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Sucessão trabalhista: a necessidade de uma nova percepção

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23/03/2017 às 15:15
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3 A APLICAÇÃO DA SUCESSÃO TRABALHISTA

Notadamente, conseguimos observar com facilidade a sucessão trabalhista quando lidamos com grandes empresas, com grandes conglomerados econômicos. Diante da continuidade desses ramos empresariais, fica mais evidente a aplicação do instituto.

O grande problema que enfrentamos é quanto aos pequenos empreendedores, aqueles cujo ramo empresarial é de pequeno porte, envolvendo baixa movimentação financeira e uma mínima contratação de mão de obra.

Estes pequenos empreendedores também se inserem nos contratos de arrendamento, atividades cuja dificuldade de se observar a sucessão trabalhista também é enorme em alguns casos, justamente pela rotatividade da titularidade que pode ocorrer nesses tipos de contrato.

Na prática judiciária, junto a Oficiais de Justiça Avaliadores Federais, que atuam na esfera trabalhista, diretamente na análise fática da possibilidade de existir ou não a sucessão trabalhista em cada caso concreto, percebemos que tal instituto tem sido aplicado em toda e qualquer situação em que haja continuidade de determinada atividade em certo imóvel, mesmo que haja lapso temporal entre o fim de uma empresa e a instalação de outra.

Ocorre que muitos imóveis, ao serem alugados, são adaptados para abrigar determinado ramo comercial. Adaptando as instalações do lugar, pretende o pequeno empresário dar viabilidade ao seu ramo de atividade, fazendo as obras necessárias naquele lugar, deixando com todas as características que tornam praticáveis o seu labor.

Exemplificando-se, quando um pequeno empresário do ramo alimentício constrói fornalhas destinadas a assar pizzas em determinado imóvel, e estas passam a figurar como benfeitorias do mesmo, tais características invariavelmente passam a pertencer a tal imóvel e não somente ao ramo de atividade. Pois bem, se, por algum motivo, esse empresário se mudar do local, da estrutura física, para outro ponto comercial, ou resolve cessar suas atividades para exercer, ou não, outra atividade, em outro imóvel, aquela estrutura ainda estará ali, e caso não seja revertida ao estado anterior, o imóvel agora constará com tais características. Diante deste fato, o imóvel, ainda livre para futuras locações, passará a atrair empresários do mesmo ramo, justamente pela estrutura que aquele oferece.

Isso não implica dizer necessariamente que se tratará de uma sucessão trabalhista, pois, se o imóvel ficar fechado por meses, ou por anos, e um novo empresário ali se instalar, com novos empregados, nova dinâmica de trabalho, entendemos não haver sucessão.

Caso assim fosse, todo imóvel que quando alugado abrigara determinado ramo econômico estaria fadado a não poder mais ter aquele tipo de atividade no local, a não ser que arcasse com as responsabilidades trazidas pela sucessão trabalhista.

Enfatizamos a figura do pequeno empresário, num imóvel locado, com espaço mínimo, suficiente para o trabalho, com número reduzido de empregados.

Diversas situações idênticas ao exemplo mencionado foram consideradas sucessões trabalhistas, conforme relato de Oficiais de Justiça Avaliadores Federais da Justiça do Trabalho. Embora estes profissionais certificassem que o imóvel havia sido fechado por meses, que os contratos haviam se encerrado, que não havia mais funcionários do antigo empregador, que não aparentava haver fraude, mesmo diante de todas estas evidências, os juízes de piso tem aplicado a sucessão, do que, Data Máxima Vênia, discordamos.

Nos casos em tela, não há a continuidade do trabalho, há apenas o aproveitamento de uma ou outra característica do imóvel. Não há transferência de clientela, pois aquele ramo ficou sem atuar no local por meses ou anos, em muitos casos, inclusive, neste interregno, existem outros locatários que exercem outros ramos de atividade.

Há casos em que o pequeno empresário, da empresa sucedida em potencial, abandona determinado ramo de atividade e passa a exercer outro, embora sendo dotado de perfeita saúde financeira, apenas resolve mudar de ramo.

Seguindo o mesmo exemplo anterior, suponhamos que o mesmo pequeno empresário, do ramo alimentício, resolve encerrar suas atividades para investir em outra área, resolve adquirir um posto de combustíveis, demandando outro tipo de mão de obra. Pois bem, tal titular empreendedor irá mudar de imóvel, trocar sua mão de obra, atingir outra clientela e até então não se sabe como ficariam os direitos adquiridos dos trabalhadores do antigo negócio, que, caso tenham alguma demanda judicial poderão ajuizar a ação contra um futuro locatário do imóvel onde trabalhavam com o ramo alimentício.

Caso um novo locatário assuma o ramo de pizzas, meses depois, naquele mesmo lugar onde o hoje administrador de um posto de combustíveis trabalhava, aquele irá correr o risco de ter que arcar com dívidas do antigo locatário, mesmo que tal responsabilidade ponha em risco a continuidade de sua atividade, que está apenas começando e não dota de estabilidade econômica.

Embora, em casos reais, tais exemplos já tenham ocorrido, diante desse mesmo contexto, a maioria dos juízes tem considerado a sucessão empresarial, o que, ao nosso entender desvirtua a intenção legislativa.

O Direito do Trabalho procura resguardar os direitos do trabalhador, parte hipossuficiente da relação empregatícia, havendo uma gama de leis, doutrinas, julgados, em prol da classe trabalhadora. O que não devemos deixar ocorrer, por outro lado, é a punição sem motivo dos novos empresários, desestimulando o surgimento de novos empreendedores.

Muitos desses empreendedores, inclusive, diferenciam-se de seus empregados, não pelo poder aquisitivo, pois, em muitos casos, possuem o mesmo nivelamento econômico, diferenciam-se apenas pela iniciativa empreendedora. Diante da necessidade de subsistência, muitos trabalhadores, optam, por empréstimos, para abrirem o próprio negócio, demandando, consequentemente, mão de obra.

O retorno financeiro de eventual atividade nem sempre se dá de forma satisfatória, e nem sempre os investidores auferem ganhos superiores aos de seus empregados. A legislação trabalhista, que protege o trabalhador, em seu espírito, não pode fechar os olhos para este trabalhador que resolve dar um passo solitário no ramo do empreendedorismo. Há que haver cautela e razoabilidade ao aplicar a sucessão trabalhista de empresa que se instalara, em momento pretérito, no local escolhido por este novo pequeno comerciante.

A sucessão trabalhista não pode ser aplicada de maneira indiscriminada, pois, se dessa forma acontecer, os empregados da empresa que cessou suas atividades terão seus direitos resguardados em detrimento de uma injusta ação onde figura no polo passivo um pequeno empresário que de nada seria responsável, refletindo, inclusive, nos contratos vigentes dos empregados deste último, que, caso haja falência em virtude de dívidas trabalhistas, terão seus contratos rescindidos, resolvendo, assim, o problema de um lado, e criando diversos do outro.

Obviamente este não é o espírito da legislação em vigor, nosso ordenamento jurídico resguarda o direito de todos os trabalhadores, tanto com contratos rescindidos quanto com contratos vigentes. E não há porque se prejudicar o pequeno e novo empreendedor. Este gera empregos, movimenta a economia e precisa de incentivos e não  da aplicação indiscriminada da lei cega e seca.

Não se pode presumir, de maneira fria, ao arrepio da lei, que determinado direito pertence a um trabalhador sem nenhum critério. Como fora afirmado, o sistema normativo trabalhista criou regras que cercam o empregador de todos os lados, a fim de proteger o empregado, e estas regras devem ser aplicadas em sua concretude, não apenas, com a presunção de sua incidência, aplicar-lhe sem ligar a tipificação ao fato que lhe atrai.

Outra figura peculiar é a do arrendamento, que se analisada grosso modo permite a sucessão eterna de diversas empresas, pois geralmente se arrenda uma estrutura física que suporta apenas um tipo de atividade.

O que temos que observar é se essa estrutura sempre esteve ativa, quem se beneficiou da extração daquela atividade.

Um típico exemplo extraído do Judiciário Trabalhista se dá na instalação de Cerâmicas, geralmente localizadas no interior dos estados, onde existe toda uma estrutura que suporta somente aquele tipo de atividade, sendo fornalhas, esteiras para transporte de tijolos e telhas, estantes para secar os produtos, e uma fonte natural de matéria prima, nesse caso o barro.

Obrigatoriamente, tal ramo de atividade, necessita de matéria-prima, e muitos proprietários de terra, que não exploram este tipo de trabalho, preferem manter toda uma estrutura para que se viabilize a realização deste e arrendar para os interessados. Em muitos casos, esses interessados exploram a atividade por alguns meses apenas, permanecem no imóvel por seis meses, por exemplo, produzem o produto e o vendem por determinado tempo, e depois encerram suas atividades, abandonando o imóvel, deixando, por diversas vezes, dívidas trabalhistas. Nem sempre há continuidade na prestação de serviços naquele local, em muitas ocasiões o imóvel fica fechado e a produção parada por meses. Em momento futuro pode aparecer outro arrendatário querendo explorar aquele ramo de atividade, contando com mão de obra própria, diversa da anterior, com clientela diversa também, utilizando apenas aquele espaço.

Este mesmo exemplo já ocorrera por diversas vezes no Judiciário Trabalhista e existiram diversas decisões divergentes. Ora se considerava sucessão trabalhista, ora não se enxergava tal instituto.


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos observar que a sucessão trabalhista se trata de um mecanismo, entre vários, que tem por objetivo proteger a parte hipossuficiente da relação de trabalho, ou seja, o empregado.

Diante da despersonalização da figura do empregador, o obreiro não pode sofrer com a troca de titularidade da administração, ou da propriedade, de determinado ramo de atividade.  O instituto em análise prega a continuidade da prestação de serviço, princípio basilar que o orienta, para que a instabilidade e insegurança no emprego não sejam propagados diante de eventuais mudanças estruturais no ambiente de trabalho.

Embora a sucessão trabalhista seja de fácil visualização em empresas de grande porte, dada sua inserção estável no mercado consumidor de seus serviços, dado seu nome, sua força e dimensão estruturais, nem sempre se torna tarefa fácil essa percepção quando tratamos de pequenos empreendedores, que estão começando em determinado nicho econômico.

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Diante desses pequenos empreendedores é que devemos ter cautela ao analisarmos os requisitos da sucessão de empresas. Há de ser analisado cada caso concreto ao espírito do legislador, não em uma aplicação fria e cega da lei que ali está tipificada, esperando fatos da vida real para que a mesma incida.

Comum que o empregado seja a parte mais frágil da relação que aqui se aborda, e por isso cabe ao legislativo, o judiciário e executivo, criarem meios de proteção à classe operária. Porém, dada a grandiosidade de possibilidades de relações de emprego, há de serem observadas as peculiaridades de cada contratação, de cada ramo de atividade e, ainda, de suma importância, o histórico daquela pequena empresa que contrata.

Com análise desse histórico é que poderemos observar qual a força que tal empreendedor tem no mercado local, qual público atinge e se haverá hipóteses de sucessão caso este cesse sua atividade.

O que se pretendeu demonstrar com o presente trabalho monográfico, além de conceituar e explicar como se dá a sucessão trabalhista, é demonstrar a necessidade de não se olhar tal instituto sob uma perspectiva genérica e abrangente. O que se procurou foi alertar aos aplicadores e aos estudiosos do direito que a Sucessão Trabalhista tem que ser analisada minuciosamente ao ser aplicada.

A peculiaridade de cada caso demanda determinada visão a respeito do tema. Obviamente uma grande empresa não pode ser tratada como deveria ser tratada uma empresa de pequeno porte. Muitas vezes o pequeno empreendedor não conta com poder econômico que ultrapasse a possibilidade de manter apenas aquela atividade, aventurando-se num ramo para sua subsistência, cujo lucro pode se aproximar, por diversas vezes, à própria remuneração de seus poucos empregados. O que diferencia um do outro, empregado e empregador, nesses casos, é apenas o risco, a administração do negócio e a iniciativa em exercê-lo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. Editora Saraiva. São Paulo, 2014. 29ª Edição.

SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho para Concursos Públicos. Editora Método. São Paulo, 2007. 6ª Edição.

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<http://expresso-noticia.jusbrasil.com.br/noticias/554428/cisao-parcial-de-empresa-nao-elimina-responsabilidade-de-adquirente>. Acesso em 18 de março de 2016.

<http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_59/Mauricio_Delgado.pdf>. Acesso em 25 de fevereiro de 2016.

<http://www.tst.sumulas.jus.br/sumulas>. Acesso em 01 de março de 2016.

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Sobre o autor
Leonardo Goldner Dellaqua

Oficial de Justiça Avaliador Federal lotado no Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região. Formado em Direito nas Faculdades Integradas de Vitória (FDV) no ano de 2006. Advogou de 2006 a 2010, nas áreas Trabalhista, Cível e Penal. Pós Graduado em Direito Público em 2009 pela Faculdade Multivix. Pós Graduado em Direito do Trabalho em 2016 pela Faculdade Multivix. Mestrando na Universidade Federal do Estado do Espírito Santo (UFES).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELLAQUA, Leonardo Goldner. Sucessão trabalhista: a necessidade de uma nova percepção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5013, 23 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56214. Acesso em: 3 mai. 2024.

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