Ocorrência impeditiva indireta

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Uma análise acerca da aplicabilidade da indicação do SICAF de ocorrência impeditiva indireta na consulta à situação dos licitantes

Acerca do assunto em questão, destaca-se que é constante a ocorrência de dúvidas, por parte dos pregoeiros, nos procedimentos que deverão ser seguidos nas ocasiões em que, na fase de habilitação, no momento da análise da documentação registrada através de consulta ao SICAF, é encontrada uma indicação de Ocorrência de Impedimento Indireto. Este artigo visa esclarecer, com base na legislação e na jurisprudência atual, qual o caminho pode ser seguido para elucidar a questão.

Ocorrido o alerta, o pregoeiro na análise da documentação de habilitação, se depara com a seguinte questão: Posso habilitar a empresa com “ Ocorrência de impedimento indireto”ou devo inabilitá-la?

Inicialmente, ressalta-se que a funcionalidade implantada no SICAF denominada como “ocorrência de impedimento indireto” têm por objetivo emitir um alerta na hora em que o gestor público for consultar a situação do fornecedor no Sicaf. O aviso diz se os sócios do CNPJ consultado correspondem a um CPF cadastrado como dirigente ou cônjuge de um outro cadastro que esteja com Declaração de Inidoneidade vigente no sistema, conforme notícia publicada no sitio do comprasnet em 08 de junho de 2015.

Partindo da premissa de que o objetivo desta ferramenta do sistema é alertar para a ocorrência de intuito de burlar a lei de licitações e fraudá-la, no sentido de fuga à eventual sancão vigente por empresa licitante, através da utilização de uma outra pessoa jurídica.

A pessoa jurídica pode ser definida como o conjunto de pessoas ou de bens que têm por objetivo a consecução de determinados fins, dotado de existência, patrimônio e personalidade jurídica próprios (POPP, 2008, p. 307-308; BITTAR, 2007, p. 131).

Destaca-se ainda O Código Civil de 1916, aponta em seu artigo 20: “as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”.

Segundo Mariani, 

A personalidade jurídica é prerrogativa conferida pelo Estado a certos entes morais, para que estes atinjam determinados fins, como o desenvolvimento econômico e social. Ao conceder à pessoa jurídica personalidade distinta de seus membros, o Estado permanece com o direito de verificar se a prerrogativa conferida está sendo utilizada devidamente. De modo que a personalidade jurídica pode ser considerada um direito relativo, vez que o juiz pode desconsiderá-la em casos de abuso e fraude, como veremos a seguir (MARIANI, 1987, p. 153).

Temos posicionamento límpido do Tribunal de Contas da União no Acórdão nº 928/2008-TCU-Plenário, cujo Relator foi o Ministro Benjamin Zymler:

 1. Confirmado que a empresa licitante foi constituída com o nítido intuito de fraudar a lei, cabe desconsiderar a sua personalidade jurídica de forma a preservar os interesses tutelados pelo ordenamento jurídico.

 2. Deve ser declarada a nulidade de licitação cujo vencedor utilizou‑se de meios fraudulentos.

Cabe apontarmos ainda, as palavras contidas no voto do Ministro Castro Meira, do STJ-BA, em resposta ao recurso ordinário acerca do acórdão supracitado:

Adotar-se posicionamento contrário àquele veiculado no Acórdão recorrido, traria o risco de tornar ineficaz toda e qualquer sanção administrativa imposta às pessoas jurídicas. Como não são exigidas maiores formalidades na constituição de uma pessoa jurídica, uma sociedade punida com uma sanção administrativa facilmente se furtaria da incidência de seus efeitos com a simples constituição de uma nova sociedade, sem que a Administração nada pudesse fazer no combate desde procedimento fraudatório." (fls. 160/161).

7.6 Dessa forma, a Administração Pública, em determinados casos, poderia desconsiderar a personalidade jurídica de uma sociedade, mesmo sem haver previsão legal específica e sem pronunciamento judicial neste sentido.

Ainda sobre a posição em pauta, a opinião do Ilustre Professor Doutor Marçal Justen Filho (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Ed. Dialética, 13ª ed., 2009, pág. 799):

Não se trata de ignorar a distinção ente a pessoa da sociedade e a de seus sócios, que era formalmente consagrada pelo art. 20 do Código Civil/1916. Quando a pessoa jurídica for a via para realização da fraude, admite-se a possibilidade de superar-se sua existência. Essa questão é delicada mas está sendo enfrentada em todos os ramos do Direito. Nada impede sua aplicação no âmbito do Direito Administrativo, desde que adotadas as cautelas cabíveis e adequadas.

Diante do exposto, podemos conduzir as ações na referida questão realizando uma análise caso a caso, conforme explicitamente apontado no Acórdão 1831/2014 – TCU Plenário:

três características fundamentais permitem configurar a ocorrência de abuso da personalidade jurídica neste caso:

a) a completa identidade dos sócios-proprietários;

b) a atuação no mesmo ramo de atividades;

c) a transferência integral do acervo técnico e humano.

Desta forma, pode-se concluir que, antes de se decidir sobre a habilitação ou não de empresa apontada com ocorrência de impedimento indireto no SICAF, caberá ao pregoeiro uma análise complexa da composição societária das empresas envolvidas, do objeto social constante dos contratos sociais e, demais informações (data de criação e local de domicílio, por exemplo) que possibilitarão uma conclusão sobre uma eventual tentativa de fraude à lei de licitações. Sugere-se ainda conceder a oportunidade ao licitante, através do chat do pregão, de se posicionar sobre o assunto de forma a possiblilitar uma elucidação dos fatos devidamente comprovados.

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Sobre o autor
Antonio João de Oliveira Vianna Junior

Especialista em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Mestrando em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração - PPGA da Universidade Federal Fluminense Capitão do Exército Brasileiro, possui diversos cursos na área de licitações e contratos e expressiva experiência no desempenho da função de pregoeiro, Presidente de CPL e gestor financeiro.Idealizador e Membro colaborador permanente do portal PregoeiroDigitial.com

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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A elaboração do artigo visa esclarecer sobre a utilização da indicação apontada no SICAF, em alinhamento com a legislação atual e a jurisprudência.

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