Estudo jurídico acerca da responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance

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2. DA ADVOCACIA

2.1 Conceito de Advogado e Advocacia

A expressão advogado tem origem no latim advocatio, significando assistência, consultas jurídicas, reunião ou assembléia de defensores de um acusado. Além do mais, otermo advocatio relaciona-se com a palavra advocare “que pode significar chamar a si, convocar, convidar, chamar como conselheiro num processo, chamar em auxílio, tomar como defensor na época imperial de Roma, ou apelar para, recorrer a, invocar a assistência”. (AGUIAR, 1991. P. 24)

Segundo Louis Crémieu,o advogado é entendido como:

Toda pessoa licenciada em direito e munida do diploma profissional, regularmente inscrita na Ordem, cuja profissão consiste em consultar, conciliar e pleitear em juízo”. Em seu ponto de vista, são três as melhores satisfações do advogado, “o prazer de conciliar; o prazer de pleitear e o prazer de ganhar o processo. (CRÉMIEU, 1996, p.39)

A função desempenhada pelo advogado é muito mais que representar o seu cliente em juízo ou defender inocentes, mas sim a busca incansável pela Justiça. Deve-se afastar o entendimento de que o advogado é um mero defensor daquele que está passando por uma situação difícil. A função do profissional, legalmente capaz, vai muito alémdeste entendimento, uma vez que a presente profissão é disciplinada em preceitos maiores que passam despercebidos aos olhos do homem comum, que não tem a capacidade e nem a visão de um profissional do direito, que defende também a própria ordem jurídica e a coletividade. A Constituição Federal de 1988 estabelece a função do advogado como uma profissão essencial à justiça. Conforme previsto em seu artigo 133:“O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”

Além disso, dispõe o artigo 2º do Estatuto da OAB – Lei nº8. 906/94

Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.

§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.

§ 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei.

Sendo assim, o advogado presta um serviço essencial para o eficaz exercício da justiça, cuidando pela aplicação das leis de forma correta e buscando aneutralidade nos julgados emitidos pelo Judiciário, a todo o momento amparando o interesse dos seus clientes.

Nas palavras de Rui Barbosa:

O Advogado é considerado como um fiscal do processo, devendo está sempre atento ao estrito cumprimento da ordem processual, observando os prazos, requerendo provas, e recorrendo sempre quando houver alguma inobservância, não se esquecendo de verificar as provas, apurando estas em debates processuais e sempre se preocupando com a regularidade formal do processo.(BARBOSA, 2006, p. 35)

Como mencionado anteriormente, o advogado se faz essencial na administração da justiça, a ele foi confiado o dever de defensor, estabelecendo na legislação a essencialidade e indispensabilidade deste profissional no contexto processual. Conceituado também como uma pessoa habilitada a fornecer assistência em situações jurídicas, defendendo judicial ou extrajudicialmente os interesses de seu cliente. O advogado é fundamental, sem o este,o acesso a justiça seria limitado, ou até mesmo inexistente. Nesse contexto, Lôbo expõe:

A função social é a sua mais importante e dignificante característica. O interesse particular do cliente ou o da remuneração e o prestígio do advogado não podem sacrificar os interesses sociais e coletivos e o bem comum. A função social é o valor finalístico de seu mister. (...) O advogado realiza a função social, quando concretiza a aplicação do direito ( e não apenas da lei), quando obtém a prestação jurisdicional e quando, mercê de seu saber especializado, participa da construção da justiça social. (LOBÔ, 2007, p.32)

É de tamanho valor a profissão deste, já que a estabilidade e paz social se unem, ficando ligada à sua atuação, esta importância deve ser preservada e cuidada pelo advogado.

Portanto, não podemos deixar de lembrar que essa concepção deve atingir igualmente o campo moral, permitindo mostrar o advogado como aquele que trabalha em prol da justiça, cumprindo uma função social, tendo sempre presente que o interesse individual deve ser pautado pelo interesse social.

2.2 Ética do Advogado

As ações humanas, na sua plenitude, são fundadas em determinados valores que, no que lhe diz respeito, estão fortemente associados aos interesses que motivam os feitos de cada sujeito. Esse argumento enseja o reconhecimento de que a ética necessita está efetivamente presente no meio jurídico. Para tanto, é imprescindível que todos os profissionais questionem o sentido de seus atos em sua prática.

Nesse sentido Vázquez entende a ética como:

Um conjunto sistemático de conhecimentos racionais e objetivos a respeito do comportamento humano moral, melhor dizendo, é a teoria ou ciência do comportamento moral do homem em sociedade. (VAZQUEZ 1984, pag.12)

Importante frisar a sua aplicação nas profissões e ofícios de forma geral, em destaque na advocacia. Profissão esta que possui o seu próprio Código de Ética, o que estabelece e evidencia a existência de uma ética profissional do advogado, devidamente normatizada. Assim, Ruy de Azevedo Sodré afirma em sua doutrina:

A ética profissional do advogado consiste, portanto, na persistente aspiração de amoldar sua conduta, sua vida, aos princípios básicos dos valores culturais de sua missão, seus fins, em todas as esferas de suas atividades.(SODRÉ, 1991, p. 41)

Desta forma, “a ética implica em atitudes e comportamentos que transcendem o simples respeito a valores fundamentais e regras de moral social aplicadas ao plano laboral, mas também à sua vida pessoal”.(CENCI, 2002, pag. 88)

Com relação a advocacia brasileira, a ética profissional foi conteúdo de importante normatização, direcionada aos deveres dos advogados, presente no Estatuto e no Código de Ética Profissional, este datado de 25 de junho de 1934, com nova redação em 2016.

Lamentavelmente, tais preceitos, são desrespeitados por alguns profissionais que vêem na profissão tão somente uma fonte de garantir seus ganhos e mercantilizar o seu oficio, não considerando como importante os preceitos éticos, morais e, além disso, sem se preocuparem com os reais interesses de seus clientes.

De acordo com Carlos Sebastião Silva Nina, ética é um dos pressupostos imprescindíveis do advogado, não só pelo fato do seu seguimento ou porque não vai caucionar um reflexo favorável ou não sobre toda a categoria, como acontece com a maioria das profissões, essa é uma característica exterior, mas pelos problemas e possíveis prejuízos que a sua não aplicabilidade implicará à própria construção da sociedade, em face da necessidade e a importância do advogado nesse processo.(NINA,2001)

Diante disso, entende-se que por meio do respeito e do comprometimento ético e moral para com toda a sociedade, é que o ofício da advocacia garantirá de forma eficiente a ordem em um Estado Democrático de Direito.

Por último, deve aplicar-se o entendimento de que para que o advogado busque proteger e garantir o direito e anseios de seus clientes, primeiramente terá que respeitar suas obrigações, não deverá deixar de lembrar-se da sua primordial importância e dever com a sociedade e seguir os seus princípios, pois caso não haja esse cumprimento, dificilmente existirá conivência pacífica em sociedade.

2.3 Relação entre o cliente e o advogado

A relação entre cliente e advogado, forma-se através da confiança, uma vez que aquele entrega a este os seus bens, problemas, liberdade e sua honra, ou seja, situações ou coisas importantes, com a consciência que está em boas mãos. Certamente diante do elevado nível de moral que a advocacia está revestida, a relação entre cliente e advogado é baseada em confiança e respeito. Destacando que a confiança e respeito devem está presentes em ambos os sujeitos. Conforme Sodré (1991, p. 63), “a consciência, do advogado, vinculada aos preceitos éticos, e confiança, do cliente."

Segundo Sodré, o advogado possui sua independência. Baseando-se nesse contexto nota-se que o profissional é o depositário da confiança de seus clientes, sem essa não poderá praticar com eficácia a defesa dos interesses a ele entregues.

Portanto, o vínculo entre advogado e cliente deve ser construído baseado em confiança e independência entre ambos. É fundamental que o profissional tenha consciência ética da dimensão que o seu agir profissional possui para o eficaz exercício da justiça.


3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO

3.1 Considerações acerca da responsabilidade do advogado

Como mencionado em momento anterior, o advogado exerce função essencial à justiça, conforme estabelece a CRFB/88 em seu artigo 133. Deste modo, existem leis no ordenamento jurídico brasileiro com o objetivo de responsabilizar o advogado em alguns casos. Carlos Roberto Gonçalves explica que, “o profissional incompetente deve ser responsabilizado, nesses casos, pelos prejuízos acarretados ao cliente.” (GONÇALVES, 2009, p.254)

Segundo o mesmo doutrinador, o advogado através do mandato judicial impõe-se a responsabilidade de natureza contratual perante os seus clientes, mas isso não significa que ele assume a obrigação de satisfazer todos os anseios destes na causa em que patrocinar, sendo que a sua obrigação é de meio, e não de resultado. (GONÇALVES,2009)

Sobre este assunto, Aguiar Dias afirma que a responsabilidade do advogado tem natureza contratual, e implica em total desconexão com o Estado no que tange a responsabilidade, ou seja:

Ao contrário do Direito francês, onde a função do advogado representa um múnus público, confiado a um oficial público, a quem a lei impõe, independentemente mesmo da vontade das partes, certos deveres legais, no nosso sistema jurídico o advogado não é oficial público e, assim, sua responsabilidade é puramente contratual, salvo, o caso de assistência judiciária. (DIAS, 1979, p. 329)

É possível que os profissionais advocatícios e seus clientes encontrem-se unidos por uma relação contratual, não havendo, contudo, uma forma rígida pela qual assumem direitos e obrigações; pode ser por mandato, locação de serviços, contrato atípico ou mesmo um contrato de consumo. (DIAS, 1979)

Mesmo se esquivando da obrigação de resultado, o profissional está sujeito ao estipulado no contrato formalizado com o seu cliente. Desde então, o advogado possui a obrigação contratual de prestar todo o acompanhamento necessário ao processo, observando os prazos, está presente nas audiências, esclarecer as dúvidas do cliente, se por acaso existirem.

Por conseguinte, nas palavras de Sérgio Cavalieri “a obrigação é defendê-lo com o máximo de atenção, diligência e técnica, sem qualquer responsabilidade pelo sucesso ou insucesso da causa” (CAVALIERI, 2012, pag. 431)

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No entanto, o advogado como um bom prestador de serviços dedicado e cauteloso, não deve sonegar informações ao cliente, devendo mantê-lo atualizado sobre o desenvolvimento do processo. Pode, por isso, ser responsabilizado se, em virtude de sua omissão, o cliente desistir da ação ou fizer um mau acordo. (GONÇALVES, 2009)

Nessa forma, o Estatuto da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil - Lei 8.906/94-, em seu artigo 32, dispõe:

Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.

Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.

Fernando Antônio de Vasconcelos aponta que:

É fácil elencar uma série de casos nos quais o profissional pode revelar incompetência, despreparo para a função e ocasionar danos à seus clientes: perda de prazo, parecer alheio à doutrina e a jurisprudência, propondo ações erradas, ou que sejam contrárias ao entendimento que os Tribunais fazem das leis, não utilização das medidas cautelares, procedimentos de caráter emergencial, quando essenciais para a garantia e preservação de seus direitos; recusa de acordo; quando a causa apresenta-se de difícil solução; ausência de recurso, quando há probabilidade de reforma da sentença. (VASCONCELOS, 2003, p. 36)

A responsabilidade civil do Advogado deve analisar, portanto, o elemento subjetivo, mesmo se vista através do prisma do Código de Defesa do Consumidor. Além do mais, o advogado desempenha uma função de múnuspúblico, considerando o disposto na Constituição Federal, ou seja, o advogado tem atividade importante na estrutura do Estado e deve ter tratamento distinto, do mesmo modo que os outros agentes públicos. Com a quantidade de processos, seus valores e a relevância deles na vida de cada parte, seria impossível que a prática da advocacia se aplicasse à responsabilidade civil objetiva em desfavor do advogado.

Importante lembrar que além da hipótese de imperícia no cumprimento da obrigação de meio, o advogado, evidentemente, responde também por dolo, se teve a intenção de infligir danos a quem contratou seus serviços ou assumiu deliberadamente o risco de causá-los. O exemplo típico é o da traição de mandato. Se o advogado recebe pagamento ou vantagem da parte adversária para fraquejar na defesa dos interesses de seu constituinte, ou mesmo para praticar ato que o sacrifique, incorre em ato doloso constitutivo de responsabilidade civil subjetiva. (FILHO, 2012)

3.2 Natureza Jurídica da Teoria da perda de uma chance

No momento atual, cada vez mais habitual as ocorrências de situações que originam danos ao patrimônio jurídico do cliente por atitude omissiva do profissional da advocacia. A responsabilidade do advogado é de modo geral de meio, sendo assim somente será responsabilizado civilmente, caso tenha agido com dolo ou culpa no desempenho de suas atividades laborais, sendo a partir desse ponto a aplicação da Teoria da perda de uma chance. (GONÇALVES, 2009)

A teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance foi tema de estudo na Itália, em 1940, por Giovanni Pacchioni, professor da Universitàdi Milano, em sua obra intitulada Diritto Civile Italiano. (SAVI, 2009)

Mesmo que alguns autores franceses e a jurisprudência do país já estivessem discutindo acerca da teoria por perda de uma chance, segundo Sérgio Savi, Pacchionifoi pretensioso ao defender que não concordava com esta corrente: “Uma simples possibilidade, uma chance, tem sim um valor social notável, mas não um valor de mercado” (SAVI, 2009 p. 109)

Adriano de Cupis, autor italiano, publicou em 1966, Il Danno: Teoria Della Responsabilità Civile, reconheceu que é cabível a indenização por uma simples possibilidade de uma chance perdida, opondo-se a todos os autores italianos que até aquele momento não reconheciam a teoria da perda de uma chance como uma teoria aplicável. (SAVI, 2009, pag. 35)

Após a significativa contribuição de Adriano de Cupis, MaurizioBocchiola, em 1976, escreveu um artigo chamado “Perditadi uma chance e certezza Del danno” (Uma chance perdida e a certeza de dano). Em seu artigo, Bocchiola colabora com fundamentais conceitos e assim a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance obtém finalmente a sua efetivação na Itália com a redenção dos juristas italianos, como mostra Sergio Savi:

Após o importante trabalho de aperfeiçoamento de conceitos feito pela doutrina, mormente com as contribuições de Adriano de Cupis e MaurizioBocchiola, a jurisprudência italiana, também influenciada por diversas decisões francesas favoráveis à aplicação da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance, passou a analisar estes casos com maior atenção. Não obstante isso, somente em 19 de novembro de 1983, sete anos após a publicação do artigo de Bocchiola, é que foi julgado pela Corte dicassazioneo primeiro caso (leading case) favorável à indenização da perda da chance. (SAVI, 2009, p. 25)

A responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance é um tema que até o presente momento não tem muito espaço e conhecimento na doutrina e na jurisprudência brasileira, uma vez que contém características essências que a diferencia de outras incidentes que abrangem perdas e danos. Apesar disso, ela vem sendo acolhida por boa parte dos doutrinadores em nosso ordenamento jurídico, não deixando de receber críticas e elogios, mesmo que a maioria trate o tema de forma superficial. Um dos críticos a teoria é o doutrinador STOCO, ao afirmar que:

Ora, admitir a possibilidade de o cliente obter reparação por perda de uma chance é o mesmo que aceitar ou presumir que essa chance de ver a ação julgada conduzirá, obrigatoriamente, a uma decisão a ele favorável. Será também admitir a existência de um dano não comprovado e que não se sabe se ocorreria. Ademais, de se caracterizar em verdadeira futurologia empírica, mais grave ainda é admitir que alguém possa ser responsabilizado por um resultado que não ocorreu e, portanto, por um dano hipotético e, em última ratio, não verificado ou demonstrado e sem concreção. ( STOCO, 2011, p.490)

Igualmente, Carvalho Santosdefende que o advogado é imune de responsabilidade, justificando que jamais se conhecerá ao certo se o cliente teria acolhida sua solicitação pelo órgão jurídico, salvo em casos específicos, como se conclui do seguinte entendimento:

Somente quando haja possibilidade de reforma da sentença é que o advogado ficará obrigado a recorrer, a não ser que o seu constituinte se oponha. Mas, ainda aí, parece duvidoso o direito do constituinte, poder exigir qualquer indenização, precisamente porque não lhe será possível provar que a sentença seria efetivamente reformada. Somente em casos excepcionais poder-se-á admitir a possibilidade dessa prova e quando espécie idêntica, na mesma ocasião, isto é, julgada pelos mesmos juízes que deveriam julgar a sua causa, tiver sido decidida no sentido que o recurso, que não foi interposto, visaria conseguir. (SANTOS, 1986, p.322)

Os motivos que geram a perda de uma chance que evidenciam a culpa do profissional da advocacia são muitos, e alguns deles são listados por Sérgio Novais Dias em sua obra, como, por exemplo, a falta de propositura de ação judicial não interposição de recurso, omissão na produção de prova necessária, extravio de autos, não interposição de recursos de natureza extraordinária, ausência de sustentação oral do recurso, , entre vários outros. Mas para a sua aplicação, deve-se tratar de prejuízo, material ou imaterial, ocasionado de fato consumado, e não uma provável possibilidade. (DIAS, 1999, p. 65)

A expressão “chance” significa, em sentido jurídico, a possibilidade de conquistar um ganho ou de esquivar-se de uma perda. Assim entendida, a perda de uma chance assumida um valor econômico, um conteúdo patrimonial. Nesse sentido Sergio Cavalieri Filho sustenta que:

Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um beneficio futura para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda.(Cavalieri Filho,2012, p.81)

Muitos são os posicionamentos doutrinários em relação da natureza jurídica da perda de uma chance. Conforme Venosa, a perda da chance não se compreende na categoria de dano emergente e nem de lucros cessantes, uma vez que versa de indenização sob a ótica de uma probabilidade.

Sob outro ponto de vista, Sergio Savi destaca que “ao considerar o dano da perda de uma chance como um dano emergente, consiste na perda da chance de vitória e não na perda da vitória, eliminam-se as dúvidas acerca da certeza do dano e da existência do nexo causal entre o ato danoso do ofensor e o dano”. (SAVI, 2006, p. 11)

Portanto, percebe-se que a teoria da perda de uma chance obteve uma colaboração bastante significativa dos juristas italianos. Depois de vários anos de resistência em permitir a perda de uma chance na qualidade de um dano real e sujeito de indenização, os italianos se sujeitaram aos argumentos de Adriano de Cupis e Maurizio Bocchiola e começaram a acolhê-la como um dano emergente, admitindo a devida reparação pela perda de uma chance, influenciando de tal forma os juristas brasileiros.

3.3 A posição doutrinária Brasileira diante da responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance

Os doutrinadores brasileiros discutiram de forma superficial sobre a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance. Apesar disso, maior parte da doutrina acolhe o entendimento que deverá ser aplicada a reparação pela perda de uma chance, sendo poucas as opiniões contrárias. Com isso, o tema vem conquistando o seu espaço no judiciário, e mesmo sendo poucas as obras publicadas a respeito desse assunto, boa parte dos autores civilistas brasileiros discutiu em suas obras brevemente sobre a teoria.

Apesar da inexistência de previsão legal própria nas leis brasileiras acerca da reparação pela perda de uma chance, pode-se aplicar a teoria pela classe jurídica brasileira com auxílio em uma compreensão sistemática e teleológica das leis e normas que regulamentam o dever de indenizar, em conformidade com os princípios presentes na Constituição Federal.

Sérgio Cavalieri Filho escreve sobre o tema:

A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) guarda certa relação com o lucro cessante uma vez que a doutrina francesa, onde a teoria teve origem na década de 60 do século passado, dela se utiliza nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor. Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda. A chance perdida reparável deverá caracterizar um prejuízo material ou imaterial resultante de fato consumado, não hipotético. Em outras palavras, é preciso verificar em cada caso se o resultado favorável seria razoável ou se não passaria de mera possibilidade aleatória. A vantagem esperada pelo lesado não pode consistir numa mera eventualidade, suposição ou desejo, do contrário estar-se-ia pre miando os oportunismos, e não reparando as oportunidades perdidas.(CAVALIERI FILHO,2012, p. 81-82)

O referido autor nota visivelmente a possibilidade de responsabilidade civil por perda de uma chance. Do seu entendimento extrai-se o conceito mais completo da teoria, pois o que é indenizável é a perda da chance provável de se obter um lucro ou de evitar uma perda, diferentemente de Agostinho Alvim, pois para este autor a caracterização da perda de uma chance se dar de forma pura e simples, independente de possíveis lucros e ganhos. Como expõe:

Alguém vê julgada improcedente uma ação, que intentou para haver certa quantia. A sentença, proferida por juiz inexperiente, certamente não subsistirá, por haver mal apreciado a prova. Todavia, o advogado, por negligência, deixa de apelar. Impossibilitando o recurso e não sendo caso de ação rescisória, não poderá o autor obter restabelecimento do seu direito. Pensará, então, em voltar-se contra o seu advogado, a fim de conseguir que este o indenize. Mas a prova do prejuízo é absolutamente impossível. Com efeito, a causa apontada do dano é a não interposição do recurso. Mas como fazer a prova de que, interposto, teria logrado provimento? Para estes casos, há o preventivo da cláusula penal, que autoriza o credor a cobrar multa prevista, bastando que prove a infração do advogado, dispensando da alegação do prejuízo (CódCiv. Art 927). Dado, porém, que o credor não tenha usado deste preventivo, será de todo irremediável seu mal? Tal conclusão seria exagerada. Com efeito, se ele está inibido a provar a existência direta do dano, tal como o supusemos, outro dano há, resultante da mesma origem o qual se pode provar e é, portanto, indenizável. A possibilidade talvez a probabilidade de ganhar a causa em segunda instância constituía uma chance, uma oportunidade, um elemento ativo a repercutir, favoravelmente, no seu patrimônio, podendo o grau dessa probabilidade ser apreciado por peritos técnicos. (ALVIM, 1965, p. 190-191)

A doutrina brasileira até este momento estuda os critérios da responsabilização pela perda de uma chance no direito nacional. A vertente de lucros cessantes ainda é muito presente nesse tema, sendo questionada rigorosamente pela vertente do dano emergente. (GONÇALVES, 2009)

Ainda, que já haja o reconhecimento da perspectiva de ressarcimento da chance perdida, contando que notável e concreta, o ordenamento nacional ainda se depara com certa dificuldade para conformizar os conceitos concretos da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance. (GONÇALVES, 2009)

Diante do explanado, conclui-se que a teoria da perda de uma chance passou a ser uma novidade incorporada no ordenamento jurídico brasileiro, apresentando a possibilidade de reparação à vítima pela perda da chance da conquista de um benefício ou de esquivar de um dano, por ato omissivo ou ilegal de outrem, estabelecendo assim um direito que até então estava no plano da discussão. Esse direito fundamenta-se no aumento das possibilidades de reconstituição no conceito de responsabilidade civil.

3.4 Indenização como forma de reparação integral dos danos

De acordo com Paulo Maximilian, a maior dificuldade da teoria da perda da chance para o julgador é solucionar o caso por meio de um dano presumido, pois a qualificação da indenização não é identificada facilmente na maioria das vezes. Apesar disso, o impedimento de determinar a extensão do dano em tempo algum poderá ser empregado como fundamento, para os que eventualmente sejam contra a indenização das chances perdidas em nosso ordenamento. (MAXIMILIAN,2009)

Sérgio Savi, com referência a doutrina italiana, entende que o dano autônomo susceptível de ser indenizado é exclusivamente aquele “cuja probabilidade que a vítima possuía de alcançar a vantagem esperada seja superior a 50%”. (SAVI, 2009, pag. 31)

Sendo assim, o valor da chance deve ser estabelecido tendo-se em consideração a probabilidade de que a chance tinha de produzir resultado favorável, sendo indenizado o percentual de que foi privada a vítima. Tal probabilidade compreende uma percentagem sobre o valor do dano total que o lesado perceberia se a vantagem tivesse se concretizado. (SEVERO, 1996)

O princípio da reparação integral dos danos se faz presente em nosso ordenamento jurídico, tanto no Código Civil, como na Constituição Federal.

O artigo 402 do Código Civil/2002, ao dispor que “salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”, determina que o dano gerado por um indivíduo terá que ser ressarcido em sua totalidade. Isto posto, o legislador positivou tal princípio.

De outro lado, a Constituição Federal, quando determina a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos básicos e, além disso, destaca como objetivos fundamentais a existência de uma sociedade livre, justa e solidária, acaba por objetivar o princípio da reparação integral dos danos.

A aplicabilidade da perda de uma chance ao profissional da advocacia está relacionada pela conduta culposa do advogado. Várias situações podem ser a provocadora do mencionado fato, tal como, perda de prazo, não promove a ação, celebra acordos pífios. Com isso o cliente perde a oportunidade de obter, através do judiciário, o acolhimento do seu pleito.

Nesse sentido, Ênio Santarelli argumenta que:

Na ação de responsabilidade ajuizada por esse prejuízo provocado pelo profissional do direito, o juiz deverá, em caso de reconhecer que realmente ocorreu a perda dessa chance, criar um segundo raciocínio dentro da sentença condenatória, ou seja, auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva favorável dessa chance. (ZULIANI 2002. p. 137)

Alguns autores compreendem que a desídia do profissional da advocacia ocasiona a obrigação de ressarcir o dano sofrido pelo seu cliente, ao defender que o valor da indenização deve corresponder ao valor dado à causa. Esta é a opinião argumentada pelo doutrinador Arnaldo Rizzardo ao afirmar que:

Se ficar evidente o desenlance desfavorável em razão da falta de diligência, da omissão de providências, cabe a indenização pelo dano que lhe adveio, como o pagamento do valor do objeto pretendido. Reconhecida a culpa, a grandeza reparatória tomará a dimensão do montante que razoavelmente se obteria na demanda, ou dos prejuízos que o perdedor vier a suportar pela má atuação do advogado. (RIZZARDO, 2006, p. 352)

É o que enfatiza Rafael Peteffi Silva: “O valor da indenização por perda de chance será sempre inferior ao da vantagem final definitivamente perdida.” (SILVA, 2007, p. 137)

A definição desse valor, porém, não pode ser arbitrária, continua Rafael Peteffi Silva:

Diz-se, comumente, que deve seguir determinados critérios preestabelecidos, na lei, na doutrina ou na própria jurisprudência, os quais deverão nortear a tarefa de quantificar, nos seus mais diversos aspectos, os danos à pessoa. Por outro lado, e mais relevante, os critérios de avaliação usualmente aceitos, embora não sejam critérios legais, apresentam-se como lógicos, devendo, porém, ser sempre explicitados, de modo a fundamentar adequadamente a decisão e, assim, garantir o controle de racionalidade da sentença. Esta é a linha que separa o arbitramento da arbitrariedade. SILVA, 2003, p. 270)

Importante salientar o posicionamento feito por Júlio César Rossi, em sua obra, no que diz respeito ao cuidado para reconhecer a teoria da perda de uma chance. Descreve o referido autor:

Enfim, constata-se que embora a possibilidade de indenização em razão da perda de uma chance, nos casos de responsabilidade civil do advogado, mostre-se possível em nosso sistema, cuidados para seu efetivo reconhecimento devem ser tomados por meio de um juízo objetivo de aferição, quer na demonstração da existência do nexo causal e do dano experimentado pela vítima, quer na necessária fixação do quantum indenizatório para que não se multipliquem pedidos insólitos a brindar o enriquecimento sem causa e a má-fé em lides temerárias.(ROSSI,2007, p. 125)

Na responsabilidade civil, segundo Sérgio Cavalieri, a indenização sem a existência do dano é caracterizada como enriquecimento sem causa, portanto, ilícita, pois é sabido que a indenização tem o intuito de reparar o prejuízo sofrido pela vítima, causado pela conduta culposa do agente que ocasionou o dano, ou seja, o fruto da conduta culposa.(CAVALIERI, 2012)

No mesmo sentido, o autor mencionado argumenta que sem dano não há responsabilidade civil, ainda que se tenha verificado um comportamento contrário ao direito. A indenização, se ausente um prejuízo, implicaria em locupletamento indevido àquele que a recebesse. (CAVALIERI, 2012)

Nesse sentido, Tepedino argumenta que dispensar a indenização pela chance perdida seria uma regressão ao progresso da responsabilidade civil, que hoje atua com arrimo nos princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da justiça distributiva, em consonância com a Constituição Federal de 1988, baseada em um paradigma solidarista (TEPEDINO, 2004).

Portanto, a indenização em caso de dano tem que ser aplicada, pois a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance tem como propósito a reparação dos danos que são, de fato e prováveis. Na ocorrência do fato, o julgador aplicará os princípios constitucionais implícitos da razoabilidade e da proporcionalidade, para que, com base ao ordenamento jurídico, o magistrado faça um juízo.

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