O controle de constitucionalidade no Brasil.

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O presente artigo tem como objetivo tratar da evolução desse instituto tão importante num Estado Democrático de Direito que é o controle de constitucionalidade.

Em primeiro plano, faz-se necessário frisar que a Constituição de 1824 não existia sequer modelos semelhantes ao controle de constitucionalidade contemporâneo. Com o advento da República, no ano de 1891, fora introduzido ao texto constitucional, tendo previsão expressa, o controle de constitucionalidade. Da articulação dos dispositivos que abordavam o tema, extraia-se a delegação de competência ao Poder Judiciário para se manifestar acerca da ilegitimidade das normas face ao texto constitucional, assim como ensina Luis Roberto Barroso:

Ausente do regime da Constituição imperial de 1824, o controle de constitucionalidade foi introduzido no Brasil com a República, tendo recebido previsão expressa na Constituição de 1891 (arts. 59 e 60). Da dicção dos dispositivos relevantes extraía-se a competência das justiças da União e dos Estados para pronunciarem-se acerca da invalidade das leis em face da Constituição. O modelo adotado foi o americano, sendo a fiscalização exercida de modo incidental e difuso. Com alterações de pequena monta, a fórmula permaneceu substancialmente a mesma ao longo de toda a República, chegando à Constituição de 1988.[1]

A Carta Constitucional de 1891 trazia em seu bojo somente a fiscalização de modo difuso (controle incidental), com base no modelo americano. Consoante Bulos, “Inaugurou em termos constitucionais positivos, o modelo brasileiro de controle jurídico-difuso de constitucionalidade. Ruy Barbosa, inspirado no Direito Constitucional americano teve especial influência nesse sentido” [2]. O modelo concentrado ou abstrato fora introduzido nos textos posteriores, observando preceitos inicialmente dispostos pela Constituição Austríaca, de forma a afastar o puro critério incidental então existente.

Com o advento da Constituição de 1934, foram introduzidas significativas alterações no que concerne ao controle de constitucionalidade das leis, visando, sobretudo, evitar a insegurança jurídica advinda das constantes mudanças. Nesse contexto, o principal objetivo era “resolver o problema relativo à falta de eficácia das decisões” [3]. Para tanto, o Poder Constituinte dispôs que a declaração de inconstitucionalidade seria então realizada pela maioria dos membros dos Tribunais. Bulos em complemento à Gilmar Mendes dispõe:

Em nome do ideário da segurança jurídica, consagrou quórum especial para se declarar a inconstitucionalidade (art. 179). Somente pela maioria da totalidade dos membros dos tribunais, as leis e atos normativos poderiam ser decretados inconstitucionais. Buscava-se, evitar flutuações de entendimentos na jurisprudência.[4]

Embora a Constituição de 1934 seja o marco inaugural do modelo concentrado de constitucionalidade, a fiscalização de forma incidental ainda encontrava-se presente. Ambos os modelos perduraram por toda a República, estendendo-se à atual Carta Constitucional de 1988.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 manteve como pressupostos os modelos de controle de constitucionalidade instituídos pelos textos de 1891 (difuso/incidental) e 1934 (concentrado/abstrato). Contudo, trouxe consigo significativo aperfeiçoamento do sistema, principalmente no que tange à matéria de fiscalização concentrada, sendo considerado por muitos doutrinadores, a exemplo de Bulos, “um dos mais avançados do mundo” [5].

Destaca-se que o controle difuso pode ser exercido por qualquer órgão jurisdicional, enquanto o concentrado restringe-se ao Supremo Tribunal Federal, quando se tratar de lei ou ato normativo federal ou estadual em face à Constituição Federal.

O controle difuso de constitucionalidade oportunamente sublinhado, teve suas bases formais instituídas pela Suprema Corte norte americana ao julgar o caso Marbury vs Madison, com base na premissa basilar da Supremacia Constitucional em face das leis infraconstitucionais. No Brasil o modelo foi introduzido no ordenamento pela Constituição de 1891, sendo recepcionado pelas Constituições seguintes, encontrando hoje sua disposição legal no art. 102, inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

[...]

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)[6]

O dispositivo retro delineado traz em seu bojo, de forma implícita, o julgamento realizado em única ou última instância pelos demais órgãos do Judiciário que versem sobre a incompatibilidade das leis para com os dispositivos da Constituição Federal.

O controle em questão é exercido por qualquer magistrado ou órgão colegiado pertencente ao Poder Judiciário, possibilitando a declaração, no caso concreto, da discordância de determinada espécie normativa para com o Texto Magno, deixando de aplicá-la naquela situação, seja por provocação das partes que litigam no processo ou de ofício pelo próprio julgador. Neste sentido dispõe Bulos:

O controle difuso, existente no Brasil desde a Constituição de 1891, permite a todo e qualquer juiz ou tribunal apreciar a inconstitucionalidade das leis ou atos normativos.

No Brasil, o controle difuso - também chamado de desconcentrado, subjetivo, aberto, concreto, descentralizado ou incidental - atrela-se à via de exceção.

Pela via de exceção ou de defesa, qualquer das partes, no curso de um processo, pode suscitar o problema da inconstitucionalidade, como questão prejudicial, cabendo ao juiz ou tribunal decidi-la, pois só assim a questão principal poderá ser resolvida.[7]

Por tratar-se de um incidente, a argüição de inconstitucionalidade pela via difusa não exige veículo processual específico, podendo ser invocada em ações de qualquer natureza, seja em petições iniciais, contestações, reconvenções ou qualquer outra peça, conforme ensinam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:

O controle de constitucionalidade incidental pode ser iniciado em toda e qualquer ação submetida à apreciação do Poder Judiciário em que haja um interesse concreto em discussão, qualquer que seja a sua natureza.

Ações de natureza cível, criminal, administrativa, tributária, trabalhista, eleitoral etc. - todas se prestam à efetivação do controle de constitucionalidade concreto.

Não interessa sequer a espécie de processo, podendo ser suscitado o incidente de inconstitucionalidade em processos de conhecimento, de execução ou cautelar, seja qual for a matéria discutida. Desse modo, ações como o mandado de segurança, o habeas corpus, a ação popular, a ação ordinária, etc. - todas são idôneas para a efetivação do controle de constitucionalidade concreto.[8]

Desta feita, ocorrendo violação ou ameaça de violação a direito subjetivo em virtude de lei ou ato normativo em desacordo com a Constituição, ou ainda, de omissão legislativa, haverá fundamento para argüição de inconstitucionalidade e consequente declaração desta pelo julgador.

Imperioso mencionar que as decisões proferidas sobre constitucionalidade no âmbito do controle difuso não são, a princípio, definitivas, havendo a possibilidade de serem levadas à apreciação pelo Supremo Tribunal Federal em sede de Recurso Extraordinário.

Ao contrário do modelo difuso/incidental, fundado na tradição americana, o controle concentrado/abstrato de constitucionalidade tem suas bases enfatizadas pelo modelo austríaco. Consoante o Min. Barroso, “Trata-se de controle exercido fora de um caso concreto, independente de uma disputa entre partes, tendo por objeto a discussão acerca da validade da lei em si” [9]. Portanto, resta evidente a via de ação, ou seja, a necessidade de provocação e demanda.

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Dispõe o art. 102, inciso I, alínea a, da Constituição Federal de 1988:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; [10]

Neste sentido, abstrai-se que o Supremo Tribunal Federal, como órgão de cúpula e guardião da Constituição, atua por meio do julgamento de ações de competência originária, visando analisar a compatibilidade das leis infraconstitucionais para com o Texto Magno, que são denominadas: ações diretas de inconstitucionalidade, ações declaratórias de constitucionalidade, ações de inconstitucionalidade por omissão e argüições de descumprimento de preceito fundamental. Assim dispõe Bulos: “Pela via de ação, somente o Supremo Tribunal Federal fiscaliza a constitucionalidade das leis e atos normativos, podendo ser provocado pelos mecanismos abstratos de defesa da Constituição” [11].

Nessas ações não há existência de lide, o que há é o questionamento de um ato criado pelo legislativo ou executivo que pode estar em discordância com o ordenamento constitucional.

A Constituição estabeleceu um rol de pessoas que detém legitimação para ingressar com essas ações, bastando que elas vislumbrem eventual violação de dispositivo constitucional por ato normativo infraconstitucional, buscando a sua eliminação do mundo jurídico, sem que haja qualquer defesa de direito próprio ou alheio. O art. 103 da Constituição Federal de 1988 elenca os legitimados a pleitear o controle concentrado de constitucionalidade:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

 I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

V o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.[12]

Tudo isso é feito para que assegure a segurança jurídica no ordenamento, que não deve possuir leis que estejam em conflito com a Constituição, de modo que a idéia de um controle de constitucionalidade está ligada aos princípios da supremacia e rigidez constitucionais, que se caracteriza pela presença de um sistema hierarquizado de normas, no qual a Constituição ocupa o lugar mais alto.

Ao realizar o controle da constitucionalidade das leis, o STF verifica a adequação de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição sob aspectos formais - observância do processo legislativo especificado na Constituição - e materiais - consonância de conteúdo com os princípios, os direitos e as garantias fundamentais previstas na Carta Magna - . Não obstante, há a previsão dos próprios parlamentares poderem denunciar ao Poder Judiciário as eventuais inconstitucionalidades que pensam estar ocorrendo no curso da elaboração de uma espécie normativa para análise mais profunda, com o intuito de coibir atos que desrespeitem as normas constitucionais e regimentais. Contudo, embora haja hipótese de atuação preventiva do STF, esta constitui uma mera exceção à regra geral de atuação, em que o controle de constitucionalidade ocorre de maneira repressiva, ou seja, após o ingresso da nova norma no mundo jurídico.


Notas

[1] BARROSO, Luiz Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 57-58.

[2] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 201.

[3] MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade. In: BRANCO, P. G. G.; COELHO, I. M.; MENDES, G. M. Curso de direito constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1996.

[4] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 202.

[5] Ibid, p. 204.

[6] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988, p. 35.

[7] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 205.

[8] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 15ª ed. rev. e atual. São Paulo: Método, p. 742.

[9] BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 4ª ed. São Paulo Saraiva, 2009, p. 45.

[10]  BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988, p. 35.

[11] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 235.

[12] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988, p. 35.

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