitário. Pós-graduado em Dieito Processual Civil pela UniFMU. Palestrante.Autor de diversos artigos jurídicos.Jornalista por formação.Premiado com o título Advogado do Ano/2003 (ACESP.) Prêmio Advogado/Professor Universitário de 2003 (Revista Rumo Certo).Conselheiro da Seção Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, triênio 2001/2003.Membro da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo (ACRIMESP).Integrante/Fundador da banca de advogados Vander de Melo Advocacia e Assessoria jurídico-empresarialEscritório virtual: www.vanderdemelo.adv.br

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