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Medidas provisórias e matéria tributária

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08/01/2005 às 00:00
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5. DA MEDIDA PROVISÓRIA ANTES E DEPOIS DA EMENDA CONSTITUCIONAL 32/2001

A Medida Provisória está prevista na Constituição Federal de 1988 em seu art. 62. Tal dispositivo sofreu consideráveis modificações com a Emenda Constitucional nº 32 promulgada em 11 de setembro de 2001. O artigo que continha apenas o caput e um parágrafo único, dispondo concisamente sobre a matéria, foi ampliado, passou a ter doze parágrafos que estabelecem de forma detalhada as limitações e procedimentos que devem ser respeitados na edição de uma Medida Provisória.

A Medida Provisória sempre ensejou muita controvérsia visto que o texto do art. 62 da Constituição Federal, até a Emenda 32, não dispunha sobre as matérias que poderiam ser reguladas pelo instrumento normativo, nem mesmo como deveria ser o processo de aprovação.

Procurei analisar neste capítulo o instituto da Medida Provisória - conceito, pressupostos, procedimento e limitações materias antes e depois da promulgação da emenda.

5.1. Conceito

Segundo BANDEIRA DE MELLO, de acordo com a nova redação do art. 62 dada pela Emenda Constitucional 32/2001, Medidas Provisórias são

"providências (como o próprio nome diz, provisórias) que o Presidente da República poderá expedir, com ressalva de certas matérias nas quais não são admitidas, ''em caso de relevância e urgência'', e que terão ''força de lei'', cuja eficácia, entretanto, será eliminada desde o início se o Congresso Nacional, a quem serão imediatamente submetidas, não as converter em lei dentro do prazo - que não correrá durante o recesso parlamentar - de 120 dias contados a partir de sua publicação". (12)

É preciso examinar a Medida Provisória com cuidado, buscando compreendê-la dentro das características de nosso sistema constitucional, para explicar seu cabimento ou não na instituição ou majoração de tributos.

A Medida Provisória foi imposta pela Constituição Federal de 1988, substituindo o antigo "decreto-lei". Mas os dois institutos apresentam importantes diferenças.

Os pressupostos de expedição do decreto-lei eram apresentados alternativamente ("em caso de urgência ou de interesse público relevante"), ao passo que os da Medida Provisória são indicados cumulativamente ("em caso de relevância e urgência"). O decreto-lei estava subordinado à condição de inocorrência de aumento de despesa e apontava as matérias que podiam ter por objeto, enquanto a Medida Provisória não depende de nenhuma condição financeira e não apontava as matérias sobre as quais poderia versar, até a Emenda 32. Em caso de ausência de manifestação do Congresso Nacional, o decreto-lei era havido como definitivamente aprovado, no caso da Medida Provisória, ocorre a rejeição tácita. A rejeição do decreto-lei não acarretava a nulidade dos atos praticados durante sua vigência, ao passo que a Medida Provisória quando rejeitada gera efeitos ex tunc. Por fim, o decreto-lei só poderia ser rejeitado in totum, enquanto a Medida Provisória admite emendas.

Podemos afirmar que o caráter autoritário do antigo "decreto-lei" foi de certa forma abrandado pelo novo instituto da Medida Provisória. Mas esta, assim com o decreto-lei, ainda afronta o paradigma do Estado Democrático de Direito.

No que concerne à natureza jurídica das Medidas Provisórias a doutrina se divide.

O jurista MARCO AURÉLIO GRECO sustenta tratar-se a Medida Provisória de ato administrativo dotado de força de lei.

Outros a percebem como ato de governo (ato político, executivo ou de governo) com força de lei, eis que o autor é o Chefe do Poder Executivo.

Um outro posicionamento doutrinário concebe a Medida Provisória como um poder de cautela legislativa conferido ao Presidente da República, funcionando como um meio idôneo de impedir, de um lado, na esfera das atividades normativas estatais, a consumação do periculum in mora e, de outro, tornar possível e eficaz a prestação legislativa do Estado. Enfim, a Medida Provisórias seria um projeto de lei com força cautelar de lei.

Existem ainda aqueles, como JOSE AFONSO DA SILVA, que sustentam ter a Medida Provisória natureza de lei. Seriam, para ele, leis especiais dotadas de vigência provisória imediata ou medidas de lei sujeitas a condição resolutiva.

De qualquer forma, a medida provisória é ato normativo e como tal sujeito ao controle de constitucionalidade. Disto trataremos mais adiante.

É de suma importância, neste tópico do trabalho, esclarecermos o significado da expressão "força de lei", escolhida, a nosso ver, equivocadamente pelo legislador na definição do instituto. Medida provisória não é lei. Em primeiro lugar, porque a diferença entre uma e outra reside, de acordo com BANDEIRA DE MELLO,

"em que as medidas provisórias correspondem a uma forma excepcional de regular certos assuntos, ao passo que as leis são via normal de discipliná-los" (13).

A segunda diferença estaria que as Medidas Provisórias são, por definição, efêmeras, enquanto as leis geralmente vigem por tempo indeterminado e quando são temporárias tem seu prazo por elas mesmas fixado, ao contrário da Medida Provisória cuja duração máxima é prevista constitucionalmente.

Outra diferença seria que a Medida Provisória não convertida em lei perderia sua eficácia desde o início, ao contrário do que acontece com a lei ao ser revogada.

As Medidas Provisórias são precárias, isto é, podem ser infirmadas pelo Congresso a qualquer momento dentro do prazo em que deve apreciá-las, em contraste com a lei, cuja persistência só depende do próprio órgão que a emanou.

Por fim, a Medida Provisória, para ser expedida depende de certos pressupostos - relevância e urgência - enquanto no que se refere à lei, a relevância ou urgência da matéria não é requisito para que seja editada.

Sobre o significado da expressão "força de lei", bem dispõe ANA CLÁUDIA MANSO RODRIGUES:

"Sendo assim, a força de lei apresenta uma dúplice faceta: força ativa ou derrogatória e força passiva ou de resistência. O aspecto ativo da força de lei das Medidas Provisórias consiste na sua potencialidade de inovar no mundo jurídico, afastando a aplicação das normas com ela incompatíveis. No tocante ao aspecto passivo, a Medida Provisória só pode ser atingida, revogada, por outro ato normativo de igual ou superior força, resistindo, portanto, ao ato não legislativo. A doutrina é uníssona em ressaltar que essa força de lei atribuída aos atos normativos há de ser analisada em consonância com os ditames do direito positivo. A potencialidade derrogatória, pois, deve ser entendida em harmonia com o regime jurídico posto. A medida provisória, ao ingressar no mundo jurídico, não revoga definitivamente as normas com ela incompatíveis, suspende-lhes a vigência e, por conseguinte, a eficácia" (14)

Vale ressaltar que o entendimento do Supremo Tribunal Federal também é no sentido de que a Medida Provisória não tem poder revogatório definitivo, apenas suspende a vigência e eficácia dos atos normativos com ela incompatíveis. Por outro lado, a Corte sustenta o entendimento de que a "força de lei" concedida pela Constituição à Medida Provisória, redunda em que a instituição ou majoração de tributos através deste instrumento normativo não configura afronta ao princípio da legalidade.

Verificada a significativa diferença entre a lei e a Medida Provisória, em que pese a expressão utilizada pelo constituinte - "força de lei", restaria comprovado o desrespeito ao princípio da legalidade, mais especificamente da estrita legalidade tributária, na instituição ou majoração de tributos através de Medida Provisória.

5.2. Pressupostos

Na análise da questão, vale destacar também os pressupostos da Medida Provisória. Os termos "relevância" e "urgência", extraídos da linguagem comum para serem inseridos num texto legal, revestem-se de grande importância para determinar as situações em que o Chefe do Poder Executivo poderá utilizar-se das Medidas Provisórias.

Por relevância, há que se entender que o legislador constituinte visou atribuir uma especial qualidade à natureza do interesse a ser regulado. É certo, por isto, que apenas em "casos graves", utilizando a expressão de BANDEIRA DE MELLO, é que justifica-se a adoção da Medida Provisória.

Mas não basta. O interesse há que ser urgente, e urgência aqui deve ser entendida como algo que não pode aguardar o decurso do tempo, pois, ao contrário, o benefício pretendido será inalcançável ou consumar-se-á o dano que se pretendia evitar.

A Emenda não inovou nossa Constituição Federal no que se refere aos pressupostos ou requisitos das Medidas Provisórias. O binômio "relevância e urgência" foi mantido como sendo a única situação autorizadora da edição de referidas Medidas. A avaliação da situação de relevância e urgência é efetuada discricionariamente pelo Chefe do Executivo.

Muito se discute sobre a possibilidade do Poder Judiciário examinar a ocorrência dos pressupostos da Medida Provisória. Debate a doutrina se este exame não se restringiria ao juízo político do Presidente da República.

A respeitável opinião de BANDEIRA DE MELLO é no seguinte sentido:

"Se relevância e urgência fossem noções só aferíveis concretamente pelo Presidente da República, em juízo discricionário incontrastável, o delineamento e a extensão da competência para produzir tais medidas não decorreriam da Constituição, mas da vontade do Presidente, pois teriam o âmbito que o Chefe do Executivo lhes quisesse dar. Assim, ao invés de estar limitado por um círculo de poderes estabelecido pelo Direito, ele é quem decidiria sua própria esfera competencial na matéria, idéia antinômica a tudo que resulta do Estado de Direito." (15)

O Supremo Tribunal Federal, em ADIN nº 162, tendo como relator o Ministro Moreira Alves em 14/12/89, pacificou a questão:

" Os conceitos de relevância e de urgência a que se refere o art. 62 da Constituição, como pressupostos para a edição de medidas provisórias, decorrem, em princípio, do juízo discricionário de oportunidade e de valor do presidente da República, mas admitem o controle judiciário quanto ao excesso do poder de legislar, o que, no caso, não se evidencia de pronto."

Diante da breve análise dos requisitos da Medida Provisória, já seria possível concluir pela sua incompatibilidade na instituição de matéria tributária. Isto não significa que não haja relevância ou urgência em matéria tributária. Mas o constituinte já tratou de formas excepcionais de instituição de tributos expressamente quando vislumbra situações urgentes e relevantes em matéria tributária. É o caso do imposto de guerra, empréstimo compulsório em caso de guerra ou calamidade pública. No tópico 6.1 esta matéria será mais aprofundada.

5.3. Procedimento

O processo legislativo das Medidas Provisórias inicia-se com o Presidente da República, único detentor do poder de iniciativa para editar a Medida Provisória, que terá imediata força de lei.

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Antes da promulgação da Emenda Constitucional 32/2001, a Constituição Federal pouco dispunha sobre o procedimento de aprovação das Medidas Provisórias. Em suma, o art. 62 e seu parágrafo único determinavam: que a Medida Provisória deveria ser submetida de imediato ao Congresso Nacional; que, estando de recesso, deveria o Congresso Nacional ser convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias; que as Medidas Provisórias perderiam eficácia, desde a edição, se não fossem convertidas em lei no prazo de trinta dias a partir de sua publicação; e que o Congresso Nacional deveria disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.

Tendo em vista a prática por parte do Poder Executivo de reeditar, reiteradamente, e com o aval da Corte Suprema, as Medidas Provisórias ainda não aprovadas, e ainda visando combater a morosidade do Legislativo, a Emenda Constitucional 32/2001 procurou disciplinar mais detalhadamente a matéria.

A primeira etapa do novo processo legislativo das Medidas Provisórias é sua remessa imediata a uma Comissão Mista de Senadores e Deputados que, em obediência ao § 9º do art. 62 da Constituição Federal, emitirá parecer sobre a constitucionalidade da norma. Nesta Comissão, será realizado o juízo prévio sobre o atendimento dos pressupostos constitucionais da nova Medida, sem prejuízo de nova análise por cada uma das Casas Legislativas (art. 62 § 5º).

Passada a etapa de análise pela Comissão Mista, o projeto segue para a Câmara dos Deputados que fará a deliberação principal e, se decidir pela aprovação (com ou sem emendas), enviará ao Senado em obediência ao § 8º do art. 62. No antigo processo legislativo, o Congresso Nacional votava em sessão conjunta. Esta inovação imposta pela Emenda determinou um poder maior da Câmara em face do Senado na deliberação e aprovação de referidas normas. Isso porque, no processo legislativo, a vontade da casa que efetua a deliberação principal prevalece sobre a da que efetua a revisional.

"Se há conflito entre os textos aprovados pelas casas, o projeto de Lei volta para a casa que iniciou a análise, para que decida entre a sua versão e a da revisional encerrando assim a participação do Poder Legislativo no processo, enviando o projeto à sanção presidencial. Assim, por exemplo, digamos que a Câmara dos Deputados aprove os artigos a, b, c de uma Medida Provisória e remeta ao Senado que por, sua vez, aprove integralmente os artigos a e b, procedendo a alterações no artigo c. Este projeto voltará à Câmara que decidirá entre o seu texto e o texto do Senado. É flagrante a superioridade da Casa que faz a deliberação inicial." (16)

Outro ponto central do novo Processo Legislativo em estudo é sobre o prazo de eficácia das Medidas Provisórias. A partir da Emenda 32/2001, as Medidas Provisórias perderão eficácia desde sua edição se não convertidas em Lei pelo Congresso Nacional em 60 dias (§ 3º do art. 62). Este prazo poderá ser automaticamente prorrogado uma única vez na mesma hipótese de não conversão em Lei do projeto (§ 7º do art. 62). O termo inicial desse prazo é o da publicação da Medida Provisória pelo Poder Executivo.

Mas, apesar do § 3º reportar-se a uma perda de eficácia das medidas provisórias desde a edição, se não forem convertidas em lei no decurso de 60 dias, o prazo de eficácia das Medidas Provisórias, em verdade, é de 120 dias. Isto porque, o § 7º fala que são prorrogáveis por igual período uma única vez. A linguagem deste dispositivo, segundo BANDEIRA DE MELLO, torna referida prorrogação "automática" caso o Congresso Nacional não haja encerrado em 60 dias a votação que rejeitará ou converterá em lei a MP. Nas palavras do mesmo autor,

"Poder-se-ia perguntar porque, então, o texto falou em 60 dias ao invés de 120. A única resposta que nos acode ao espírito é que a menção à metade do prazo real teria sido feita com o intento de iludir a opinião pública e inúmeros congressistas de quadruplicar, como de fato ocorreu, o prazo previsto anteriormente à Emenda Constitucional que modificou o tratamento da matéria". (17)

Para PIMENTA,

"Isso confirma em parte o entendimento do STF, quanto à possibilidade de reedição, agora denominada de ''prorrogação de vigência'', só que limita essa possibilidade, fixando-se pressuposto objetivo para o seu cabimento, o que não acontecia na jurisprudência da Corte Maior, a qual não fixava qualquer limite ao número de reedições." [18]

O prazo para aprovação da Medida Provisória deverá ser suspenso no recesso parlamentar por força do § 3º do artigo em análise e voltará a ser contado no re-início dos trabalhos legislativos após o recesso.

Alterando regra anterior, que determinava a convocação extraordinária do Congresso Nacional em recesso no prazo de cinco dias (antigo art. 62) para análise de Medida Provisória, a Emenda Constitucional n.º 32 dispôs no § 8º do art. 57 que, se o Congresso Nacional for extraordinariamente convocado por qualquer outro motivo, aí sim deverá deliberar sobre eventual Medida Provisória pendente de apreciação, período no qual o prazo tornará a contar. O Congresso Nacional não será convocado apenas para tratar de Medida Provisória pendente.

O § 6º do art. 62 traz uma evolução no Processo Legislativo brasileiro, determinado o sobrestamento de todas as deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando a Medida Provisória após quarenta e cinco dias de sua publicação pelo Executivo. Em outras palavras, transcorrido o exíguo prazo de quarenta e cinco dias da publicação da Medida pelo Presidente da República, não importando a casa onde esteja tramitando, todos os demais trabalhos daquela casa ficarão paralisados até que se ultime sua votação. Vale frisar que o sobrestamento atinge apenas a Casa atrasada.

Aqui, em verdade, padeceria de certa incoerência a permissão pela Emenda de instituição ou majoração de tributos através de Medida Provisória (assunto tratado no tópico 5.4). Isto porque, ao permiti-la, a Emenda impôs a condição de ser a Medida convertida em lei antes do exercício em que será cobrado o tributo. Ora, sendo assim, a hipótese de instituição de tributos através de Medida Provisória coincidiria com a previsão constitucional do art. 64, §2º que disciplina as leis de iniciativa do Presidente da República em caráter de urgência e que tem o mesmo prazo de apreciação (45 dias). A única diferença entre os dois procedimentos residiria no fato de que na hipótese do referido art. 64, apesar das demais votações ficarem sobrestadas até que se aprecie a lei, há a ressalva de não ficarem sobrestadas as deliberações legislativas constitucionais da respectiva casa, que tenham prazo determinado. Talvez esta única diferença não justifique a exceção ao princípio da estrita legalidade.

A Emenda Constitucional n.º 32 vedou expressamente a possibilidade de reedição (na mesma sessão legislativa) de Medida Provisória rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso do tempo. No caso de rejeição expressa, a doutrina constitucional é uníssona em salientar pela absoluta vedação à reedição da Medida. Já quando a rejeição é tácita, entende-se possível a reedição na próxima sessão legislativa (art. 62 § 10º).

O § 7º dispõe que o Congresso Nacional, não apreciando a Medida Provisória no prazo estipulado, deverá disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes, o que já estava previsto na Constituição antes da Emenda.

O § 11º do art. 62 aplica uma sanção ao ‘Estado Legislativo’ no caso da inércia deste em editar o Decreto Legislativo que regule as relações jurídicas decorrentes da Medida Provisória não apreciada ou rejeitada. O prazo para o Congresso editar referido Decreto também é de sessenta dias, contados a partir da rejeição ou da perda da eficácia da Medida Provisória. A ‘sanção’ que o legislador inseriu no § 11º foi clara: "não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas".

Cumpre salientar o perigo deste dispositivo posto que o Presidente da República pode não ter quorum suficiente para aprovar sua Medida Provisória mas pode, por outro lado, ter apoio necessário para impedir a promulgação do decreto legislativo respectivo, o que faria com que a Medida Provisória passasse a regular as relações jurídicas do período em que vigorou. Se for a Medida Provisória inconstitucional, a situação se agrava. Os efeitos jurídicos deverão ser conservados ou não neste caso?

Finalmente, a mais infeliz inovação, foi a prorrogação da vigência, por prazo indeterminado, das Medidas Provisórias em vigor na data da publicação da Emenda. No atual contexto, temos então Medidas Provisórias com prazo determinado que são as editadas após a Emenda e Medidas Provisórias com prazo de vigência indeterminado que são as medidas em vigor até 11 de setembro de 2001.

Editada e publicada a Medida Provisória pelo Presidente da República, abre-se ao Congresso Nacional um leque de quatro possibilidades com diferentes reflexos sobre a Medida Provisória. Vejamos cada uma delas:

- Aprovação sem alterações:

Após tramitar por cada uma das casas separadamente (iniciando pela Câmara dos Deputados), o projeto de conversão das Medidas Provisórias em lei poderá ser aprovado sem qualquer alteração em sua redação original. O quorum de aprovação deste projeto de conversão será o ordinário (previsto no art. 47 da Constituição Federal), a saber, maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros.

O projeto de conversão torna-se Lei com a mera promulgação do Projeto, efetuada pelo Presidente do Senado Federal e com a publicação no Diário Oficial. Isso por motivos óbvios, vez que foi o próprio Presidente quem editou o exato projeto agora aprovado e convertido em Lei.

- Aprovação com alterações:

Pode ainda o Congresso Nacional aprovar a Medida Provisória com alterações no seu texto. Nesse caso, o projeto de conversão em lei se transforma em projeto de Lei alterado e aprovado pelo Congresso Nacional e deverá ser remetido ao Presidente para sua sanção (com a subseqüente promulgação e publicação) ou veto (com a subseqüente apreciação do veto pelo Congresso Nacional), seguindo desta forma o trâmite ordinário do Processo Legislativo. Os artigos alterados deverão ter sua regulamentação efetuada via Decreto Legislativo.

Durante o prazo que medeia entre a aprovação do projeto de conversão que alterou texto de Medida Provisória e a sanção presidencial, é a Medida Provisória que estará em vigor integralmente (§ 12º do art. 62) em sua redação original.

- Rejeição Expressa:

Poderá o Congresso Nacional expressamente rejeitar a Medida Provisória. Nesse caso ela sai de nosso ordenamento como se nunca tivesse existido. O efeito é ex-tunc e caberá ao Congresso Nacional elaborar decreto legislativo regulando as relações jurídicas decorrentes, lembrando que a sanção prevista pela Constituição Federal no caso de inobservância desse ônus pelo Legislativo é a vigência da Medida Provisória para as tais relações.

- Rejeição Tácita:

Tal situação decorre da não apreciação pelo Congresso Nacional no prazo estipulado pela Constituição Federal, a saber, 60 dias prorrogáveis por mais 60. O importante aqui é frisar que os efeitos da rejeição expressa e os da não apreciação pelo Legislativo são exatamente os mesmos, ou seja, a Medida Provisória sai de nosso ordenamento como se nunca tivesse existido, gerando efeitos ex-tunc e tendo o Legislativo o ônus de regular as situações jurídicas via decreto.

Em que pese a Medida Provisória ser um instrumento de exceção, a doutrina majoritária entende possível a edição de referidas espécies normativas no âmbito estadual e municipal desde que haja previsão tanto da Constituição Estadual respectiva quanto da Lei Orgânica do Município que assim deseje fazer.

5.4. Limites materiais

A atual Constituição pátria, em seu texto original, não fazia qualquer menção quanto às matérias que poderiam ser reguladas por Medidas Provisórias, diferentemente da Constituição anterior de 1967 e sua Emenda que data de 1969. Nesta, estava estabelecido que o Presidente da República poderia expedir decretos-lei (sendo vedado o aumento de despesas), concernentes à segurança nacional, finanças, bem como normas tributárias, criação de cargos públicos e fixação de vencimentos. A Carta Republicana de 1988, sob este aspecto, era omissa, não se referindo aos assuntos que por Medida Provisória poderiam ser dispostos. É certo que em alguns pontos esparsos o constituinte fez restrição sim à edição de Medidas Provisórias, como no art. 25 § 2º por exemplo, mas sempre de forma isolada e não na regra geral do Processo Legislativo das Medidas Provisórias.

Na ânsia de suprir tais lacunas legais, surgiu a Emenda constitucional nº 32, que delimitou a abrangência material das Medidas Provisórias, dispondo sobre a possibilidade da sua edição em todas as matérias que anteriormente geravam dúvida jurisprudencial ou doutrinária.

Inicialmente, a Emenda vedou a possibilidade de instituição de Medida Provisória em matérias insuscetíveis de delegação legislativa, hoje previstas no art. 62, §1º, I, a, c, d e III da Constituição Federal. São elas: nacionalidade cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167 § 3º; e reservada a lei complementar.

Louvável tal previsão por salvaguardar o poder inerente ao Legislativo pois, as mesmas vedações previstas à lei delegada se estendem à Medida Provisória, por uma questão de lógica legislativa. O mesmo vale para matéria reservada à lei complementar (art. 62, III, CF), por incorrer em reserva de lei em sentido estrito, à exclusiva disposição do Congresso Nacional.

A alínea b do inciso I § 1º do art. 62 veda a edição de Medidas Provisórias sobre matéria de direito penal, processual penal e processual civil. Quanto à proibição em matéria penal, tal previsão se justifica pois a criação de tipos penais por instrumento que não seja lei, que apenas tenha o caráter de "força de lei" choca frontalmente com a Constituição Federal, com o Código Penal e com o princípio da legalidade, até porque um instrumento com caráter provisório não seria cabível a título de uma punição criminal, tendo-se em vista que a sanção ficaria condicionada à possível conversão em lei. Aqui, ampliou-se o entendimento para além dos limites do status libertatis.

Quanto à matéria processual civil e penal, há total incompatibilidade destas com o caráter de urgência e provisoriedade da Medida Provisória, tendo em vista que estariam condicionadas à conversão em lei para que tivessem aplicabilidade. (art. 62, I, "b" da Constituição Federal).

A proibição de confisco de bens, de poupança popular e de qualquer outro ativo financeiro (art. 62, II, CF) por meio de Medida Provisória surgiu para evitar que ocorra novamente situação semelhante à já ocorrida no Governo Collor, quando a Ministra Zélia Cardoso de Mello confiscou todos os valores contidos nas cadernetas de poupança existentes à época.

O dispositivo veda também a edição de Medidas Provisórias sobre matéria já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.

O Direito Tributário não está incluindo dentre o rol de matérias insuscetíveis de veiculação por meio de Medida Provisória. Conclui-se, a princípio, que admite-se a regulamentação dessa matéria mediante tal instrumento normativo. Isto não significa, contudo, que não haja limites a esta possibilidade. Sobre esta matéria falaremos mais detalhadamente no próximo tópico.

O art. 246 da Constituição também foi alterado pela Emenda passando a dispor que a vedação à adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação foi feita por emenda acontecerá apenas entre emendas promulgadas entre janeiro de 1995 e a promulgação da Emenda nº 32 inclusive. Foi deixada aqui brecha legal para possibilidade de alterações em emendas constitucionais, posteriores à edição da Emenda Constitucional nº 32, o que configura um casuísmo, pois fazem deixar crer que as alterações no instituto possam modificar significativamente o quadro legal. Além do mais, incorre a Emenda em patente incoerência visto que veda a edição de Medida Provisória sobre matéria reservada à lei complementar mas acaba por permitir a edição da mesma sobre norma constitucional, que é hierarquicamente superior à lei complementar.

A restrição das matérias, objeto de Medida Provisória, feita por esta Emenda se vê como aspecto altamente positivo, entretanto, nota-se que foram abertas possibilidades a novas indagações acerca de restrições aos limites materiais no caso de matéria tributária e matéria alterada por emenda constitucional. Sobre aquelas, falaremos no tópico 6.2.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Luciana Furtado. Medidas provisórias e matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 550, 8 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6164. Acesso em: 19 abr. 2024.

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