Instrução do habeas corpus como função e dever dos advogados e suas implicações nas diligências previstas no art. 664 do CPP.

Flexibilidade ou desvirtuamento do remédio heróico

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Instrução do habeas corpus como função e dever dos advogados e suas implicações nas diligências previstas no art. 664 do cpp: flexibilidade ou desvirtuamento do remédio heroico.

Como bem se sabe, tal como o mandado de segurança, é o habeas corpus ação constitucional nobre a exigir prova pré-constituída e incontroversa, apta a comprovar, de plano, a ilegalidade aduzida na inicial, sendo-lhe estranha a figura da diligência  para suprir deficiência instrutória.

Não se desconhece haver a Justiça Potiguar, em virtude do aspecto social predominante, flexibilizado este rigor procedimental quando do último mutirão realizado pela Defensoria Pública, entabulado com fincas a temperar os imbróglios de superpovoamento da Penitenciária de Alcaçuz.

Todavia, assim como toda “regra” de exceção e de incidência temporária, não pode este tribunal adotar ad perpetuam essa orientação, sob pena de ferir princípios maiores do direito processual, passando a fazer às vezes dos respectivos causídicos.

Admitir a supressão de instrução nos casos de writ impetrado por qualquer um do povo é até plausível, todavia não se pode dizer o mesmo quando a ordem é encaminhada por advogado, profissional portador de conhecimento técnico suficiente para aparelhar minimamente seu pedido.

Desse modo, insistir na tese da diligência é fomentar uma ingerência inconstitucional/indevida, tornando o judiciário condescendente com a carência de lealdade que deve constituir toda e qualquer relação patrono/cliente.

O Colendo STJ, em uníssono, pensa desta forma, como bem se vê dos seus recentíssimos precedentes:

EMENTA: habeas corpus substituto de recurso próprio. inadequação da via eleita.  tráfico interestadual de entorpecentes... direito de  recorrer  em  liberdade.  instrução deficiente. habeas corpus não conhecido. ... o rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo  a  parte  demonstrar,  de  maneira  inequívoca, por meio de documentos,  a  existência  de  constrangimento  ilegal  imposto  ao paciente. precedentes. 8. habeas corpus não conhecido. (hc 393.516/mg, rel. ministro reynaldo soares da fonseca, quinta turma, julgado em 20/06/2017, dje 30/06/2017);

EMENTA: processual penal. recurso ordinário em habeas corpus. redução a condição análoga à de escravo... iv - não havendo nos autos prova pré-constituída de que a busca e apreensão teria sido realizada também no endereço erroneamente indicado, como  afirmou  a  defesa, e não sendo o recurso em habeas corpus compatível com   diligências  probatórias, não há comoreconhecer qualquer ilegalidade, no ponto. recurso ordinário desprovido. (rhc 84.520/pa, rel. ministro felix fischer, quinta turma, julgado em 20/06/2017, dje 30/06/2017).

Sem dissentir, a Excelsa Corte Constitucional:

EMENTA: habeas corpus. processual penal. embargos de declaração opostos contra decisão monocrática. recurso recebido como agravo regimental. instrução deficiente do writ. inobservância de pressuposto indispensável ao seu conhecimento. precedentes. decisum fundado na reiterada jurisprudência desta corte. agravo desprovido. i - embargos de declaração recebidos como agravo regimental, por terem sido opostos contra decisão monocrática que negou conhecimento ao habeas corpus por instrução deficiente. precedentes. ii - decisão fundada na reiterada jurisprudência desta suprema corte sobre a matéria, no sentido de que no habeas corpus, assim como no mandado de segurança, hão de ser apresentadas provas pré-constituídas do constrangimento ilegal imposto ao paciente. não cabe ao magistrado proceder à regular instrução do processo, a não ser que, da leitura da documentação juntada com a impetração, resulte dúvida fundada, a justificar a realização de diligência precedentes. iii - agravo regimental desprovido. (hc 138443 ed, relator(a):  min. ricardo lewandowski, segunda turma, julgado em 31/03/2017, processo eletrônico dje-074 divulg 10-04-2017 public 11-04-2017).

Não é por demais registrar que a quase totalidade de Tribunais de Justiça do país têm se associado a essa linha de raciocínio, sendo dispensável a reprodução de precedentes, sob pena de se incorrer em tautologia[1].

Em tempos de metas estabelecidas pelo CNJ e da crescente reclamação social por agilidade, não remanesce dúvida da nocividade e prejudicialidade de tal entendimento até então predominante, sendo seu reenvolvimento deveras cogente e salutar à política nacional de celeridade de julgamentos.

Aliás, tomando por exemplo a inescurecível experiência deste julgador  à frente da Corregedoria Geral de Justiça do RN no biênio 2015/16, constatei e vi bem de perto as dificuldades enfrentadas pelos Juízes Criminais, sobretudo das Comarcas do interior do Estado, quando, regra geral, são impelidos a relegar a segundo plano suas abarrotadas pautas, a fim de prestar informações em sede de habeas corpus, desvirtuando, assim, a própria logística processual.

Não se pode e nem se deve deslembrar, outrossim, que o pedido informações relacionado no art. 664 da lei adjetiva penal constitui uma faculdade da desembargadoria e só deve ser utilizado em ultima ratio, porquanto, repise-se, é dever e obrigação do advogado municiar o tribunal dos documentos mínimos à plena análise da controvérsia.

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Notas

[1]A título de exemplo: HABEAS CORPUS CRIME. PEDIDO SUBSCRITO POR ADVOGADO. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA.CONSTRANGIMENTO ILEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAÇÃO. INSTRUÇÃO DEFICIENTE. AUSÊNCIA DE DOCUMENTO NECESSÁRIO. SUPOSTO ATO COATOR.DECISÃO QUE DECRETOU A PRISÃO PREVENTIVA.AUSÊNCIA DE JUNTADA NÃO JUSTIFICADA.INTELIGÊNCIA DO ART. 304 DO RITJPR. ORDEM NÃO CONHECIDA.1. O habeas corpus exige prova pré-constituída do direito alegado, incumbindo ao impetrante o dever de instruir o pedido com os documentos necessários para análise do suposto constrangimento ilegal.2. A teor do que dispõe o art. 304, do Regimento Interno do TJPR, o pedido, quando subscrito por advogado do paciente, não será conhecido se não vier instruído com os documentos necessários ao convencimento preliminar da existência do motivo legal invocado na impetração, salvo alegação razoável da impossibilidade de juntá-los desde logo. 3. Diante da inexistência de justificativa, o presente writ não deve ser conhecido. (TJPR - 4ª C.Criminal - HCC - 1687619-4 - Cascavel -  Rel.: Fernando Wolff Bodziak - Unânime -  J. 22.06.2017);

Direito Penal e Processual Penal. Agravo interno no Habeas Corpus. Instrução deficiente. Ação de natureza mandamental que demanda prova pré-constituída. Ônus do impetrante. Juntada de documentos após a inadmissão do writ. Impossibilidade ante a preclusão. Precedentes do STJ e do STF. Recurso conhecido e desprovido. (TJDFT - Acórdão n.993980, 20170020002996HBC, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR 3ª TURMA CRIMINAL, Data de Julgamento: 09/02/2017, Publicado no DJE: 16/02/2017. Pág.: 255/262).

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Sobre o autor
Francisco Saraiva Dantas Sobrinho

Desembargador no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.

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