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Acessibilidade aos portadores de deficiência física: uma garantia constitucional

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01/08/2017 às 14:00
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2. IGUALDADE E DIGNIDADE: FATORES DA INCLUSÃO SOCIAL DAS PESSOAS PORTADORAS DEFICIÊNCIA 

As necessidades de cada pessoa têm igual importância, é o que prega a Declaração Universal dos Direitos Humanos[1]. Adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, ela evidência que todos os homens nascem iguais e possuem os mesmos direitos.

Aliás, os princípios de igualdade e dignidade humana estão presentes ao longo de todo o documento, a começar pelo artigo 1º “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos.” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948). 

Os princípios expressos na declaração são importantes e conforme D’Abronzo (2006) trata-se de uma conquista social relativamente recente, que aos poucos se consolida na sociedade. Gradativamente, esses princípios abrem espaços para que as diferenças se manifestem e possam ser respeitadas pela Lei.

De acordo com Mendes (2008, p.157), o princípio da igualdade ou isonomia determina que seja dado tratamento igual aos que se encontram em situação equivalente e que sejam tratados de maneira desigual os desiguais, na medida das suas desigualdades.

Segundo Faria (apud MAZZILLI, 2007, p. 598), “faz-se mister esclarecer o conceito de igualdade, para que sua aplicação possa cada vez se tornar mais efetiva, impedindo-se não só as distorções como as falsas reivindicações em nome do referido princípio”.

Sobre isso, Mendes (2008, p. 157) afirma que:

Como, por outro lado, no texto da nossa Constituição, esse princípio é enunciado com referência à lei – todos são iguais perante a lei -, alguns juristas construíram uma diferença, porque a consideram importante, entre a igualdade na lei e a igualdade diante da lei, a primeira tendo por destinatário precípuo o legislador, a quem seria vedado valer-se da lei para fazer discriminações entre as pessoas que mereçam idêntico tratamento;a segunda, dirigida principalmente aos intérpretes/aplicadores da lei, impedir-lhes-ia de concretizar enunciados jurídicos dando tratamento distinto a quem a lei encarou como iguais.

Podemos dizer que a ideia de igualdade pregada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos seria a de possibilitar a todos os seres humanos um tratamento equânime e uniformizado, bem como equiparar todos eles no que diz respeito às possibilidades de concessão de oportunidades.

Neste sentido, as oportunidades devem ser oferecidas de forma igualitária para todos os cidadãos, na busca pela apropriação dos bens materiais e imateriais da cultura. Sendo assim, todos os recursos humanos devem ser empregados para garantir que as pessoas tenham as mesmas oportunidades e os mesmos direitos. E isso, inclui, evidentemente, as pessoas portadoras de deficiência.

A dignidade da pessoa humana expressa na Declaração baseia-se no respeito aos direitos humanos mais elementares como o direito à vida, à liberdade, à honra, à intimidade, à saúde, à educação. Ela consagra, desde logo, o pensamento centrado no ser humano, e não em qualquer outro referencial.

Mendes (2008, p. 154) nos lembra que:

No Brasil, igualmente, é significativo o esforço pela concretização desse princípio, tanto no plano legislativo quanto no jurisprudencial e doutrinário, em que pesem, nunca é demais insistir, as nossas crônicas dificuldades materiais e socioculturais para tornar efetivo o respeito à dignidade da pessoa humana.

O respeito desses princípios exige o compromisso de toda a sociedade. A vigência dos direitos específicos das pessoas com deficiência está diretamente relacionada à vigência dos direitos humanos fundamentais. Ora, se o direito universal à saúde não é cumprido de modo suficiente pelo Estado, o direito à saúde específico das pessoas com deficiência igualmente será fragilizado ou mesmo negado.

Muito embora grande parte da sociedade os considere incapazes de realizar as mais simples atividades, vale lembrar que o deficiente é um sujeito de direitos e responsabilidades sociais, assim como os demais cidadãos. E por serem cidadãos iguais a qualquer outro, eles tem todo o direito de melhores condições de vida, de exigirem participação na sociedade, sem sofrer nenhum tipo de discriminação. Ou seja, o deficiente tem todo o direito de reivindicar a sua inclusão social.


3. GARANTIAS FUNDAMENTAIS AOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA NA CONSTITUIÇÂO DE 1988 

A Constituição Federal de 1988 estabelece que a República Federativa do Brasil, organizada como Estado Democrático de Direito, tem como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1°, III). Ou seja, o Estado Brasileiro não se funda na propriedade, em classes, em corporações, em organizações totalitárias, tampouco no próprio Estado, mas sim na pessoa humana.

A mesma constituição expressa o desejo de uma sociedade livre, justa e igualitária, que promova o bem estar de todos “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (CF/88, art. 3°, I e IV).

Logo em seguida, o artigo 5° da Constituição declara “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...” (CF/88, art. 5° caput). Além dessa regra, matriz da igualdade formal “todos são iguais perante a lei”, encontraremos a regra da igualdade material, ou seja, o suporte dado pelo Estado, reconhecendo situação de vulnerabilidade de determinados grupos.

Podemos dizer que a idéia de igualdade estabelecida aqui se aproxima muito da que fora expressa na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ou seja, possibilitar a todos os brasileiros um tratamento imparcial. Isso é importante, pois representa uma forma de minimizar atitudes preconceituosas em relação àqueles que são diferentes.

O fato é que a igualdade vem traduzida em diversos dispositivos constitucionais, além da regra genérica presente no seu art. 5º. Bastaria à regra para a garantia da igualdade formal, ou seja, a igualdade perante a lei. Todavia, o constituinte preferiu deixar claro, evidenciar a regra da igualdade das pessoas com deficiência.

Seguindo uma preocupação mundial em estabelecer um direito social a Constituição Federal de 1988 assegurou, em seu artigo 7°, inciso XXXI, a “proibição a qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência.” (CF/88, art.7°, XXXI).

Ou seja, a Constituição garante a todos o direito ao trabalho, sendo que o impedimento desse direito pode ser considerado crime de discriminação. Contudo, importar ressaltar que a pessoa com deficiência deve, primeiramente, estar habilitada ao cargo, o que se verá pela ultrapassagem do critério mínimo exigido para todos pela Administração Pública.

A pessoa portadora de deficiência deve ser compreendida como uma pessoa capacitada para o trabalho através de um processo de habilitação ou reabilitação. Uma vez considerada apta, não há porque negar-lhe trabalho. Ao ser empregada, deve sempre haver uma parceria entre empregador e trabalhador, objetivando a eliminação de barreiras que impeçam a realização da atividade.

O artigo 37, inciso VIII, afirma: “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão.” (CF/88, art. 37, VIII). No caso, como se percebe, trata-se de verdadeira ação afirmativa, reservando vagas a esse grupo vulnerável.

Complementar ao texto Constitucional, a legislação ordinária Lei n° 8.213/91 dispõe sobre os Planos e Benefícios da Previdência Social e dá outras providências, entre elas: institui cotas para deficientes nas empresas. De acordo com ela, as empresas com mais de 100 funcionários são obrigadas, sob pena de sofrer atuação do Ministério Público do Trabalho, a reservar de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos cargos, para pessoas portadoras de deficiência.

Os percentuais ficam estabelecidos da seguinte forma:

·         De 101 até 200 funcionários = 2%;

·         De 201 até 500 funcionários = 3%

·         De 501 a 1.000 funcionários = 4%

·         Acima de 1.000 funcionários = 5%

A não-utilização da vaga reservada para a pessoa com deficiência, mesmo a inscrita em tal condição (vaga reservada), obedece ao princípio da inclusão social e da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, o nosso ordenamento jurídico ao assegurar cotas para deficientes, determinadas por lei específica, cria uma oportunidade para corrigir uma desigualdade real.

O artigo 23, inciso II, da Carta Magna determina que é competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”. (CF/88, art. 23, II).  Já o artigo 24, inciso XIV, garante “proteção e integração social” dessas pessoas.

Independentemente da contribuição à seguridade social, a Constituição Federal garante também assistência social a quem dela precisar sendo um dos seus objetivos “a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária”. (CF/88, art. 203, IV).

 Assim, fica estabelecida no artigo 203, inciso V, “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência”. (CF/ 88, art. 203, V). O benefício que também se estende ao idoso é aplicado quando a pessoa é incapaz de garantir o próprio sustento e sua família não puder ajudar.

O artigo 205 da Carta Magna estabelece que a educação é um “direito de todos e dever do Estado e da família”. (CF/88, art. 205 caput) O Estado Brasileiro no cumprimento dos seus deveres se obriga a prover “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. (CF/88, art. 208, III). 

Observemos o artigo 227 da Constituição Federal,

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo aos seguintes preceitos: [...]

II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.

§ 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. (CF/88, art. 227 caput, I e II).

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Dessa forma observamos que os direitos das crianças e dos adolescentes portadores de deficiência estão assegurados pela Lei Maior.

Por fim, o artigo 244 da nossa Constituição, o último a tratar o tema da deficiência, dispõe sobre “a adaptação de logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no art. 227, § 2º.” (CF/88, art. 244).

Sem dúvidas, a Constituição Federal de 1988 representou um avanço no que diz respeito aos direitos das pessoas portadoras de deficiência visto que as constituições anteriores não tratavam o tema com a devida importância. Uma análise do que está expresso nela, permite-nos afirmar que a nossa Lei Maior é uma lei inclusiva, preocupada com a situação de todos (MENDES, 2008).

 Quando se busca saber como é garantida a acessibilidade aos portadores de deficiência verifica-se que eles são amparados pelos direitos expressos na Carta Magna e pela Lei Federal n° 10.098/00, que estipula normas gerais para a promoção da acessibilidade.

Conforme observamos, a nossa Constituição garante a acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência. Contudo cabe ao Estado através de medidas, fazer cumprir o que está previsto nela. Porém, quando o Executivo é deficiente, nada impede que a Justiça ocupe o papel deste, tornando mais eficaz o efetivamento da lei.

 Recentemente a Justiça Federal em São Paulo determinou que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) exija nos filmes que financiar a inclusão de legendas ocultas os closed captions. O pedido aceito pelo Ministério Público Federal visa cumprir o dever de inclusão das pessoas com deficiência auditiva, facilitando o acesso destas à cultura.

 Lembramos que a Lei nº 7853 determina que as salas de cinema devem possuir os meios necessários para facilitar o acesso de pessoas com esse tipo de deficiência, entretanto ela geralmente é ineficaz por não haver a obrigação da produção de legenda para os filmes. Essa medida tomada, embora possa não ter grande abrangência, significa um passo que pode incentivar e abrir caminho para mais avanços nessa área.

3. 1    Educação Inclusiva, uma garantia da Lei n° 9394/96.

Os modelos atuais de inclusão de deficientes enfatizam que o sistema educacional deve se apropriar de filosofia fundamentada em princípios democráticos e igualitários, com estrutura adequada as necessidades de todos os alunos. As práticas discriminatórias devem ser eliminadas e a diversidade humana valorizada, sem deixar de lado, é claro, a qualidade da educação para todos.

Uma escola inclusiva é aquela que entende que o seu espaço é lugar de formação e desenvolvimento da cidadania, é uma escola que prestigia a diversidade humana e esta consciente das suas funções sociopolíticas. De acordo com Glat e Nogueira (2002 apud LÁZARO, MAIA, 2009, p. 6) “a educação inclusiva está na idéia de uma escola que não seleciona crianças em função de suas diferenças individuais, seja elas orgânicas, sociais ou culturais”.

O debate em torno do processo de inclusão social de deficientes tem aumentado, da mesma forma também vem crescendo (principalmente nas últimas duas décadas) nos diversos educandários espalhados pelo país o número de alunos com ‘necessidades educativas especiais’.

O MEC registrou um aumento de 252.023 novas matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais no sistema de ensino, nos últimos quatro anos, evidenciando um crescimento de 56%, alcançando em 2006, 700.624 alunos matriculados na educação básica. A evolução das matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais registra 46,4% de inclusão nas classes comuns do ensino regular caracterizando o crescimento da participação da esfera pública na oferta de vagas para alunos com necessidades educacionais especiais os dados indicam que 63% dos alunos estão na esfera pública (INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT, 2009).

Apesar desse aumento considerável de alunos matriculados, a consolidação da educação inclusiva encontra diversas barreiras, tais como: inadequação dos espaços físicos, falta de recursos materiais e de propostas pedagógicas pertinentes e talvez o mais grave, um total despreparo do professor para trabalhar com o alunado.

Por sua vez, a Lei n° 9394/96 das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estabelece que a educação é ‘direito de todos’ e dever da família e do Estado,  que deve oferecê-la sob a forma de ensino sistematizado, guiado por princípios básicos, dentre eles a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e a inclusão. 

A proposta de inclusão escolar é, sem dúvidas uma atitude politicamente correta, representativa de valores como a igualdade de direitos e de oportunidades para todos. Mas, para que isso aconteça de forma satisfatória, é preciso sanar os problemas anteriormente citados. Sendo imprescindível a formação e capacitação de professores para que a prática educativa de inclusão seja de fato alcançada.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Daniel Pereira Mira. Acessibilidade aos portadores de deficiência física: uma garantia constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5144, 1 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59060. Acesso em: 19 mai. 2024.

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