Recentíssima alteração constitucional foi levada a efeito com a manifestação do Poder Constituinte Derivado Reformador que elevou a moradia ao status de direito constitucional. A chamada competência reformadora exercida pelo Congresso Nacional ampliou o rol dos conhecidos direitos sociais, com a Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, que alterou a redação do art. 6º da Constituição Federal.
Referida Emenda entrou em vigor na data de sua publicação (1). Resta-nos saber se a partir de tal data já está assegurada a moradia a todos, uma vez que há previsão expressa desse direito na Lei Maior. Evitando maiores decepções, antecipamos que, infelizmente, a resposta é negativa. Não está garantida a moradia de maneira efetiva a todos.
Isso se dá por razões que já se fazem conhecidas no que tange aos direitos sociais, não sendo novidade no tocante ao novo direito.
Jorge Miranda(2) se refere aos direitos sociais quando leciona sobre a aplicabilidade das normas constitucionais, salientando que certas normas "não consentem que os cidadãos ou quaisquer cidadãos as invoquem já (ou imediatamente após a entrada em vigor da Constituição), pedindo aos tribunais o seu cumprimento só por si, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que delas constam, máxime os direitos sociais, têm mais natureza de expectativas que de verdadeiros direitos subjectivos".
Sem adentrarmos na questão levantada por Jorge Miranda, nos parece irretorqüível a impossibilidade de se impor ao Estado, imediatamente, a efetividade desta inovação constitucional.
Em tese apresentada no 1º Encontro Brasileiro de Direitos Humanos, sobre o Direito à Moradia, Fernando Abujamra Aith demonstra o problema enfrentado para assegurar a efetividade dos direitos sociais:
"Os Direitos individuais possuem muito mais respaldo jurídico e garantias judiciais efetivas do que os direitos sociais. Enquanto existem instrumentos como o Habeas Corpus, Mandado de Segurança, o princípio da legalidade, entre outros, destinados à garantia do cidadão contra arbitrariedades estatais, verificamos a absoluta falta de instrumentos e garantias jurídicas que protejam, com a mesma eficácia, os direitos sociais, culturais e econômicos. Enquanto os direitos civis e políticos exigem, basicamente, uma abstenção por parte do Estado, os direitos sociais exigem uma ação efetiva do Estado" (3).
Embora sejam verdadeiros deveres do Estado, a previsão dos direitos sociais, que no dizer de José Afonso da Silva(4) "são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente", tem limitada eficácia técnica.
Como cediço, todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia jurídica, no sentido de que seu efeito principal é revogar a ordem jurídica naquilo que com ela for incompatível. Ocorre que poderá a norma não ter eficácia social, que verifica-se no caso de não ser efetivamente aplicada aos casos concretos.
Isto ocorrerá, infelizmente, com a moradia, uma vez que sua principal função será a de representar importante diretriz a orientar o Poder Público para implementação de políticas aptas a assegurarem esse novo direito.
Veja-se, inclusive, que o direito à moradia já encontrava previsão constitucional no artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal, como direito do trabalhador urbano e rural a um "salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim".
Constitui, ainda, competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e melhorias das condições habitacionais, nos termos do artigo 23, inciso IX, da Constituição Federal.
Portanto, percebe-se que o direito à moradia é um direto essencial, já há muito tempo fazendo parte do texto constitucional, agora robustecido com sua expressa menção no elenco do artigo 6º; proporcionando, no mínimo, a facilitação da exigência de sua concretização.
Leciona Flávia Piovesan que "a violação aos direitos sociais, econômicos e culturais é resultado tanto da ausência de forte suporte e intervenção governamental, como da ausência de pressão internacional em favor dessa intervenção"5(5).
Por derradeiro, insta consignar que a partir da inclusão do direito social à moradia no artigo 6º da Constituição Federal; ao nosso ver, tal dispositivo não poderá ser alterado por Emenda Constitucional, sob pena de violação a cláusula pétrea, ante a proibição prevista no artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, da Lei Fundamental.
Os direitos e garantias individuais não são apenas aqueles previstos no artigo 5º da Constituição Federal, cujo rol é meramente exemplificativo (6). O Supremo Tribunal Federal já considerou o princípio da anterioridade tributária como garantia constitucional assegurada aos contribuintes(7) e, por via de conseqüência, cláusula pétrea. Na mesma oportunidade o Ministro Carlos Velloso referiu-se aos direitos e garantias sociais, direitos atinentes à nacionalidade e direitos políticos como pertencentes à categoria de direitos e garantias individuais, logo, imodificáveis, enquanto o Ministro Marco Aurélio afirmou a relação de continência dos direitos sociais dentre os direitos individuais previstos no art. 60, parágrafo 4º, da Constituição Federal(8).
Em que pese a ausência de eficácia social, não devemos esmorecer. Trata-se de inovação que merece aplausos, já que consagra expressamente mais um dos direitos sociais, vinculando o legislador, o administrador e o julgador.
NOTAS
- . Conforme art. 2º, da EC nº 26, que ocorreu em 15 de fevereiro de 2000.
- . Manual de direito constitucional. 4ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1990, t. 1,p. 218.
- . O Direito à Moradia nos Sistemas Nacional e Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, tese apresentada no 1º Encontro Brasileiro de Direitos Humanos, no Grupo de Trabalho: "Moradia, Educação e Saúde: Papel do Estado (essencial ou residual)? ", realizado na Pontifícia Universidade Católica-SP, em dezembro de 1999.
- . Curso de Direito Constitucional Positivo, 11ª edição, 1996, Malheiros Editores: São Paulo, p. 277.
- Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 2ª Edição, 1997, Max Limonad: São Paulo, p. 200.
- . Confome artigo artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição Federal.
- . STF, Adin nº 939-07 DF.
- . Apud Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 5ª Edição, Atlas: São Paulo, 1999, p. 123-4.