Previsões legais de proteção das pessoas portadoras de deficiência no Brasil

31/08/2016 às 22:15
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Construção histórica do reconhecimento e principais legislações protecionistas.

1. Construção histórica e reconhecimento dos direitos dos portadores de deficiência no Brasil

A evolução da proteção aos direitos dos deficientes no Brasil seguiu a mesma linha mundial, isto é, gradativamente saiu de uma esfera de maus-tratos e violência, através de uma política de exclusão e rejeição, para uma esfera assistencialista.

Os primeiros “ecos históricos” de indivíduos com algum tipo de deficiência no Brasil ocorreram dentre os povos indígenas. Os diversos relatos históricos atestam condutas, práticas e costumes indígenas que significavam a eliminação sumária de crianças com deficiência ou a exclusão daquelas que viessem a adquirir algum tipo de limitação física ou sensorial. As crendices e superstições da época, relacionavam o nascimento de crianças com deficiência a castigo ou punição.

Ainda durante o período colonial, a deficiência física ou sensorial nos negros escravos decorreu, inúmeras vezes, dos castigos físicos a que eram submetidos. De início, a forma como se dava o tráfico negreiro, em embarcações superlotadas e em condições desumanas, já representava um meio de disseminação de doenças incapacitantes, que deixavam sequelas e não raro provocavam a morte de um número considerável de escravos (GARCIA, 2011).

Da mesma forma como ocorreu na história mundial, a pessoa portadora de deficiência era lançada ao isolamento e excluídos do convívio social. Todavia, a chegada da Corte portuguesa ao Brasil e o início do período Imperial, mudaram essa realidade.

O Imperial Instituto dos Meninos Cegos (hoje Instituto Benjamin Constant), criado em 1854, foi uma das primeiras instituições voltadas para as pessoas com deficiência, e marca o momento a partir do qual a questão da deficiência deixou de ser responsabilidade única da família, passando a ser um “problema” do Estado.

No século XIX, a questão da deficiência aparece de maneira mais recorrente em função do aumento dos conflitos militares republicanos. Nesse contexto, ocorreram as primeiras ações para atender as pessoas com deficiência. Foi então inaugurado no Rio de Janeiro, em 29 de julho de 1868, o “Asilo dos Inválidos da Pátria”, onde “[...] seriam recolhidos e tratados os soldados na velhice ou os mutilados de guerra, além de ministrar a educação aos órfãos e filhos de militares.” (FIGUEIRA, 2008, p. 63).

Contudo, a proteção específica das pessoas portadoras de deficiência ainda não havia sido objeto de previsão constitucional.

Assim, a Constituição de 1824 apenas cuidou de garantir o direito à igualdade, no inciso XIII, do artigo 179; o mesmo ocorrendo na Constituição de 1891, através do artigo 72, em seu parágrafo segundo e na Constituição de 1934 que trouxe o dispositivo que consagra a igualdade no inciso I do artigo 113.

A partir da década de 40 passou a ocorrer os primeiros passos rumo a legislações visando a proteção aos direitos dos deficientes. Diante do déficit de ações concretas do Estado, a sociedade civil criou organizações voltadas para a assistência nas áreas de educação e saúde, como as Sociedades Pestalozzi (1932) e as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) (1954). Tais entidades passaram a pressionar o poder público para que este incluísse na legislação e na dotação de recursos a chamada “educação especial”, o que ocorre, pela primeira vez, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961.

A Constituição de 1946 garantiu o direito à igualdade no parágrafo primeiro do artigo 141, prevendo o artigo 157, XVI que

Art. 157 – A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão aos seguintes preceitos, além de outros que visem à melhoria da condição dos trabalhadores:

[...]

XVI- previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte.

A Emenda n.º 1 à Constituição de 1967 resguardou a igualdade em seu artigo 153, parágrafo primeiro, inovando ao fazer, no seu artigo 175, a primeira referência à proteção específica das pessoas portadoras de deficiência, afirmando que:

Art. 175. A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos poderes públicos.

[...]

§ 4º. Lei especial sobre a assistência à maternidade, infância e à adolescência e sobre a educação de excepcionais.

A Emenda nº 12, à Constituição Federal de 1967, promulgada em 17 de outubro de 1978, afirmou que:

Artigo único. E assegurado aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica especialmente mediante:

I — educação especial e gratuita;

II — assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do País;

III — proibição de discriminação, inclusive quanto à admissão ao trabalho ou ao serviço público e a salários;

IV — possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos.

[...]

Desde o final da década de 1970, o país foi marcado por uma intensa luta por cidadania e respeito aos Direitos Humanos. Essa perspectiva histórica permitiu uma abertura política e organização de novos movimentos sociais, dentre eles, o movimento em prol dos deficientes, o que gerou avanços nas políticas públicas do País, permitindo com que essas pessoas conquistassem espaço e visibilidade na sociedade brasileira nas últimas décadas.

Esse movimento impulsionado, sobretudo, pelo cenário internacional, que a partir de 1948 com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, iniciou um amplo e profundo debate sobre os direitos iguais e inalienáveis como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.

A trajetória histórica brasileira de exclusão ou isolamento em relação as pessoas com deficiência, se encerra no ano de 1981, quando foi declarado pela ONU como Ano Internacional da Pessoa Deficiente (AIPD).

De acordo com Figueira (2008, p. 115)

Se até aqui a pessoa com deficiência caminhou em silêncio, excluída ou segregada em entidades, a partir de 1981 – Ano Internacional da Pessoa Deficiente -, tomando consciência de si, passou a se organizar politicamente. E, como consequência, a ser notada na sociedade, atingindo significativas conquistas em pouco mais de 25 anos de militância.

A Constituição Federal brasileira foi um marco importante no avanço e, também, um referencial de proteção por parte do Estado dos Direitos Humanos dessas pessoas. No período de debates da Constituinte, os grupos de pessoas com deficiência exerceram um importante papel na luta para que seus direitos fossem garantidos em várias áreas da existência humana. Da educação, à saúde, ao transporte, aos espaços arquitetônicos.

A Constituição de 1988 trouxe a proteção às pessoas portadoras de deficiência de forma dispersa, através de vários dispositivos alocados em capítulos distintos. A partir de então, iniciou-se, de fato, no Brasil, a consciência de que um tratamento isonômico seria necessário e urgente. Um marco importante para esse fato foi a tutela ao direito à acessibilidade, disposto nos artigos 227, §1º, II, e §2º e 244 da Constituição Federal.

Logo após os avanços da Carta Constitucional de 1988, foi publicada a Lei 7.853/89 que estabelece a respeito do apoio às pessoas com deficiência, sua integração social e sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE); institui a tutela jurisdicional de interesse coletivos ou difusos dessas pessoas; e disciplina a autuação do Ministério Público, além de definir crimes. Logo após a edição dessa lei, muitas outras normas foram elaboradas para regulamentar os direitos das pessoas com deficiência.

O mais recente avanço nas políticas públicas do país, na defesa dos direitos às pessoas com deficiência foi a ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e seu protocolo facultativo pelo Brasil, conferindo-lhe status de emenda constitucional. Tal adesão, representou importante conquistas do movimento político das pessoas com deficiência, uma vez que consolidaram os avanços do movimento: definiram o termo deficiência como resultado da interação entre a pessoa e o ambiente e estabeleceram referências legais baseadas nos direitos humanos, na inclusão e na participação plena.

2. Principais previsões legais a respeito da proteção das pessoas portadoras de deficiência no Brasil

Na Legislação Nacional com referência às pessoas portadoras de deficiência, as principais normas destacadas são as seguintes:

A lei 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social, dentre outros tópicos. Ademais, determina que ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico (art. 2º), bem como a promoção de ações eficazes que propiciem a inserção, nos setores públicos e privados, de pessoas portadoras de deficiência, adoção de normas que garantam a funcionalidade das edificações e vias públicas, que evitem ou removam os óbices às pessoas portadoras de deficiência.

A Lei 8112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais, afirma no seu art. 5º, § 2º que

Art. 5º [...]

§ 2º - Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso.

A Lei 8.160, de 08 de janeiro de 1991, afirmou que é obrigatória a colocação, de forma visível, do Símbolo Internacional de Surdez‖ em todos os locais que possibilitem acesso, circulação e utilização por pessoas portadoras de deficiência auditiva, e em todos os serviços que forem postos à sua disposição ou que possibilitem seu uso (art. 1º).

A Lei 8213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, ao tratar da habilitação e reabilitação profissional afirma que deverá ser proporcionado ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios para a (re)educação e de (re)adaptação profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive.

A Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, que organiza a Assistência Social, dispôs que tem por objetivos, dentre outros, a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária (art. 2º, IV) através de Programas de Assistência Social (art. 24), além da garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal[1] à pessoa portadora de deficiência[2] e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 2º, V).

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A Lei nº 8.899, de 29 de junho de 1994, concedeu passe livre às Pessoas Portadoras de Deficiência no Sistema de Transporte Coletivo Interestadual, afirmando que as empresas permissionárias e autorizatárias de transporte interestadual de passageiros reservarão dois assentos de cada veículo, destinado a serviço convencional, para ocupação das pessoas portadoras de deficiência.

A Lei nº 10.048, de 8 de novembro de 2000, determina atendimento prioritário às pessoas portadoras de deficiência física, bem como a reserva de assentos, devidamente identificados em transportes públicos e coletivos.

A Lei 10.098, de 19 de dezembro de 2000, estabeleceu normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, buscando suprimir as barreiras e obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.

A Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, indicando que a internação somente em casos excepcionais e proibiu que esta ocorresse em instituições com características asilares. Ademais, nos casos em que ocorrer a internação resguarda os direitos e a proteção dos portadores de transtorno mental.

A Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, reconheceu a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), como meio legal de comunicação e expressão.

A Lei nº 10.845, de 5 de março de 2004, institui o Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência, visando garantir a universalização do atendimento especializado de educandos portadores de deficiência cuja situação não permita a integração em classes comuns de ensino regular, bem como a inserção dos educandos portadores de deficiência nas classes comuns de ensino regular.

A Lei nº 11.133, de 14 de julho de 2005, em que é instituído o Dia Nacional de Luta da Pessoa Portadora de Deficiência.

Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, tendo como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, em que buscou, dentre outras garantias, afirmar a autonomia e a capacidade desses cidadãos para exercerem atos da vida civil em condições de igualdade com as demais pessoas, buscando criar uma cultura de inclusão e derrubar barreiras que ainda existem em relação aos portadores de deficiência.

REFERÊNCIAS:

GARCIA, Vinicius Gaspar. Bengala legal. As pessoas com deficiência na história do mundo. 2011. Disponível em: <http://www.bengalalegal.com/pcd-mundial>. Acesso em: 28 jun. 2016

FIGUEIRA, Emílio. Caminhando em silêncio: uma introdução à trajetória das pessoas com deficiência na história do Brasil. São Paulo: Giz Editorial, 2008.


[1] Regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 08 de dezembro de 1995.

[2] Considera-se pessoa portadora de deficiência, para efeito de concessão deste benefício, aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho (art. 20, § 2º). A família é considerada incapaz da manutenção do portador, se sua renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

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Sobre a autora
Cristiana de Sousa Vieira

Estudante de Direito da UFMA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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