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A usucapião pro morare

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21/04/1998 às 00:00
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5. LEGITIMIDADE

Pela expressão "aquele que", o Texto Constitucional legitimou qualquer pessoa, nacional ou estrangeira, a pleitear o domínio por intermédio do usucapião urbano.

Dessa mesma expressão, aliada ao requisito da função social da propriedade, infere-se que somente as pessoas físicas podem usufruir esse direito, excluídas as pessoas jurídicas.

Estas ademais, não preenchem os outros requisitos insculpidos no art. 183 para a concessão de domínio, pois que não têm "moradia", mas sede; não possuem "família", mas sócios. (9)


6. ACESSIO TEMPORIS

Em face do caráter estritamente pessoal e benéfico da modalidade urbana do usucapião, entendemos intransferível a posse para efeitos de prescrição aquisitiva.

Ao contrário do que ocorre nas formas tradicionais de usucapião (Código Civil, art. 552), a cessão da posse em favor do sucessor singular não é admissível na modalidade especial urbana, que requer a posse pessoal durante todo o lapso prescricional.

Tal vedação não se aplica à sucessio temporis, que pode incidir parcialmente. Como acentua Celso Bastos (10), em caso de imóvel ocupado por família, os prazos do antecessor e do sucessor podem ser somados. Isso na hipótese de parte da família vir morar, a posteriori, no imóvel primitivamente ocupado por um ou alguns de seus membros, antes de aberta a sucessão.


7. CONCESSÃO DE USO

O parágrafo 1° do art. 183 reza que "O Título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou á mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil".

Tudo indica que a expressão "concessão de uso" foi inserida no Texto Constitucional antes da aprovação do § 3° do mesmo artigo, que excluía os bens públicos do usucapião.

Com a exclusão desses bens do usucapião urbano, o único sentido razoável da expressão indicada é a de que ela se refere a direito de superfície, que poderá ser objeto de regulamentação por lei.


8. PRAZO PRESCRICIONAL

O tempo de posse apto a conduzi à prescrição aquisitiva, na modalidade urbana, é de 5 anos, segundo dispõe o art. 183 da Constituição.

Entretanto, a Lei Maior foi omissa quanto à inclusão ou não, no cômputo do prazo prescricional, do tempo de posse anterior à sua promulgação, isto é, o período anterior a 05.10.88. Essa omissão constitucional tem rendido ensejo à ampla polêmica na doutrina e na jurisprudência.

A doutrina está cindida em duas correntes. Uma, mais numerosa, é sustentada, entre outros, por Benedito Ribeiro, José Carlos Salles, Natal Nader, Celso Bastos e Tupinambá do Nascimento. Outra, minoritária, é advogada, entre outros, por Artur Marques da Silva e Wolgran Junqueira Ferreira.

A primeira corrente entende que o lapso prescricional corre somente a partir da vigência da Constituição, sendo inviável sua aplicação antes desse período. Sustentam seus partidários, em suma, o seguinte: a) trata-se de instituto novo no ordenamento, inexistindo correspondência com as formas usucapiatórias tradicionais; b) não é possível protrair-se para época anterior a 05.10.88 o início da contagem do tempo da nova modalidade de usucapião; c) a aplicação ao tempo pretérito ocasionaria prejuízo e surpresa ao proprietário que estivesse atento a maiores prazos prescricionais.

A segunda corrente, entende que o tempo de posse anterior à Constituição deve ser computado para efeitos prescritivos. Deveras, em sendo o preceito do art. 183 da ordem pública, e superior a qualquer outro, há de prevalecer sobre os interesses privados, aplicando-se imediatamente aos fatos, ainda que iniciados antes de seu advento.

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Além disso, não tendo sido excluída expressamente a incidência constitucional desse ou daquele período, essa deve ser considerada como total, computando-se tanto o tempo de posse antes do advento da Carta, como o que lhe é posterior.

Para que o possuidor faça jus ao título de domínio basta que tenha cinco anos de posse, pouco importando se esse prazo é anterior ou posterior à Constituição.


9. PROCEDIMENTO

O dispositivo que versa sobre usucapião urbano não tratou da disciplina procedimental a que seriam submetidos os pleitos visando à declaração do domínio.

Em face do silêncio normativo e até que sobrevenha lei específica que discipline a matéria, somos pela aplicação das normas gerais referentes ao usucapião tradicional, quais sejam, as inseridas nos arts. 941 a 945 do Código de Processo Civil.


10. CONCLUSÃO

O lapso temporal decorrido desde a promulgação da Constituição, pouco mais que oito anos ainda é muito pouco para que se faça uma análise das conseqüências e resultados dessa nova modalidade de prescrição aquisitiva, sobretudo quando se leva em conta que as modificações no Direito Civil são de demorada assimilação.

Todavia, em face do ainda pequeno número de demandas em curso, que versem sobre o tema, podemos concluir que a população, quiçá por desconhecimento, parece não ter despertado para essa nova realidade, nem para a utilidade desse benefício constitucional, como instrumento através do qual se poderá alcançar a verdadeira cidadania.

Através de uma regulamentação apropriada, a usucapião urbana certamente servirá de vereda eficaz e precisa para a consecução dos vetores constitucionais que têm na função social o repertório da esperança da sociedade na erradicação da pobreza e na redução das desigualdades sociais (CF, art. 3, III).


NOTAS

  1. cf. Diário da Assembléia Nacional Constituinte, 20.08.87, p. 4721.
  2. cf. Ulderico Pires dos Santos, in Usucapião Constitucional, Especial e Comum, Ed. Paumape, p. 40
  3. cf. Tupinambá do Nascimento, in A Ordem Econômica e Financeira e a Nova Constituição, Ed. Aide, p. 96.
  4. in Comentários à Constituição de 1988, Vol. VII, Ed. Saraiva, p. 240.
  5. op. cit., p. 146.
  6. cf. Caio Mário da Silva Pereira, in Propriedade Horizontal, Ed. Forense, p. 45.
  7. ibidem.
  8. in Condomínio em Edifícios, Ed. RT, p. 14.
  9. cf. Tupinambá do Nascimento, op. cit., p. 146.
  10. op. cit., p. 234.


BIBLIOGRAFIA

BASTOS, Celso Ribeiro - Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Saraiva, 1988.

FERREIRA, Wolgran Junqueira - Comentários à Constituição de 1988 - vol. VII, Julex, 1991.

FRANÇA, R. Limongi (coordenação). Enciclopédia saraiva do direito. Vol. 76, Saraiva, 1977.

NADER, Natal - Usucapião ordinário, usucapião extraordinário, usucapião especial rural e urbano - Forense, 1989.

NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do - A ordem econômica e financeira e a nova Constituição. Aide, 1991.

NUNES, Pedro - Do usucapião, Freitas Bastos, 1951.

PEREIRA, Caio Mário da Silva - Propriedade horizontal - Forense, 1961.

PINTO, Nelson Luiz. Da ação de usucapião. RT, 1991.

RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. Saraiva, 1992.

SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de bens móveis e imóveis. RT, 1992.

SANTOS, Ulderico Pires dos. Usucapião constitucional, especial e comum. Palmape, 1991.

SILVA, Artur Marques da. A propriedade e os direitos reais na Constituição de 1988. Coletânea, Saraiva, 1991.

VIANA, Rui Geraldo Camargo. Usucapião popular urbano. RJTJESP 101/19, 1986.

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Sobre o autor
Múrcio Kleber Gomes Ferreira

acadêmico de Direito em Natal (RN)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Múrcio Kleber Gomes. A usucapião pro morare. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 24, 21 abr. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/592. Acesso em: 7 mai. 2024.

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