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Aspectos inconstitucionais e ilegais da Lei nº 10.833/2003.

Cofins não-cumulativa

10/03/2005 às 00:00
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A Lei 10.833, de 29 de dezembro de 2003, alterou a forma de apuração da Cofins para as empresas que apuram o Imposto de Renda pelo Lucro Real, tornando-a não-cumulativa e majorando a sua alíquota para 7,6%. Ocorre que, a diferenciação na sistemática de recolhimento da referida contribuição não encontra amparo na carta republicana de 1988, violando dispositivo expresso da Constituição e afrontando o princípio da Isonomia Tributária.

Além disso, a nova Lei da COFINS, ao determinar que o faturamento seja entendido como a "totalidade das receitas auferidas pelas pessoas jurídicas", fere o disposto no art. 110 do Código Tributário Nacional, que prevê a impossibilidade da lei tributária alterar a definição, conceitos e formas do Direito Privado.


Inconstitucionalidade da Lei n.º 10.833/2003 por ofensa ao Art. 195, §9.º da CF/88.

O atual texto constitucional outorga, no seu art. 195, competência para a criação de contribuições sociais incidentes sobre receita ou faturamento do empregador, da empresa e das entidades a ela equiparada.

A Emenda Constitucional nº 20/98 inseriu o § 9º ao art. 195 da Constituição, facultando ao legislador a cobrança das contribuições ali previstas com bases de cálculo e alíquotas diferenciadas, desde que tal diferenciação levasse em conta a atividade econômica desempenhada pelos contribuintes, ou a utilização intensiva de mão de obra, vejamos:

Art. 195 –

§ 9º - As contribuições sociais previstas no inciso I deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra.

Ocorre que a Lei nº 10.833/03, em desrespeito aos critérios eleitos pelo legislador constitucional, alterou a sistemática de apuração da COFINS, alterando sua alíquota de 3% para 7,6%, apenas para os contribuintes que apuram o Imposto de Renda pelo Lucro Real. Os demais contribuintes, que apuram o Imposto de Renda pelo Lucro Presumido ou Arbitrado, vão continuar recolhendo a COFINS com base na Lei 9.718/98, ou seja, com alíquota de 3%, como se observa no art.10 da Lei 10.833/2003, a seguir transcrito:

Art. 10. Permanecem sujeitas às normas da legislação da COFINS, vigentes anteriormente a esta Lei, não se lhes aplicando as disposições dos arts. 1o a 8o:

(...)

II - as pessoas jurídicas tributadas pelo imposto de renda com base no lucro presumido ou arbitrado;

Ao diferenciar a cobrança da COFINS com base no critério eleito para apuração do Imposto de Renda, a nova lei da COFINS acabou por afrontar o texto constitucional, extrapolando os seus limites. Isto porque, conforme exposto, a Constituição Federal somente prevê alíquotas diferenciadas nos casos específicos de utilização intensiva de mão-de-obra ou em razão da atividade econômica.

Saliente-se que a Constituição não contém palavras inúteis. Assim, quando o legislador constitucional especificou os casos em que a COFINS poderia ter alíquotas diferenciadas, sua intenção foi excluir a possibilidade de que tal acontecimento ocorresse em virtude de outros critérios que não a atividade econômica da empresa ou utilização intensiva de mão-de-obra.

Assim colocado, pode-se verificar que a Lei n. 10.833/2003, ao eleger critério diverso daquele estabelecido no § 9º do art. 195 para cobrança diferenciada da COFINS, incorre em flagrante inconstitucionalidade.


Da Isonomia Tributária

A Constituição Federal traz expresso em seu texto, como limite ao poder de tributar, a vedação de tratamento diferenciado para contribuintes que se encontrem em situação equivalente, nos termos do seu art.150, II:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...).

II - Instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por ele exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; (...).

(grifamos).

Nesse sentido, o ilustre professor Roque Antônio Carrazza, em seu Curso de Direito Constitucional Tributário [1], ao tratar sobre o tema, ensina:

"A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica deve receber o mesmo tratamento tributário. Será Inconstitucional – por burla ao princípio republicano e ao da isonomia – a lei tributária que selecione pessoas, para submetê-las a regras peculiares, que não alcançam outras, ocupantes de idêntica posição jurídica."

Ocorre que, a Lei 10.833/03, em confronto com o texto constitucional, estabelece tratamento tributário diferenciado para contribuintes que apuram o Imposto de Renda pelo Lucro Real. Acontece que esse critério não abarca a totalidade dos contribuintes existentes, tratando diferentemente contribuintes em situação equivalente.

Assim, cumpre-se observar, que não há relação direta entre a forma como se apura o Imposto de Renda e atividade econômica do contribuinte. Pode existir, por exemplo, empresas prestadoras de serviço tanto no Lucro Real como no Lucro Presumido ou Arbitrado. Desse modo, teremos a aplicação de uma alíquota de 7,6% para alguns prestadores de serviço e uma alíquota de 3% para outros em mesma situação.

Quando o legislador constitucional quis mitigar o princípio da Isonomia Tributária, ele expressamente o fez através do §9 do art.195 da carta magna. Assim, somente nos termos desse artigo poder-se-ia aplicar alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas.

No caso específico em tela, a Lei 10.833/03 não elegeu os critérios estabelecidos pelo §9 do art.195 para diferenciação de alíquotas, como já foi amplamente demonstrado. Desse modo, por uma simples análise dos dispositivos constitucionais, observa-se que a nova legislação fere o princípio constitucional da Isonomia Tributária.


Da Ilegalidade da Lei 10.833/03 face o Art. 110 do CTN

Antes de adentrar nesse ponto, faz-se necessário tecer algumas considerações sobre o conceito de faturamento dentro do ordenamento jurídico brasileiro para a compreensão da ilegalidade da Lei 10.833/03.

Faturamento, na linguagem técnico-jurídica, significa: o ato que decorre da emissão de faturas. De acordo com a doutrina aplicada ao Direito Comercial, fatura é o instrumento que exprime uma venda já consumada ou concluída, oportunidade em que se perfaz uma lista das mercadorias e/ou artigos vendidos, com indicação de preço; quantidade; demonstrações de qualidade e espécie.

Entretanto, o conceito de faturamento para efeitos tributários, não apenas o acima apontado, mas sim a todas as vendas de mercadorias e/ou de serviços realizadas pela pessoa jurídica.

E foi nesse sentido que o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 150.755-1/PE, quando se discutiu a constitucionalidade da cobrança do FINSOCIAL das empresas prestadoras de serviço, firmou entendimento no sentido de que para uma contribuição incidente sobre a receita bruta ser cobrada com fundamento no artigo 195 inciso I da CF/88, o conceito de receita bruta teria que ser entendido nos termos do Decreto-lei 2.397/87, ou seja, a aquela decorrente das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços, confundindo-se, desta forma, com o conceito de faturamento.

Assim, conforme o entendimento do STF, faturamento é igual a receita bruta da venda de mercadorias e serviços.

Analisado o conceito de faturamento e delimitado a sua abrangência, observa-se que a Lei 10.833 ofendeu o Art. 110 do Código Tributário Nacional, como se passa a demonstrar.

Inicialmente, a Lei Complementar 70/91, que instituiu a Cofins, previa a aplicação de uma alíquota de 2% sobre o faturamento, assim considerado como a receita bruta das vendas de serviços e mercadorias.

Posteriormente, foi editada a Lei 9.718/98, que ampliou a base de cálculo da referida contribuição, alterando o conceito de receita bruta, determinando que o faturamento seria compreendido como a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica independe da classificação contábil adotada para as receitas.

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Art. 1º. A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, com incidência não-cumulativa, tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.

§ 1º. Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica.

Ocorre que, a Lei 9.718/98, bem como a 10.833/2003, ao alterar o conceito de faturamento, equiparando-o a todo e qualquer tipo de receita auferida, confrontou, de forma direta, o quanto estabelecido no artigo 110 do Código Tributário Nacional - CTN, que assim determina:

Art. 110 A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Observa-se, portanto, que as alterações introduzidas pela Lei 9.718/98, e mantidas pela Lei 10.833/03, acabam por alterar o conteúdo e o alcance de um instituto de natureza privada, qual seja, o conceito de faturamento, violando o disposto no artigo 110 do CTN.

Ratificando este entendimento, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entendeu pela ilegalidade da Lei 9.718/98 por ofensa ao art. 110 do CTN, como se pode verificar no voto da Exma. Ministra Eliana Calmon proferido no julgamento do Recurso Especial nº 501.628 – SC (2003/0016134-1), em que se discutiu o conceito de faturamento dado pelo artigo 3º da Lei 9.718/98 correspondente a conceito de receita bruta, alterando a definição e alcance dos institutos de Direito Privado:

(...) A recorrente aceita, porque já firmado entendimento no STF, que faturamento é igual à receita bruta, mas não se conforma que receita bruta seja a totalidade das receitas.

(...) No entanto, a Lei 9.718/98, ao optar por uma base de cálculo diferente, fazendo a Cofins incidir sobre todas as receitas, extrapolou, sem dúvida alguma, o conceito constitucional estabelecido no art. 195, I, letra "b" e assim agrediu o art. 110 CTN.

(...) Em verdade, a Lei 9.718/98 buscou tributar outras receitas além daquelas representativas da atividade operacional da empresa, criando novo conceito para o termo, o que levou a infringir o art. 110 do CTN.

Dessa forma, pode-se verificar que a Lei 10.833/03, assim como a 9.718/98, ao alterar o conceito de faturamento, infringe o art.110 do CTN, sendo, portanto, ilegal.

Diante dos fundamentos apresentados, conclui-se que a Lei 10.833/03 está eivada dos vícios da inconstitucionalidade e ilegalidade, pelo que, não deve subsistir no ordenamento jurídico.


Bibliografia:

CARRAZA, Roque Antônio."Curso de Direito Constitucional Tributário". 18ª.Edição. São Paulo.Malheiros.


Nota

1 CARRAZA, Roque Antônio."Curso de Direito Constitucional Tributário". 18ª.Edição. São Paulo.Malheiros.Pág. 67.

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Sobre o autor
Rodrigo Saito Barreto

Procurador Federal. Especialista em Direito Tributário pelo IBET - Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, e em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Pós-graduando em Gestão Pública pela FGV – Fundação Getúlio Vargas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARRETO, Rodrigo Saito. Aspectos inconstitucionais e ilegais da Lei nº 10.833/2003.: Cofins não-cumulativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 610, 10 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6361. Acesso em: 18 abr. 2024.

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