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A decadência no Direito Previdenciário brasileiro

07/07/2004 às 00:00
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I – Breve Retrospectiva Histórica

A instituição do prazo decadencial para o ato de revisão dos critérios constantes do cálculo da Renda Mensal Inicial (RMI) dos benefícios previdenciários é uma inovação.

A inclusão do instituto foi efetuada pela nona reedição da Medida Provisória nº 1.523, de 27 de junho de 1997, posteriormente convertida na Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997 [1].

Após a edição da famigerada Lei nº 9.711, de 20 de novembro de 1998, o caput do artigo 103 recebeu nova feição reduzindo o prazo decadencial inicial de 10 (dez) para 5 (cinco) anos (decorrente da conversão em Lei da MP 1663-15, de 22 de outubro de 1998) [2]. Sucede que a Lei nº 9.711, publicada no DOU de 21/11/1998, em seu artigo 30 convalidou os atos praticados com base na Medida Provisória nº 1663-14, de 24/09/1998, razão pela qual a norma restritiva introduzida pela MP nº 1663-15 formalmente não foi convalidada. Este fato nos leva à conclusão de que a redução do novo prazo vigorou apenas a partir da edição da Lei nº 9.711/98. [3]

Em 20 de novembro de 2003, após o alvoroço nos Juizados Especiais Federais e nas Agências do INSS, o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva publicou a Medida Provisória nº 138/03 [4] alterando novamente o prazo decadencial para 10 anos.


II – Decadência: Instituto de Direito Material e Princípio da Irretroatividade

Atualmente, no caso de o valor da renda mensal inicial do segurado ter sido calculada de forma equivocada – após o transcurso do prazo decadencial de 10 anos o erro tornar-se-á definitivo. Anteriormente, era possível sanar o vício a qualquer momento, entretanto, as diferenças devidas relativas a competências anteriores ao qüinqüênio legal não poderiam ser cobradas por conta dos efeitos da prescrição. [5]

Porém, há de observar-se que como o direito de revisão está vinculado ao aspecto temporal, os benefícios concedidos sob a égide da MP 1523, de 27 de junho de 1997, estão sujeitos à novel decadência: os anteriores são a ela estranhos.

Esta noção conceitual é fundamental. E assim entendo por razões simples. Um benefício implantado antes da nova regra estava desvinculado do fator tempo. A inclusão da decadência em sua definição representaria evidente depreciação da situação material do segurado. O que ocorreria em tal caso seria indevida retroatividade da lei prejudicial. [6]

No ordenamento jurídico brasileiro, as leis destinam-se a regrar fatos que lhe são posteriores. A aplicação da lei nova ao fato pretérito é viável, mas exige expressa previsão normativa. A lei é sempre prevista para regulamentar o futuro, salvo expressa exceção e desde que não afronte a Constituição Federal.

O prazo de decadência para revisão da renda mensal inicial, estabelecido pela nona edição da Medida Provisória nº 1.523/97, de 27/06/1997, somente pode atingir as relações jurídicas constituídas a partir de sua vigência, vez que a norma não é expressamente retroativa e trata de instituto de direito material. Para os benefícios previdenciários concedidos entre 28/06/1997 e 20/11/1998 o prazo é de 10 anos. Para os benefícios concedidos após 20 de novembro de 1998, o prazo decadencial de cinco anos foi majorado para dez anos pela MP 138/2003.

Nesse sentido, transcrevo os seguintes julgados:

RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL. PRAZO DECADENCIAL. ARTIGO 103 DA LEI Nº 8.213/91, COM A REDAÇÃO DA MP Nº 1.523/97, CONVERTIDA NA LEI Nº 9.728/97. APLICAÇÃO ÀS RELAÇÕES JURÍDICAS CONSTITUÍDAS SOB A VIGÊNCIA DA NOVA LEI. 1. O prazo de decadência para revisão da renda mensal inicial do benefício previdenciário, estabelecido pela Medida Provisória nº 1.523/97, convertida na Lei nº 9.528/97, que alterou o artigo 103 da Lei nº 8.213/91, somente pode atingir as relações jurídicas constituídas a partir de sua vigência, vez que a norma não é expressamente retroativa e trata de instituto de direito material. 2. Precedentes. 3. Recurso especial não conhecido. (STJ - RESP 479964/RN; 6ª Turma; DJ:10/11/2003 - PG:00220; Rel. Min. PAULO GALLOTTI).

PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO NÃO CARACTERIZADO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. PRAZO DECADENCIAL. ARTIGO 103 DA LEI 8.213/91, COM A REDAÇÃO DA MP 1.523/97 CONVERTIDA NA LEI 9.528/97 E ALTERADO PELA LEI 9.711/98. I - Desmerece conhecimento o recurso especial, quanto à alínea "c" do permissivo constitucional, visto que os acórdãos paradigmas se referem aos efeitos de lei processual, enquanto o instituto da decadência se insere no campo do direito material. II - O prazo decadencial do direito à revisão de ato de concessão de benefício previdenciário, instituído pela MP 1.523/97, convertida na Lei 9.528/97 e alterado pela Lei 9.711/98, não alcança os benefícios concedidos antes de 27.06.97, data da nona edição da MP 1.523/97. III - Recurso conhecido em parte e, nessa desprovido." (STJ - REsp nº 254.186/PR, 5ª Turma, Relator o Ministro GILSON DIPP, DJU de 27/8/2001).

Assim, tratando-se a decadência de instituto de direito material, não há como emprestar efeitos retroativos à MP 1523/97, pena de manifesta afronta ao disposto no art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro e ao artigo 5º, inciso XXXVI da CRFB/88.

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Ressalta-se, ad cautelam, que a regra de caducidade abrange somente os critérios de revisão da renda mensal inicial. Não pode ser invocada para afastar ações revisionais que visam a correção de reajustes aplicados erroneamente às prestações previdenciárias. Nesses casos, o pagamento das diferenças apuradas encontrará como único obstáculo o lapso temporal abrangido pela prescrição. [7]


III – Restrição à Aplicação Imediata da Lei Nova aos Benefícios em Manutenção

Esquecendo agora a lícita retroação, muitos operadores do direito e toda a imprensa nacional sustentaram – nos últimos dias – que a MP nº 1523/97, convertida na Lei nº 9.528/97, teria aplicação imediata apanhando as relações jurídicas em curso.

Ocorre que a aplicação imediata da lei nova encontra restrição quando a nova regra for prejudicial ao segurado. No caso em tela, é impossível incidência imediata da MP nº 1523/97, sob pena de quebra do princípio de proteção ao hipossuficiente. Se a legislação dá novo tratamento à relação de direito previdenciário, ampliando os direitos do destinatário da norma, esta a ele aproveitará. Caso contrário não. Não há, nessa construção normativa, retroatividade, somente aplicação imediata, mas SEMPRE NA PRESSUPOSIÇÃO DE VANTAGEM AO SEGURADO. [8]

In casu

, a instituição do prazo decadencial pela MP 1523/97, não pode ter aplicação imediata aos benefícios em manutenção porque a nova norma não é mais benéfica aos segurados da Previdência Social.

IV – Considerações Finais

A intenção deste pequeno ensaio é contribuir de alguma forma para o aperfeiçoamento do estudo sobre a questão e a conclusão que se impõe é a seguinte:

Segundo tranqüilo entendimento a instituição do prazo decadencial nas ações de revisão da renda mensal inicial somente pode atingir as relações jurídicas constituídas a partir da vigência da nona edição da MP 1.523/97, vez que a norma não é expressamente retroativa e trata de instituto de direito material.

Além disso, aludida Medida Provisória acarreta evidente depreciação da situação material do segurado sendo impossível – ao meu ver – aplicação imediata da norma aos benefícios concedidos antes de 27/06/1997.

Em termos práticos: para a revisão da renda mensal inicial dos benefícios concedidos antes de 27/06/1997 não há prazo decadencial. Nesses casos, o pagamento das diferenças apuradas na ação revisional encontrará como único obstáculo o lapso temporal abrangido pela prescrição. Para os benefícios previdenciários concedidos entre 28/06/1997 e 20/11/1998 o prazo é de 10 anos. Para os benefícios concedidos após 20 de novembro de 1998, o prazo decadencial de cinco anos foi majorado para dez anos pela MP 138/2003.

Ressalto, ainda, que a caducidade abrange somente os critérios de revisão da renda mensal inicial. Não pode ser invocada para afastar ações revisionais que visam a correção de reajustes aplicados erroneamente às prestações previdenciárias


NOTAS

1 Confira a redação original do art.103 da Lei nº 8.213/91: "Sem prejuízo do direito ao benefício, prescreve em 5 (cinco) anos o direito às prestações não pagas nem reclamadas na época própria resguardados os direitos dos menores dependentes, dos incapazes ou dos ausentes".

E agora confira a redação do artigo 103 da Lei nº 8.213/91 dada pela nona reedição da Medida Provisória nº 1.523, de 27 de junho de 1997, posteriormente convertida na Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997: "É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo".

2 "Art. 103.  É de cinco anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo".

3 Cf. ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 294.

4 "Art. 103.  É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo."

5 Súmula nº 85 do STJ – Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas às prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação.

6 Cf. PEREIRA, Hélio do Valle. Prescrição e Decadência no Direito Previdenciário. IN: Revista de Previdência Social, v.23, n.226, p. 751-763, set. 1999.

7 O preceito contido no artigo 79 da Lei nº 8.213/91 impede também o curso dos prazos de prescrição e decadência contra menor, incapaz ou ausente.

8 Cf. PEREIRA, Hélio do Valle. Prescrição e Decadência no Direito Previdenciário. IN: Revista de Previdência Social, v.23, n.226, p. 751-763, set. 1999.

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Sobre o autor
Bruno Marcos Guarnieri

advogado militante em Florianópolis/SC e Aracaju/SE. Sócio da Kravchychyn & Barreto Advogados Associados-SC e da Guarnieri & Kravchychyn Advogados Associados-SE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUARNIERI, Bruno Marcos. A decadência no Direito Previdenciário brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 365, 7 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5377. Acesso em: 19 abr. 2024.

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