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Despesas de condomínio na Lei do Inquilinato

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01/09/2000 às 00:00
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Sumário: 1. Introdução – 2. Despesas de condomínio. A quem competem as despesas condominiais da unidade imóvel locada – 3. Quem responde pelas despesas de condomínio – 4. A natureza jurídica das despesas condominiais – 5. As despesas ordinárias – 6. As despesas extraordinárias – 7. Algumas despesas não enumeradas expressamente pelos artigos 22 e 23 da Lei do Inquilinato: 7.1. Lavagem e recuperação de fachada; 7.2. Instalação de antena coletiva; 7.3. Impermeabilizações; 7.4. Substituição de coluna hidráulica, ramais, outras tubulações e condutores elétricos, com fins preventivos ou de reparação; 7.5. Seguro obrigatório; 7.6. Furto ou roubo de bens com previsão de responsabilidade em convenção - 8. É válida a disposição de que o inquilino responda por despesas extraordinárias, se livremente pactuada? - 9. Outras questões acerca das despesas de condomínio: 9.1. Se o imóvel está fechado, cabe ao condômino participar do rateio?; 9.2. O condômino inadimplente pode ser impedido de participar de assembléias que deliberam sobre despesas ou ter seu direito a voto suspenso? E quanto ao uso das áreas de lazer?; 9.3. O condômino deve participar do rateio de despesas referentes ao processo judicial quando ele próprio litiga contra o condomínio?; 9.4. Pode o inquilino descontar do valor do aluguel as despesas extraordinárias que pagou indevidamente?; 9.5. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às relações entre condomínio, condômino e locatário?; 9.6. É lícito conceder descontos elevados para pagamento em dia das despesas de condomínio? Qual o percentual máximo de multa permitido?; 9.7. Imóveis no andar térreo devem participar do rateio de despesas com elevador?; 9.8. A unidade autônoma pode ser alienada judicialmente em razão de despesas de condomínio?; 9.9. Contra quem o condomínio deve propor ação para receber as despesas e qual o rito para sua cobrança?; 9.10. Como devem ser cobradas as despesas em condomínio de um só dono? 10. Conclusão.


1 - INTRODUÇÃO

A relação contratual que se desenvolve no âmbito da locação tem suscitado algumas polêmicas no que diz respeito ao pagamento dos encargos relativos ao imóvel locado, sejam eles pactuados ou não.

Diuturnamente, vêem-se as figuras do locador e do locatário às voltas com o conturbado binômio pagar/receber, ou buscando eximir-se o quanto possam das despesas oriundas do imóvel objeto da locação.

Por óbvio, cada um deles deseja auferir da contratação as maiores vantagens possíveis. Essas vantagens, muitas vezes, estão intimamente ligadas com pequenas despesas, que acabam repercutindo no resultado final esperado da avença.

De um lado, o locatário buscando um aluguel mais acessível, procurando não ser onerado em demasia quando da contratação que irá permitir a satisfação de sua necessidade mais básica: a moradia. Por não ter, ao menos momentaneamente, recursos suficientes para a aquisição da tão sonhada "casa própria", necessita buscar em imóvel alheio o local onde vai instalar seu reduto doméstico, o lar. Para tanto, almeja a melhor localização, as instalações mais aconchegantes, o maior potencial de conforto, e tudo, se possível, pelo menor preço.

De outro, o locador que, detentor de posses, emprega seus recursos na aquisição de bens de raiz, transformando-os em investimento. É claro que este, por sua vez, anela pelo lucro, pelo resultado do capital investido, muitas vezes dependendo desses recursos financeiros para sua própria subsistência. Por ceder a outrem o seu imóvel, empenha-se em transferir o máximo dos encargos a ele inerentes àquele que vai usufruir de seu patrimônio, pois entende-se merecedor da percepção dos alugueres sem ônus que os consumam ou diminuam.

"Há de se levar em conta, ainda, que no momento em que se firmam os contratos de locação toma-se em consideração não só o aluguel em si, como os encargos, podendo-se obter uma renda maior ou menor em função do que se deve pagar a mais ou a menos, além do aluguel."(1)

Surgem daí as imposições de pagamento ao locatário, das mais variadas despesas, mesmo dos impostos e taxas que recaem sobre o bem. Um conflito de interesses, enfim, que se pacifica (ou não) no instrumento contratual, sob os auspícios de uma legislação rígida, que assim se faz para assegurar o equilíbrio ante este dualismo de pretensões.

Mas nem sempre esse contrato formaliza aquilo que vai preceituado na lei. Nos dias atuais, faz-se cada vez mais comum a inserção de cláusulas contratuais que contrariam as disposições da Lei do Inquilinato, sobretudo quando o lado mais fraco convive com a escassez na oferta, em locais de alta demanda.

GILBERTO CALDAS(2), comentando a Lei do Inquilinato, mais precisamente no artigo 22, elucida que "no item X, o legislador obriga taxativamente o locador a arcar com as despesas extras de condomínio, providência que nunca foi respeitada pelas administradoras na vigência da lei anterior. As despesas de condomínio eram todas englobadas e o locatário, desavisadamente acabava pagando melhorias que só interessavam ao proprietário."

Como se vê, a ignorância dos postulados legais, em nosso país, é fator agravante do desequilíbrio nas relações locatícias. Algumas regras de mercado tornam-se práticas tão arraigadas que os contratantes passam a acreditar que são legitimadas pela norma jurídica, quando em regra não o são.

E quando isso acontece, o relacionamento entre as partes tende a tornar-se conflituoso, se uma delas voltar os olhos para a legislação e questionar as despesas que estiver suportando indevidamente.

Sob esse enfoque, realizando um corte metodológico na Lei dos Condomínios, conjugando-a com a Lei do Inquilinato, propomo-nos estudar alguns dos problemas que surgem quando da cobrança das despesas de condomínio, examinando quais delas efetivamente competem ao inquilino e quais são de responsabilidade exclusiva do locador.

Nosso estudo abordará, portanto, as despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio e, principalmente, aquelas que restaram não arroladas, quer por se terem tornado práticas supervenientes à própria lei, ou pela única impossibilidade de o legislador ordinário prever exaustivamente todas as hipóteses de despesas a realizar pelo condomínio.

Esperamos, assim, contribuir para uma mais perfeita compreensão dos direitos e deveres que envolvem a relação locatícia de apartamentos e unidades condominiais.


2 - DESPESAS DE CONDOMÍNIO. A QUEM COMPETEM AS
DESPESAS CONDOMINIAIS DA UNIDADE IMÓVEL LOCADA.

As relações jurídicas que se operam entre os que habitam ou utilizam edificações ou conjuntos de edificações, destinadas a fins residenciais ou não residenciais, estruturadas na forma de condomínio, encontram-se, ainda presentemente, reguladas pela Lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964, a qual dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias.

Em seu artigo 12, ‘caput’, a Lei 4.591/64 estabeleceu quais seriam as despesas obrigatórias para todos os condôminos, visando, assim, garantir o custeio daquelas despesas necessárias ao funcionamento, manutenção e aformoseamento do edifício.

          Art. 12. Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio.

Se, como visto, a lei de condomínios em edificações prevê para o condômino a obrigatoriedade do pagamento das despesas rateadas, certo é que quando este loca sua unidade a terceira pessoa, estabelece com ela uma relação contratual que, nos moldes da Lei 8.245/91, transfere ao locatário usuário um conjunto de encargos relativos ao imóvel locado. Outros, porém, permanecem afetos ao próprio condômino, que por eles continua obrigado.

Na Seção IV, de seu Capítulo I, mais precisamente nos artigos 22 e 23, a Lei do Inquilinato cuidou de delimitar os deveres do locador e do locatário no que pertine às despesas de condomínio, ditando que incumbe ao locador o pagamento das despesas extraordinárias de condomínio (art. 22, X) e ao locatário o das ordinárias (art. 23, XII).

Aqui abrimos o primeiro parêntese, para averiguar até que ponto essas disposições interferem nas relações que se operam entre os condôminos.


3 - QUEM RESPONDE PELAS DESPESAS DO CONDOMÍNIO

No contexto da Lei do Inquilinato em face da Lei de condomínio em edificações, pode o condômino proprietário, no caso o locador, tentar eximir-se das despesas ordinárias, por força do contrato de locação mantido com o locatário, uma vez que a este competem tais despesas?

Por óbvio que não. A responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas referentes à unidade condominial são do condômino, pouco importando quem esteja ocupando o imóvel e a que título. Assim, perante o condomínio, responderá o locador, com direito de regresso contra o locatário, no que tange às despesas ordinárias.

Tanto é assim que, no seu artigo 25, a Lei do Inquilinato conferiu ao locador o direito de cobrar as despesas ordinárias de condomínio juntamente com o aluguel do mês a que se refiram, tornando claro que tal cobrança, na verdade, trata-se de mero reembolso daquilo a que o locador está obrigado perante o respectivo condomínio.

Vejamos a jurisprudência acerca do assunto:

          Segundo dispõe o art. 12 da Lei nº 4.591/64, cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na convenção, a cota-parte que lhe couber em rateio. Desse modo, é irrelevante que a unidade imobiliária esteja locada a terceiro, persistindo a responsabilidade direta do condômino frente ao condomínio pelo pagamento das respectivas taxas, em face da inexistência da relação jurídica entre o locatário e o condomínio. (TA/PR - Ap. Cível n. 0069325-6 - Comarca de Curitiba - Ac. 5588 - unân. - 3a. Câm. Cív. - Rel: Juiz Domingos Ramina - j. em 18.10.94 - Fonte: DJPR, 04.11.94, p. 75 - In Bonijuris, 22914).

JORGE TARCHA e LUIZ ANTONIO SCAVONE JUNIOR(3) sintetizam a questão:

          No âmbito da locação, o locatário não pode ser considerado condômino para efeito de legitimidade em face do condomínio.

Em verdade, o locatário deve as despesas condominiais ao locador por força do contrato de locação e do art. 23, inciso XII, da Lei n. 8.245 de 18 de outubro de 1991. Não possui, assim, legitimidade em face do condomínio.

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É neste sentido o entendimento do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo:

          Despesas condominiais – Ação movida diretamente contra o locatário – Inadmissibilidade – Ilegitimidade passiva ad causam – Perante o condomínio só responde o condômino – Inteligência do art. 12, da Lei 4.591/64 (in RT-725/256) –( v. no mesmo sentido RT-744/266).

Em complemento, alia-se a observação de GILBERTO CALDAS: "Aliás nenhum liame existe ente o condomínio, como ente jurídico, e o locatário. Tanto que a taxa de condomínio é endereçada diretamente ao proprietário". (4)


4 - A NATUREZA JURÍDICA DAS DESPESAS CONDOMINIAIS

Tratam-se as despesas de condomínio de obrigações de pagar, derivadas da propriedade, direito real por excelência.

ORLANDO GOMES(5) discorre sobre as obrigações afirmando que há aquelas que "nascem de um direito real do devedor sobre determinada coisa, a que aderem, acompanhando-o em suas mutações subjetivas. São denominadas obrigações in rem, ob ou propter rem, em terminologia mais precisa, mas também conhecidas como obrigações reais ou mistas".

Para o autor, "esse cordão umbilical jamais se rompe. Se o direito de que se origina é transmitido, a obrigação o segue, seja qual for o título translativo."

É hoje ponto pacífico em nossa doutrina e jurisprudência, que a natureza jurídica da obrigação resultante do imóvel em condomínio, como sendo a ele inerente, é de obrigação propter rem. Surge daí, uma indagação no que tange ao momento em que o titular do domínio se obriga ou se desobriga, caso o transfira a terceira pessoa.

Por sua Jurisprudência, os Tribunais de Alçada Civil de São Paulo e do Rio de Janeiro elucidam:

          CONDOMÍNIO – Despesas condominiais anteriores à aquisição da unidade autônoma pelo réu. Obrigação propter rem, tornando-o responsável pelo pagamento, porque titular do direito real, sendo irrelevante que ele e o vendedor não tenham pactuado solidariedade quanto às despesas do condomínio. Inteligência do art. 624 do CC. (1º TACivSP – Ap. 498.277-8 – 2ª C. – Rel. Juiz Ribeiro de Souza – J. 23.09.1992 – JTACSP, 136/84 –Juris Síntese –202471.

          Despesas condominiais – Penhora – incidência sobre único imóvel destinado à moradia do devedor e respectivos bens móveis que guarnecem a residência – Admissibilidade – Obrigação de caráter propter rem onde a constrição poderá recair sobre unidade para satisfazer a execução – Inteligência do art. 3º, IV, da Lei 8.009/90 (2º TACivSP – in RT-746/294). (6)

CONDOMÍNIO – DESPESAS – COTAS CONDOMINIAIS – OBRIGAÇÃO DO CONDÔMINO – ALIENAÇÃO DE UNIDADE AUTÔNOMA – PERMANÊNCIA DA RESPONSABILIDADE ATÉ O REGISTRO – Obrigação do condômino, assim compreendido aquele em cujo nome esta registrado o imóvel no RGI. A alienação da unidade autônoma não exonera o comunheiro das suas obrigações condominiais, enquanto não registrado o título translativo do domínio. (TACRJ – AC 13945/92 – (Reg. 1341-3) – Cód. 92.001.13945 – 2ª C. – Rel. Juiz Carlos Motta – J. 18.02.1993 - Ementa 35842 – in Juris Síntese 11002342).

E o STJ confirma esse entendimento, dispondo:

          CONDOMÍNIO - Responsabilidade do adquirente da unidade pelas cotas condominiais em mora - Cabimento - Irrelevância da forma de aquisição.

Condomínio. Cotas condominiais. O adquirente da unidade responde perante o condomínio pelas cotas condominiais em atraso. O modo de aquisição não assume relevo. Recurso conhecido pelo dissídio, mas não provido. (STJ - Rec. Especial n. 67701-7 - Rio Grande do Sul - Ac. 3a. T. - unân. - Rel: Min. Costa Leite - j. em 20.05.97 - Fonte: DJU I, 16.06.97, pág. 27361).

Estabelecidas essas premissas e bases, quanto ao que são despesas e a quem incumbe responder pelas mesma perante o Condomínio, podemos adentrar na especificação do que são despesas ordinárias e extraordinárias e a quem compete seu pagamento no âmbito da relação contratual locatícia.


5 - AS DESPESAS ORDINÁRIAS

O § 1º do artigo 23, da Lei do Inquilinato apresenta a definição para despesas ordinárias de condomínio, dizendo entender-se por estas "as necessárias à administração respectiva" e arrola as seguintes:

  1. salários, encargos trabalhistas, contribuições previdenciárias e sociais dos empregados do condomínio;
  2. consumo de água e esgoto, gás, luz e força das áreas de uso comum;
  3. limpeza, conservação e pintura das instalações e dependências de uso comum;
  4. manutenção e conservação das instalações e equipamentos hidráulicos, elétricos, mecânicos e de segurança, de uso comum;
  5. manutenção e conservação das instalações e equipamentos de uso comum destinados à prática de esportes e lazer;
  6. manutenção e conservação de elevadores, porteiro eletrônico e antenas coletivas;
  7. pequenos reparos nas dependências e instalações elétricas e hidráulicas de uso comum;
  8. rateios de saldo devedor, salvo se referentes a período anterior ao início da locação;
  9. reposição do fundo de reserva, total ou parcialmente utilizado no custeio ou complementação das despesas referidas nas alíneas anteriores, salvo se referentes a período anterior ao início da locação.

§ 2º. O locatário fica obrigado ao pagamento das despesas referidas no parágrafo anterior, desde que comprovadas a previsão orçamentária e o rateio mensal, podendo exigir a qualquer tempo a comprovação das mesmas.

§ 3º. No edifício constituído por unidades imobiliárias autônomas, de propriedade da mesma pessoa, os locatários ficam obrigados ao pagamento das despesas referidas no § 1º deste artigo, desde que comprovadas.

Em linhas gerais, as despesas ordinárias são aquelas que se relacionam com o uso, manutenção e conservação das áreas e instalações de uso comum, da edificação em regime de condomínio e devem ser suportadas pelo locatário.


6 - AS DESPESAS EXTRAORDINÁRIAS

Há, no entanto, outras despesas que refogem à ordinariedade, constituindo gastos que incorporam-se ao imóvel, valorizando-o ou visando restabelecer sua condição de habitabilidade e que não podem ser transferidas ao locatário.

Seu disciplinamento está contido nas alíneas do parágrafo único do artigo 22, da Lei do Inquilinato, a saber:

          Art. 22. O locador é obrigado a: (...)

X - pagar as despesas extraordinárias de condomínio.

Parágrafo único. Por despesas extraordinárias de condomínio se entendem aquelas que não se refiram aos gastos rotineiros de manutenção do edifício, especialmente:

  1. obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura integral do imóvel;
  2. pintura das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas;
  3. obras destinadas a repor as condições de habitabilidade do edifício;
  4. indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa de empregados, ocorridas em data anterior ao início da locação;
  5. instalação de equipamentos de segurança e de incêndio, de telefonia, de intercomunicação, de esporte e de lazer;
  6. despesas de decoração e paisagismo nas partes de uso comum;
  7. constituição de fundo de reserva.

Como se pode observar, é do locador a responsabilidade por seu pagamento.


7 - ALGUMAS DESPESAS NÃO ENUMERADAS EXPRESSAMENTE
PELOS ARTIGOS 22 E 23 DA LEI DO INQUILINATO

Se o legislador ordinário procurou fazer-se tão minucioso a ponto de enumerar as despesas consideradas ordinárias e extraordinárias, é certo que não pretendeu ser exaustivo e muito menos atribuir caráter de taxatividade ao rol que apresentou na Lei do Inquilinato.

Exemplo disso é a clara redação utilizada quando define o que sejam despesas ordinárias ou extraordinárias e, logo a seguir, vale-se da expressão "especialmente", antes de passar a enumerá-las.

Ao assim proceder, acenou de forma cristalina ao intérprete da norma, que disporia de forma exemplificativa e não numerus clausus.

AMÉRICO LUÍS MARTINS DA SILVA(7) adverte que "é necessário alertar para o fato de as hipóteses enumeradas no § 7º do art. 23 da Lei 8.245, de 18.10.1991, não serem as únicas possíveis, ou seja, o referido § 1º não esgota as hipóteses de despesas ordinárias de condomínio, uma vez que outras podem existir e não estarem discriminadas em lei."

Afigura-se, daí, por estreita consonância lógica, que outras circunstâncias ocorreriam, impondo despesas que não encontravam-se ajustadas com plena identidade na norma, gerando dificuldades ao hermeneuta quando do momento de rotulá-las como tal ou qual despesa.

E não poderia ser diferente, caso se pretendesse atribuir à lei uma existência duradoura, posto que a evolução do comércio e das relações de consumo certamente ditam de tempos em tempos novas tecnologias e confortos, que por sua vez importam em despesas a ratear entre os condôminos, mas cuja classificação como ordinárias ou extraordinárias geram dúvidas, isso sem se falar naquelas já existentes e não visualizadas de pronto no momento da edição da norma.

Não foi necessário transcorrer largo período para que algumas despesas começassem a polemizar as relações locatícias, por ausência de definição precisa.

Algumas delas, que passaremos a analisar, têm gerado extensas divergências e dividido o entendimento dos órgãos e instâncias de julgamento, a saber: a) lavagem e recuperação da fachada; b) instalação de antena coletiva; c) Impermeabilizações; d) substituição corretiva de coluna hidráulica, ramais, outras tubulações e condutores elétricos; e) seguro obrigatório; e f) furto ou roubo de bens, previsto em convenção.

Cuidemos de analisar cada uma delas.

          7.1. LAVAGEM E RECUPERAÇÃO DE FACHADA

A necessidade de lavagem e recuperação da fachada de um edifício em condomínio surge como decorrência do uso normal. E não se trata de uma operação de natureza simples. Exige, muitas vezes, a utilização de dispendiosos equipamentos e produtos, além da contratação de mão-de-obra especializada, com montagem de andaimes e estruturas, máquinas de alta pressão, ácidos e detergentes especiais, enfim, um trabalho de vulto.

Em se tratando de serviço cuja finalidade equipara-se à da pintura externa, a doutrina tem entendido tratar-se de despesa extraordinária, a cargo do locador.

          7.2. INSTALAÇÃO DE ANTENA COLETIVA

Embora não prevista expressamente, a doutrina entende que esta despesa é igualmente extraordinária, posto que passível de enquadrar-se por analogia, no artigo 22, parágrafo único letra "e", da Lei do Inquilinato, que atribui ao locador a responsabilidade pelas despesas concernentes à instalação de equipamentos de segurança e de incêndio, de telefonia, de intercomunicação, esporte e de lazer.

Já a manutenção e conservação desse equipamento coletivo configura-se despesa ordinária, a cargo do locatário, por previsão expressa do artigo 23, § 1º, letra f, da Lei 8.245/91.

          7.3. IMPERMEABILIZAÇÕES

Nossos Tribunais vêm entendendo que as despesas relacionadas com as impermeabilizações em geral, seja da laje de cobertura ou do andar térreo, pisos e paredes, para evitar infiltrações e umidade, ou da caixa d’água, para evitar vazamentos, destinam-se a repor ou manter o imóvel em perfeitas condições de uso e habitabilidade.

          DESPESAS EXTRAORDINÁRIAS DO CONDOMÍNIO – OBRIGAÇÃO DO LOCADOR INTRANSFERÍVEL AO LOCATÁRIO – A impermeabilização e a pintura de lajes e paredes externos constituem exemplos de despesas extraordinárias do condomínio, que o locador não pode repassar ao locatário. (TACRJ – AC 10528/94 – (Reg. 608-3) – 3ª C. – Rel. Juiz Asclepiades Rodrigues – J. 16.03.1995 -Ementa 39794 –Juris Síntese 11002366).

Nesse contexto, devem ser entendidas como despesas extraordinárias, de responsabilidade do locador.

          7.4. substituição de coluna hidráulica, ramais, outras tubulações e condutores elétricos, COM FINS PREVENTIVOS OU DE REPARAÇÃO

TARCHA e SCAVONE JUNIOR lecionam que a instalação hidráulica de um edifício compreende colunas e ramais. Coluna, no dizer dos autores, seria a tubulação central, instalada fora das unidades autônomas. Ramal é a parte da instalação hidráulica que se situa dentro da unidade autônoma, constituindo tubulação secundária. (8)

Via de regra, qualquer substituição ou reparo nas coluna hidráulicas constitui despesa extraordinária. Nos ramais, por sua vez, a despesa poderá ser ordinária ou extraordinária, dependendo da complexidade e extensão da obra. Tratando-se de obra de pequeno porte, será suportada pelo inquilino. Se destinar-se, porém, a restituir a condição de habitabilidade do imóvel, transferir-se-á ao locador, já que é condição inerente ao uso do imóvel que esteja o mesmo servido de água. A mesma solução deve ser aplicada no caso das despesas efetuadas com outras tubulações, destinadas à passagem de fios elétricos, dutos de telefone ou interfone e canalização de gás.

CONDOMÍNIO – DESPESAS – LOCAÇÃO RESIDENCIAL – ENCARGOS – SUBSTITUIÇÃO DE TUBULAÇÃO D´ÁGUA – A cobrança de cotas extraordinárias, conforme deliberado em Assembléia Geral, para substituição de tubulação d´água compete ao locador. (TACRJ – AC 1531/89 – (Reg. 3495) – Cód. 89.001.01531 – 3ª C. – Rel. Juiz Hudson Bastos Lourenço – J. 29.06.1989 - Ementário TACRJ 46/89 – Ementa 32479, in Juris Síntese 11002410).

          7.5. SEGURO OBRIGATÓRIO

Diz-se obrigatório o seguro destinado a indenizar incêndio ou outro sinistro que acarrete a destruição total ou parcial do imóvel. Por destinar-se à reconstrução total do edifício, este seguro abrange não só as partes comuns, como também as unidades autônomas. As demais áreas comuns e de lazer devem ser cobertas por outro seguro complementar.

Tal encargo não consta do rol dos artigos 22 e 23 da Lei 8.245/91, mas tem supedâneo no artigo 13 da Lei 4.591/64 e deve ser tratado como despesa ordinária, de responsabilidade do locatário. E se houver móveis e equipamentos guarnecendo o imóvel, em sendo contratado o seguro complementar para cobrir eventual sinistro sobre tais bens, também será de responsabilidade do inquilino o seu pagamento.

          7.6. FURTO OU ROUBO DE BENS COM PREVISÃO DE RESPONSABILIDADE EM CONVENÇÃO

Na ocorrência de furto ou roubo de bens dos condôminos, surge a polêmica questão da reparabilidade do dano pelo condomínio.

Havendo disposição a respeito na convenção de condomínio, seja admitindo a responsabilidade, seja rejeitando-a (cláusula de não-indenizar), prevalece a jurisprudência no sentido de que seja observada a pactuação condominial.

O Superior Tribunal de Justiça tem reiterado este entendimento, que caminha para a pacificação:

          Verbete: CONDOMÍNIO - INDENIZAÇÃO por FURTO sofrido em seu interior - Incabimento - CULPA não caracterizada.

Condomínio. Furto. Dever de indenizar. O dever de indenizar imposto ao condomínio por dano sofrido pelo condômino há que decorrer da inequívoca demonstração de culpa daquele por ato de seu preposto. A mera alegação de insuficiência de dispositivos de segurança não enseja a responsabilidade do condomínio, que, aliás, poderá ser afastada em cláusula de não indenizar aposta na convenção. Recurso não conhecido. (STJ - Rec. Especial n. 45.902 - São Paulo - Ac. 3a. T. - unân. - Rel: Min. Cláudio Santos - j. em 22.08.95 - Fonte: DJU I, 09.10.95, p. 33548 - In Bonijuris, 26291). [9]

Não obstante, há julgados que desconsideram a cláusula de não-indenizar(10), se verificado sistema pago de vigilância, como se vê do aresto seguinte, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo:

          INDENIZAÇÃO. Furto de motocicleta. Responsabilidade do condomínio. Caracterização. Fato que se verificou no interior da garagem de edifício. Irrelevância da cláusula de não-indenizar. Sistema de segurança pago. Recurso Provido." (Ap. Civ. 251.102-1, Rel. Sousa Lima, j. 22.5.96. m.v.).

Problema maior surge quando a convenção é omissa no tocante à responsabilidade, nada prevendo. Nesse caso, há duas hipóteses possíveis a considerar: primeiro, se o condomínio dispunha de sistema da segurança ostensiva no edifício, que restou ineficaz, responde perante o condômino lesado, independentemente de se averiguar culpa.

Se tais dispositivos de segurança eram inexistentes, a responsabilidade do condomínio dependerá da comprovação da ocorrência de culpa, em qualquer de suas modalidades.

Como asseveram TARCHA e SCAVONE JR., "o prejuízo experimentado por um dos condôminos, decorrente da deliberação falha de todos, por todos deve ser suportado." (11) Entendem os autores supracitados que a despesa teria natureza ordinária, posto que não aumenta o valor do edifício, não o embeleza, não aumenta suas condições de habitabilidade e de segurança, enfim, não se inclui naqueles parâmetros apontados para caracterizar despesas extraordinárias, devendo, por conseguinte, ser suportada pelo inquilino. (12)

O entendimento nos parece acertado, dado que ao locatário também incumbe o pagamento das cotas de seguro do imóvel e despesas de contratação de segurança. Mas sua posição não é pacífica. A natureza jurídica dessa despesa ainda encontra-se indefinida. (13)

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Sobre o autor
Helder Martinez Dal Col

Advogado e Professor no Paraná, Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COL, Helder Martinez Dal. Despesas de condomínio na Lei do Inquilinato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/588. Acesso em: 19 abr. 2024.

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