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Sobre a utilização de fetos humanos mortos em pesquisas científicas

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14/07/2004 às 00:00
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O texto aponta o princípio de dignidade da pessoa humana como o ponto de encontro do Direito com a Ética, sob a égide da solidariedade ontológica que une todos os seres humanos.

Resumo: O presente artigo visa analisar, sob a perspectiva da Bioética, a utilização de fetos humanos mortos em pesquisas científicas. Investiga a fundamentação filosófica laica dos Direitos de Personalidade, e reporta-se à legislação pátria e alienígena para apontar o princípio de dignidade da pessoa humana como o ponto de encontro do Direito com a Ética, sob a égide da solidariedade ontológica que une todos os seres humanos. Com base no conceito jurídico anglo-saxão de "to ascribe", procura aclarar a abrangência do conceito de pessoa humana. Por fim, aponta exigências éticas que devem ser adotadas no caso concreto.


Unitermos: Ética, Bioética, Biodireito, Direitos de Personalidade e Dignidade Humana.


"Los éticos, al igual que los científicos, no pueden arrogarse ninguna competencia particular – en relación con el resto de la gente – para determinar lo que está bien y lo que está mal, lo que debe prohibirse y lo que debe permitirse. Lo que ellos pueden hacer – en realidad lo que hacen – es elaborar instrumentos conceptuales y teóricos que quizás no sean nunca – o casi nunca – suficientes para alcanzar verdades, pero que al menos evitan incurrir en no pocos errores."

(ATIENZA, in Diez errores frecuentes sobre la Ética)


INTRODUÇÃO

Já é consenso que os problemas de que tratam a Bioética e o Biodireito são problemas novos, que surgem a todo instante nas nossas sociedades pós modernas onde as fronteiras da bio-tecnologia avançam a cada dia. A descoberta da estrutura do DNA, o mapeamento do genoma humano e sobretudo a associação da biologia molecular com a informática, vêm permitindo aos seres humanos uma crescente apropriação do cerne da matéria viva e do ser humano que aos nossos avós pareceria uma visionária ficção científica. O impalpável mistério da vida que provocou ao longo dos séculos o deslumbramento investigativo de tantos filósofos e cientistas, materializou-se nos tempos em que vivemos em minúsculos genes que podem ser isolados, alterados, manipulados enfim. Podemos criar a vida num tubo de ensaio, destruí-la, implantá-la num útero ou guardá-la numa geladeira. Podemos até replicá-la ao infinito.

Mas os problemas afetos a essas disciplinas não se restringem ao campo da genética, visto que dois dos seus princípios comuns – o princípio de autonomia e o princípio de dignidade humana – podem ser feridos de forma muito mais sutil. Por exemplo, já dispomos de conhecimentos suficientes – e até já os usamos - para modificar por meios químicos a personalidade alheia, e até para implantar no cérebro de qualquer ser humano nanoprocessadores quânticos (semicondutores) em contato direto com os neurônios.1

O fato é que no estado atual da tecno-ciência, a possibilidade de controle do comportamento e – por que não? - dos desejos alheios também não é mais uma ficção tão remota, e já extrapola o território da psicologia.2 Isto porque são os conhecimentos derivados das neuro-ciências que instrumentalizam certas transgressões da liberdade alheia. Por exemplo, aqui mesmo no Brasil uma emissora de TV foi recentemente condenada por veicular mensagens subliminares de conteúdo sado-masoquista embutidas numa inocente vinheta institucional. O público-alvo, evidentemente, sequer se deu conta.3 Por sua vez, a globalização da informação está impondo o pensamento único numa velocidade e numa abrangência tal que surpreenderia o próprio Dawkins.4 Desta forma, problemas que à primeira vista parecem pertencer unicamente ao território do Direito, por causa das suas implicações com as neurociências e as ciências comportamentais, situam-se nas regiões limítrofes do Direito com o Biodireito, caindo portanto no território inter, multi e transdisciplinar da Bioética.

A verdade é que os avanços das tecno-ciências têm influído de modo muito poderoso sobre a economia mundial, com inegáveis reflexos sobre as instituições políticas contemporâneas e sobre as relações sociais tanto interpessoais como internacionais, constituindo-se mesmo em um dos grandes motores das mudanças ocorridas nesses campos. É portanto natural que todos esses problemas e a abrangência desses poderes gerem perplexidade e preocupações, e forçem o questionamento sobre os riscos e os benefícios desses avanços face à liberdade e à dignidade humana. É também natural que este debate gere um outro, bem mais profundo e de caráter mais filosófico: "Até que ponto pode o homem "brincar de demiurgo"? Ou, dito de uma forma mais objetiva, "Até que ponto a ciência é livre?"


MORAL E PODER

"A vida não foi inventada pela moral", constatou Nietzsche ao mesmo tempo em que se perguntava se a moral foi inventada pelo Poder para controlar o rebanho, ou pelo rebanho para controlar o Poder. Mesmo que nunca saibamos a resposta e quer adotemos a primeira ou a segunda hipótese, a verdade é que desde a separação entre a ciência e a teologia as nossas sociedades ocidentais - hoje em sua grande maioria moralmente plurais - não mais consideram a vida nem o homem como sagrados em si mesmos apenas porque teriam sido criados à imagem e semelhança de Deus. Contudo, as pesquisas conduzidas na Alemanha sob o terceiro Reich reduzindo seres humanos à condição de meros objetos a serem manipulados livremente em nome dos "nobres fins" da ciência, serviram pelo menos para demonstrar o quanto esta pode ser cruel se deixada ao sabor de mentes insanas, obsessivas ou pervertidas.5

Surge daí a necessidade de "proteger o homem de sí mesmo".6 E se é certo que apesar de todos os males o poder do homem sobre o homem serviu como uma espécie de móbile pelo avesso para, estimulando as lutas libertárias, fazer nascer e tomar forma o ideal democrático, nunca, da forma como observamos neste início do século XXI, este poder atingiu níveis de sofisticação tão sutís. Surgem a todo instante e em todas as áreas novas ameaças à liberdade, à autonomia e à integridade dos indivíduos e das coletividades, e tais ameaças já põem em perigo a integridade da própria humanidade: as modificações genéticas, por exemplo, são irreversíveis, os danos mentais podem ser permanentes e a degradação ambiental só é reversível – quando ainda possível – a um custo muito alto e em um prazo muito longo. Assim, já é consenso que necessitamos com urgência de mecanismos de limitação e de proteção dos seres humanos e do seu meio ambiente face às diversas situações que ameaçam degradá-los.

Criar ou apontar tais mecanismos é tarefa da Bioética e também do Biodireito, para cuja reflexão convergem normas deontológicas, jurídicas e éticas que devem ser levadas em consideração na hora de abordar os problemas complexos que lhes compete apreciar com o fim de apontar soluções viáveis, mesmo que amiúde não sejam nem fechadas nem definitivas.7 Isto porque tais problemas são também problemas abertos, ou seja: estão sujeitos a modificações pela própria dinâmica do seu objeto de estudo.


CIÊNCIA , MORAL E DIREITO

O fato é que ao mesmo tempo em que as bio-neuro-tecno-ciências tornam tudo cada vez mais possível, cresce pari pasu a compreensão de que os limites do fazer científico devem ser amplamente discutidos pelo conjunto da sociedade com vistas ao seu futuro. Mas atenção: isto não significa dizer que a sociedade deva desempenhar um papel meramente instrumental, legitimando de modo aleatório posições que apenas interessem aos grupos no poder. Alguns parlamentos e até mesmo alguns Comitês de Ética fazem isto, mas é bom não esquecer que Hitler fez questão de não se afastar da legalidade, fazendo aprovar leis para respaldar todas suas insanidades. Do que estamos falando é da responsabilidade comum que cabe às nossas sociedades democráticas contemporâneas de criar discussões sobre o tipo de mundo na qual se quer viver e legar às gerações futuras.8

Este tipo de debate diz respeito à "Ética Cívica" de que fala a filósofa espanhola Adela Cortina,9 e a grande questão de fundo é: Como compatibilizar nas nossas sociedades plurais os avanços da tecno-ciência e os novos paradigmas científicos deles resultantes com uma reflexão ética que, sem ser dogmática, preserve o humano da humanidade? Dito de outro modo: em um mundo laico, como evitar a reificação do homem em meio aos avanços tecno-científicos?

Para tentar responder tais questionamentos e na esteira das recomendações do Relatório Belmont (USA-1979), 10 foram criados primeiro nos Estados Unidos e logo na Europa e na América Latina (espalhando-se depois para a maior parte dos países ocidentais) os Comitês de Ética Assistencial e os Comitês de Ética em Pesquisa. A função desses comitês é a de discutir os problemas novos postos pelos avanços das tecno-ciências, compatibilizando-os com os princípios éticos de proteção aos sujeitos humanos de pesquisa.

O ideal é que os resultados dessas discussões no âmbito da sociedade possam ser posteriormente normatizados pelo Direito, menos por uma questão legalista e mais porque a Ética por si só não dita normas nem tem força de lei.11 A positivação jurídica das exigências axiológicas fundamentais que surjam dessas discussões torna-se indispensável não apenas para dar amparo efetivo a tais exigências, mas sobretudo para legitimá-las ante o todo social. Sinais desta crescente compreensão são a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Gerações Futuras (1994), o Convênio para a proteção dos Direitos Humanos e a dignidade do ser humano com respeito às aplicações da Biologia e da Medicina (1996), e a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos da Pessoa (1997), instrumentos estes todos cosmopolitas. O fato é que eles já servem de base para uma incipiente ética mínima transnacional que orienta decisões no campo da Bioética e subsidiam inclusive o nascente Biodireito.

No Brasil ainda nos ressentimos da criação de uma Comissão Nacional de Bioética, já em funcionamento na maior parte dos países europeus e nos Estados Unidos, e que têm a função de auxiliar o legislativo e o executivo nas suas decisões. Tais comissões costumam também emitir pareceres sobre temas polêmicos da área, com a finalidade de prestar uma orientação ética não dogmática ao conjunto da sociedade. Podemos citar como exemplo dessa atuação o polêmico parecer do Observatório de Bioética e Direito da Universidade de Barcelona sobre a escolha do sexo do embrião em casos de reprodução assistida (2003).


PROBLEMA ABERTO

O problema ora em análise – a utilização de fetos humanos mortos em pesquisa científica - é um desses problemas abertos que costumam ser submetidos ao crivo da Bioética e do Biodireito (como o aborto, a eutanásia, a clonagem, etc.). Já vimos que é legítimo, imperativo e inclusive uma questão de responsabilidade ética cívica, que nossas sociedades contemporâneas se preocupem em definir os marcos que devem ser respeitados pelas atuações invasivas das novas técnicas biológicas, medicas, investigativas, etc. E uma vez que esses avanços são constantes - e, como vimos, freqüentemente irreversíveis, - é natural que tais temas sejam recorrentes. Além do mais, tais problemas estarão sempre a reclamar um exame caso a caso, porque dado às circunstâncias peculiares de cada um, é aconselhável que a questão da proteção da pessoa seja examinada per se em cada diferente contexto. Isto não impede que os princípios gerais da bioética sejam observados, nem que certos procedimentos possam ser adotados como norma em casos semelhantes. Pelo contrário, isto é até desejável porque, como ensina Atienza, elas nos permitirão errar menos.

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AS REGRAS

Do ponto de vista dos princípios bioéticos, analisaremos o problema aqui posto sob a ótica do resguardo da autonomia e da dignidade do ser humano, princípios comuns à bioética e ao biodireito com aceitação já cosmopolita, e que reclamam igualmente proteção.

Do ponto de vista jurídico, a ótica é a dos direitos da pessoa (ou direitos de personalidade), que são geralmente protegidos como direitos fundamentais, devendo ser garantidos em condições de igualdade pelas constituições dos estados democráticos de direito.

É ponto pacífico cosmopolita que a dignidade humana é o valor básico fundamentador dos direitos de personalidade, posto que tutela não apenas a integridade moral (direito à honra, à intimidade, a não sofrer tratamento degradante, etc.), mas também a integridade física dos indivíduos (direito à vida, a não sofrer maus tratos que prejudiquem sua integridade física, etc.). Assim, nos estados democráticos de direito – e o Brasil neles se inclui, pelo menos formalmente - todo indivíduo humano deve ser tratado como pessoa e "ningún avance tecnológico que provoque una invasión lesiva de algún derecho fundamental (...) puede ser amparado por un sistema basado en esta dignidad de la persona y el reconocimiento de los derechos que le son inherentes." 12

Por uma necessidade de abertura face à pluralidade ético-religiosa da sociedade brasileira, informamos que a perspectiva ética aqui escolhida e o procedimento normativo aqui aconselhado não são fechados, ou seja: trata-se de uma abordagem possível numa sociedade não confessional e moralmente plural como a nossa.13 Isto quer dizer que este mesmo problema pode ser abordado de modo diferente, (com um enfoque utilitarista, por exemplo) e a publicação deste artigo pretende apenas fomentar essa discussão.

Esclarecemos por fim que o enfoque kantiano que elegemos nos pareceu o mais correto e também o mais abrangente pelo fato de assinalar, a nosso ver, o ponto de encontro do Direito com a Moral, ser coerente com o nosso ordenamento jurídico e não colidir com a proteção dos Direitos Fundamentais abrigados na Constituição Brasileira de 1988. Nem por isso, contudo, estará livre de objeções. Queremos contestar de antemão as mais previsíveis.


PRIMEIRA OBJEÇÃO

A primeira objeção à nossa abordagem deriva do fato dos fetos em questão estarem mortos, o que os tiraria de imediato da esfera da proteção legal dos direitos da pessoa elencados na Constituição brasileira.14 É uma objeção sem dúvida procedente, já que os direitos de personalidade são identificados como a titularidade de direitos fundamentais, e o nosso Código Civil define o nascimento com vida como o início da personalidade civil.15 É óbvio que os fetos mortos não preenchem tal requisito, mas por outro lado não podemos esquecer que dentre os fundamentos sobre os quais ergue-se a nossa Constituição figura o princípio de dignidade da pessoa humana.16 Isto significa dizer que o nosso ordenamento jurídico remete a persona ao ser, valorando-a na sua irredutível subjetividade e dignidade, ou seja: na sua qualidade essencial de ser humano. Significa também que essa pessoa humana está juridicamente resguardada dos atentados que a sua dignidade possa vir a sofrer por parte de outros indivíduos.

Desta forma, o que merece ser tutelado em primeiro lugar é este atributo específico e ímpar, esta qualidade de ser humano que não pode ser aviltada. O nosso problema desloca-se portanto da situação de vida ou de morte dos fetos, para concentrar-se na possibilidade da concreção (ou não) deste princípio de dignidade humana no tocante a eles. Necessitaremos portanto investigar em primeiro lugar se este princípio os alcançaria ou não.


CONTRA-OBJEÇÃO

Junges defende que o embrião humano possui desde o primeiro momento uma personeidade, ou seja: possui as estruturas antropológicas para tornar-se pessoa, embora ainda não possua a sua pessoalidade, ou seja: as estruturas ainda não foram levadas à expressão, enquanto sujeito.17 Dito de outro modo: desde o início o embrião humano é já uma persona humana, embora a sua subjetividade ainda não tenha condições de manifestar-se pois será desenvolvida posteriormente.

A neurobiologia parece confirmar isto, na medida em que as pesquisas de Damásio o levam a afirmar que a consciência central, ou seja: os aspectos mais iniciais da consciência que constituem o self central (ou proto-self) ocorrem desde muito cedo, e precedem as inferências e as interpretações que surgem mais tardiamente na história de vida de cada sujeito humano e que resultarão no sempre dinâmico self autobiográfico. Este último, – informa o neurocientista - constrói-se sobre o self central, e dele não pode prescindir para formar-se. 18

Por sua vez, na discussão sobre o determinismo e a liberdade humana que contrapõe os filósofos idealistas aos materialistas, o idealista francês Luc Ferry recomenda que se faça uma clara distinção entre situação e determinação.19 E nesse contexto afirma que "a dignidade do ser humano é um dado moral, e não material". 20 Isto significa dizer que não podemos reduzir a determinação da dignidade humana ao fator biológico, não apenas pelo fato de que o ser humano é muito mais que um conjunto de células, mas sobretudo porque a sua dignidade é um dado de uma outra natureza.

Este parece ser também o entendimento do seu colega materialista André Comte-Sponville, que apesar de defender o determinismo vai igualmente além da biologia para afirmar que "nem as funções nem as normas podem valer como categorias de definição do homem", porque "um homem continua sendo homem mesmo quando cessa de funcionar normalmente".21

Efetivamente, mesmo um débil mental ou um comatoso profundo não podem, de direito, serem excluídos da humanidade. Ninguém com um mínimo de sentimento humanitário de justiça recusaria a um comatoso profundo o direito de morrer com dignidade, ou ao débil mental um tratamento humanitário. É esse sentimento que pesa, e a experiência demonstra que onde ele não existe, impera a des-humanidade. Sádaba chama a atenção para este componente emocional da moralidade de uma forma bastante objetiva:

"Para estar a la altura de todos los problemas morales se necesita, además del intercambio racional, conciencia realmente moral y sentimientos también morales. Se necesita, dicho de otra forma, que sea el ser humano entero, en sus relaciones externas y internas, el que se ponga en movimiento. Y, por otro lado, que la noción de ser humano se extienda a todos, y no únicamente a algunos que porque son capaces de mantener relaciones con los demás, se reparten el campo de la moral." 22

Assim é que mesmo assumindo nossa condição biológica, temos de concordar com a evidência de que a humanidade (quer como valor, quer como sentimento) é um dado de natureza imaterial. Isto significa dizer que embora o ser humano, enquanto espécie, pertença ao território da biologia e sob este aspecto esteja sujeito às imposições e limitações próprias deste domínio, ele é também um ser que possui ainda vários outros aspectos que escapam àquele território e onde aquelas limitações e imposições não se aplicam.23

Quando se trata pois dos dados morais da humanidade e da dignidade humana que lhe é inerente, surge a necessidade de se buscar parâmetros próprios para a sua apreciação fora do território da biologia. E uma vez que essas questões se situam no campo dos valores que os seres humanos elegem para dar sentido às suas vidas, tais parâmetros devem ser buscados na ordem ética-jurídica. Nesta moldura, podemos afirmar com Kant que a dignidade humana é a dimensão moral da personalidade, que ela se situa nos domínios da liberdade e que a sua natureza é a de um conceito moral que tem sua origem na razão pura humana.24 Mas ela é também uma afecção, um sentimento, uma emoção que nos põe em relação com o outro e que une num todo psico-físico cada indivíduo humano que assim se reconhece como um ser biológico e como um ser de liberdade, reconhecendo-se também ao mesmo tempo como um ser relacional, portador desse sentimento e dessa dignidade que também é reconhecível no outro.

É pois este sentimento de dignidade humana que permite que nos identifiquemos com os nossos semelhantes, e que neles reconheçamos outros tantos sujeitos portadores dessa mesma dignidade. É isto que desperta em nós uma solidariedade que não só nos irmana, mas também nos permite ser altruístas, fazendo com que em determinadas circunstâncias possamos nos arrancar dos domínios da biologia para os domínios da moral, naqueles rasgos de heroísmo de que só os seres humanos são capazes. É porisso também que a dignidade humana é um valor intangível, absoluto, inato, intransferível, irrenunciável, imprescritível e impenhorável.

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Sobre a autora
Maria Marta Guerra Husseini

jornalista, professora aposentada do Departamento de Filosofia da UFRN, membro da Sociedade Brasileira de Bioética, aluna do Mestrado em Bioética e Direito da Universidade de Barcelona (Espanha)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HUSSEINI, Maria Marta Guerra. Sobre a utilização de fetos humanos mortos em pesquisas científicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 372, 14 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5451. Acesso em: 27 abr. 2024.

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