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Privacidade e direito à imagem: Súmula 403 do STJ e o panorama da internet

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4 A SÚMULA 403 DO STJ: POSICIONAMENTO BRASILEIRO

4.1 A construção da súmula 403 do Superior Tribunal de Justiça

A súmula 403 do STJ confirmou a evolução doutrinária e dos precedentes da Corte, vez que no século passado pairava dúvidas sobre a autonomia deste assunto frente aos demais envolvendo a personalidade, os quais detinham proteção somente quando anexos a honra, propriedade, intimidade, identidade e/ou patrimônio moral.

No Brasil, a concepção do direito à imagem decorre da alta influência dos Códigos Civil Italiano e Francês, que também respaldaram a construção do Código Civil de 1916.

Neste contexto, destaque-se que o primeiro julgamento brasileiro envolvendo o direito à imagem, foi o da “Rainha” da beleza Zezé Leone e um cineasta que captara a sua imagem em ângulos inconvenientes à sua reputação[45]. Em que pese inovação, o artigo 666, inciso X do Código Civil vinculava o direito à imagem ao direito de autor, exigindo interpretação extensiva para isolar a imagem de outros direitos de personalidade.

Essa intenção tácita do legislador quanto ao não reconhecimento da autonomia do direito à imagem perdurou na positivação brasileira até a promulgação da Constituição Federal de 1988; ainda havia no entendimento dos juristas a sensação de que reparação se devia apenas com o prejuízo efetivo da vítima[46].

Sobre este ponto, destaque-se que julgamentos da década de 1970 já consideravam que era devido o dano moral e não somente a proibição da publicação como o texto legal fornecia a impressão sem a necessidade de comprovação de prejuízo pelo autor[47].

As decisões que fundamentaram a Súmula 403 guardam entre si a proposta acadêmica brasileira de Walter Moraes, deixando de lado as teorias que procuravam vincular o direito à imagem a algum outro direito de natureza personalíssimo. Some-se que a Constituição Federal melhor destacou a proteção à imagem; de outro lado, as críticas quanto à ausência de discriminação do conceito no atual Código Civil são notórias e extensas, o que germinou aos Magistrados fundamentação aleatória para buscar coerência legal às decisões proferidas.

Na construção da Súmula 403, dois casos receberam repercussão pela incongruência das decisões, mas que serviriam de base para a Súmula.

No emblemático caso envolvendo a atriz Maitê Proença e o jornal que divulgou uma fotografia de ensaio sensual feito à revista masculina, não houve consenso dos Ministros quanto à atribuição de dano moral pela honra subjetiva ferida da atriz.

O caso trouxe à baila se o dano moral mereceria reparação, vez que a foto pertencia a ensaio nu da atriz em outro periódico, o que traria o entendimento de que posar nua já era exercício inerente de sua vontade e profissionalismo[48]. Por tais razões, não haveria violação a honra subjetiva; somente reparação pelo dano à imagem em outro periódico não autorizado.

Em apertada votação, deu-se procedência a reparação do dano moral pela violação da honra subjetiva da atriz, em especial pelo voto da relatora Ministra Nancy Andrighi[49].

Com devida vênia discorda-se da opinião da Ministra à medida que não se vislumbra violação da honra subjetiva da atriz, que havia auferido vantagem econômica com a publicação das imagens. Além disso, a honra subjetiva defendida deveria abarcar todas as publicações e não somente aquelas em que a atriz não recebeu cachê como foi o caso do jornal. Ao que parece, o conceito de honra subjetiva foi utilizado para oferecer resposta financeira aos ínfimos valores de condenação pela violação do direito à imagem da atriz.

Outro caso que merece destaque na construção da Súmula 403 em virtude da ambiguidade com o caso anterior é o do ator Marcos Pasquim. Este ator, por meio de paparazzi, teve suas fotos divulgadas em  uma revista de fofocas, durante encontro com outra mulher que não a sua cônjuge. Nesta ocasião a Corte Superior reconheceu indenização somente pela violação ao direito à imagem do sem considerar aspectos de sua honra para fins de dano moral.

Note-se que a mácula à honra era gravíssima, mas que devido ao protecionismo ao indivíduo feminino, aspectos ventilados no caso da atriz Maitê Proença sequer foram mencionados no voto vencedor[50].

Embora os casos sejam fundantes à Súmula, que direciona pela indenização sem prova de prejuízo, as discussões em cada Recurso Especial gravitam sobre conceitos subjetivos, cuja ausência de padronização do entendimento da Corte Superior traz enorme dificuldade aos juristas.

Além disso, embora a conquista da natureza autônoma do direito à imagem, é inconteste que advém violações a outros direitos personalíssimos; todavia, não se vislumbra qualquer esforço prático da Corte Superior em diminuir o subjetivismo que capitaneiam as decisões.

Embora o assunto esteja sumulado, pelos entendimentos dos arestos que fundamentam o texto sumular, a Corte Superior ainda não acalenta de forma coerente as inúmeras discussões que decorrem da violação do direito à imagem.

4.2 Julgamentos atuais após edição da súmula

Importa saber que os casos reunidos que criaram a Súmula 403, contribuíram para firmar a autonomia do direito à imagem e são utilizados como fonte na aproximação do direito com os problemas ligados a violação à imagem na Internet, especialmente pela nocividade que se apresenta através das redes sociais.

O mundo atual não tolera a intimidade pela desconfiança de que o íntimo pode prejudicar o meio social. Embora a vigilância traga alento à praga do terrorismo, furta-se o direito de estar só.

De igual modo, a era da informação está ligada a divulgação da imagem para proteção de todos. E nisso residem conflitos atuais com os quais a jurisprudência precisa se preocupar e direcionar tensões sociais[51].

O fenômeno da Internet traz consigo a ideia de relativização do dano à imagem já que a sociedade aderiu ao uso indiscriminado da tecnologia. Neste sentido cite-se o entendimento do Professor Nelson Rosenwald[52].

A jurisprudência brasileira tem firmado posicionamento de que os provedores de serviços de Internet não são responsáveis pelo conteúdo ofensivo publicado por usuário que decide macular a imagem de seu desafeto, porque esta atitude não é parte do risco inerente ao negócio de prover conteúdo ou plataforma virtual.

Atualmente os provedores tornam-se responsáveis solidários pelo conteúdo se descumpridos o prazo de vinte e quatro horas da data da comunicação pela retirada do conteúdo do site.

Trazemos à baila o julgamento envolvendo uma profissional jornalista de rede televisiva que teve sua imagem capturada e amplamente divulgada na Internet, inclusive em sites de buscas, causando-lhe constrangimento em razão do conteúdo íntimo que o vídeo possuía.

Embora haja construção jurisprudencial em sentido contrário nas publicações impressas, a violação à imagem e o direito à privacidade no ambiente virtual não goza da mesma razoabilidade no julgamento.

A Corte Superior entendeu pelo indeferimento da reparação de dano moral a autora, tanto pela violação à imagem ou privacidade, elidindo a responsabilidade do provedor de serviço, acentuando que a conduta ingênua da autora na guarda de vídeo íntimo em seu correio eletrônico foi o catalisador de seu constrangimento[53].

O direito indeferido da autora também mostra a colisão de direitos, prevalecendo o direito à informação, atendendo ao enunciado da Jornada de Direito Civil do CEJ da Justiça Federal[54].

A professora Silmara Juny Chinellato leciona o imbróglio envolvendo colisão de direitos, orientando rigorosa atenção aos princípios da proporcionalidade[55].

Conquanto exista corrente que admita a responsabilidade objetiva e solidária dos provedores de Internet, regulando através de legislações esparsas como a do Marco Civil[56], parte dos Magistrados resistem à evolução de conceitos que transportam precariamente ao  ambiente virtual, cujo raciocínio antigo não domina a extensão das celeumas atuais.

O dogma clássico envolvendo o direito à imagem sofre com a nova tecnologia, à medida que o avanço da tecnologia é geométrico e possivelmente não resistirá sem a revisitação do assunto de forma profunda. Imenso e púbere é o oceano da virtualização da sociedade que merece estudo detido de forma a coibir abusos de direito e coerência dos que já navegam em velocidade de cruzeiro[57].

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5 CONCLUSÃO

Os avanços dos séculos XIX e XX contribuíram para a concretização dos direitos à personalidade, classificação e conceituação para dignificar o status de ser pessoa. Contudo, não se compara aos avanços do início do século XXI pela importância que a publicidade deu a imagem e a mercantilização de atributos que outrora eram vistos apenas como singela beleza.

Não obstante a obviedade conclusiva, ponderamos pela ênfase no estudo que revisite elementos conceituais dos direitos à imagem a considerar a jurisprudência que emite opiniões fundamentadas em conceitos clássicos sem observar as drásticas alterações sociais.

Em vista do prognóstico de virtualização das relações pessoais e comerciais, legitimamente já conhecidas entre todos pela facilidade e desburocratização que a tecnologia dispõe e além; tem influenciado as novas gerações a não considerarem as conquistas das gerações passadas numa espécie de anestesia provocada pelo fenômeno das facilidades.

Até o início da virtualização era comum observar o ser humano batalhar por direitos em contraponto a ideais que restringiam direitos. A ameaça que se faz pensamento jurídico é a vontade social na precarização de direitos personalíssimos porque ao que parece a tecnologia exige, seja por benefício econômico, social ou até mesmo suposto sucesso daqueles que negociam direitos em busca de notoriedade.

Com essa retração da inteligência social frente à tecnologia surgem paradigmas que não são de fácil resolução quando utilizada a teoria clássica, exigindo esforço hercúleo do intérprete na adequação razoável e fundamentada sobre o caso concreto.

Mas não é só. Há esforço internacional liderado pelos Estados Unidos para a construção de Tratado internacional  que, dentre outras premissas, faça a regulação do perfil de acesso às redes coibindo práticas abusivas perpetradas por usuários através das ferramentas tecnológicas, como redes sociais.

Essa intenção governamental tem sido repassada a esfera privada através de propostas de empresas gigantes da Internet que já tem inserido em suas políticas ferramentas que denunciam práticas ilegais de outros usuários, cujo tratamento torna-se privado e ao arbítrio do moderador da tecnologia.

No compasso de todas as mudanças o que se tem é um ambiente legislativo enfraquecido pela lentidão na reflexão e aprovação de texto que pondere celeumas com a celeridade que a virtualização exige.

Deste modo têm-se que os conflitos em direitos à imagem são tratados mediante acusação e defesa e julgamento de um moderador do próprio canal virtual utilizado para ofensa, sem isonomia, qualidade ou reflexão inerente ao jurista.

Os direitos personalíssimos estão ameaçados pela própria ação do homem na robotização e virtualização de vida. O sedutor mundo da virtualização instiga ao ser humano a curiosidade, a ausência de privacidade, ao desatino de publicar cada movimento dado durante o dia, o ser humano limita-se na sua própria incapacidade de raciocinar a vivência da ficção de George Orwell.

Aos angustiados de alma, resta-lhes vivenciar o falsário da felicidade divulgada nas redes sociais. Não há tristeza, depressão, problemas financeiros ou males de ordem alguma, apenas felicidade. E nesse exercício de hipocrisia, subjugamos nosso direito de divulgar imagem correta, seja ela triste, cansada, feliz ou entusiasmada. Em última análise, o ser humano revogou sua individualidade e por idiossincrasia corriqueiramente, socorre-se ao direito para lidar e conscientizar a sociedade de que os limites protegem a todos.

Não se pretende avaliar a tecnologia como arma contrária a direitos personalíssimos, mas contribuir que este mesmo direito se renove. Para isso, prescinde conhecimento negocial dos juristas sobre os dizeres virtuais. Nossa ciência acomodou-se aos conceitos clássicos, que deverão catalisar novas pesquisas e gravitar sobre problemas relacionados ao século XXI, onde a relativização está presente no conceito social e para isso, o direito não remedia, apenas ajusta as relações entre indivíduos.

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Sobre o autor
Felipe Oliveira Castro Rodriguez Alvarez

Advogado | Gestor | para estratégia Jurídica, Litígios Multidisciplinares e Consultivo. Mestrando em Direito CivilMBA em Gestão de Departamentos Jurídicos e Escritórios de Advocacia. Pós graduado em Processo Civil e Direito do Trabalho. Facilitador entre as Áreas Corporativas. Orientador de negócios utilizando indicadores de Contencioso e Jurimetria.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVAREZ, Felipe Oliveira Castro Rodriguez. Privacidade e direito à imagem: Súmula 403 do STJ e o panorama da internet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5288, 23 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61985. Acesso em: 3 mai. 2024.

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